A violência doméstica em tempos de pandemia
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 01/09/2021
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Além da doença em si, a pandemia do coronavírus agravou questões que já existiam na sociedade, como, por exemplo, a violência doméstica. E este não é um problema apenas do Brasil. De acordo com relatórios da ONU Mulheres, parte das Nações Unidas, houve uma disparada em pedidos de ajuda em canais telefônicos em todo o mundo, sendo as mulheres as principais vítimas.
Países como Canadá, Alemanha, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos e França relataram o aumento de ocorrências de violência durante os primeiros meses da crise do coronavírus. Outros países como Singapura, Chipre, Argentina e Austrália também apresentaram aumento de solicitações de ajuda em linhas telefônicas.
A pesquisa “Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, feita em maio, lançou luz sobre essa questão no país. Ela foi encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública junto ao Instituto Datafolha e mostrou que uma em cada quatro brasileiras acima de 16 anos sofreu algum tipo de violência ao longo dos 12 meses anteriores, o que representa um universo de aproximadamente 17 milhões de mulheres vítimas de violência física, psicológica ou sexual no último ano. Desse total, 25% apontou a perda de renda e emprego como os fatores que mais influenciaram na violência que vivenciaram em meio à crise sanitária de Covid-19. A pesquisa ouviu 2079 pessoas, entre homens e mulheres, em 130 municípios brasileiros, no período de 10 a 14 de maio de 2021.
De acordo com o trabalho, entre as vítimas, 48,8% relatou que a violência mais grave vivenciada no último ano ocorreu dentro de casa, percentual que vem crescendo. A rua aparece em 19,9% dos relatos, e o trabalho aparece como o terceiro local com mais incidência de violência com 9,4%. Um percentual de 44,9% das mulheres revelou não ter feito nada em relação à agressão mais grave sofrida.
Condomínios poderão ser obrigados a denunciar casos em SP
Em São Paulo, um projeto aprovado em agosto na Assembleia Legislativa sobre o tema envolve diretamente os síndicos. Ele obriga os condomínios residenciais e comerciais do estado a comunicarem aos órgãos de segurança casos de violência doméstica.
De autoria do deputado Professor Kenny (PP), o projeto de lei 108/2020 determina que os síndicos ou responsáveis pelos condomínios comuniquem imediatamente ou em até 24 horas os episódios de violência doméstica, seja contra crianças, adolescentes, idosos ou mulheres. Ele também pede que sejam fornecidas informações que possam contribuir para a identificação do agressor.
Além disso, os condomínios deverão fixar, em suas áreas de uso comum, cartazes, placas ou comunicados divulgando informações sobre a regulamentação. Se a lei for descumprida, o condomínio poderá receber uma advertência na primeira autuação da infração ou multas de até R$2,9 mil, a partir da segunda. O valor da multa poderá ser revertido em favor de fundos e programas de proteção aos direitos da mulher, da criança ou do idoso. Até o fechamento desta reportagem, o projeto ainda aguardava a sanção do governador João Dória.
Para o advogado José Ricardo Armentano, trata-se de uma medida importantíssima e atual, vez que tanto as autoridades competentes quanto os meios de comunicação vêm frequentemente alertando sobre o crescimento do número de casos envolvendo violência doméstica e familiar, principalmente contra mulher, nessa época de pandemia. “É importante ressaltar que o projeto em questão não cuida apenas de punir omissos e insensíveis. Vai muito além disso, já que propõe conferir ao síndico, inclusive, nos casos envolvendo flagrante ou existência de medida protetiva em vigor, a prerrogativa de impedir a entrada ou a permanência do agressor nas dependências do condomínio, e o dever de comunicação à autoridade policial”, destaca.
Ele acrescenta que vários Estados brasileiros já possuem legislação estadual específica a esse respeito, obrigando condomínios residenciais e comerciais a comunicar os órgãos de segurança pública quando houver em seu interior a ocorrência ou indícios de violência doméstica contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos. Entre eles, estão Rondônia, Distrito Federal, Paraná, Ceará, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Acre, Maranhão, Rio Grande do Sul, Bahia e Mato Grosso do Sul.
“Em relação aos condomínios, por se tratar de um problema delicado e crítico no cenário brasileiro, não basta, no âmbito da lei, apenas impor, por meio do respectivo síndico, o dever de comunicação desse tipo de violência à autoridade competente. Trata-se de um problema muito grave, cuja remediação depende do engajamento de toda a população condominial. Em razão disso, seria muito importante o tratamento mais abrangente dessa matéria, inclusive no Código Penal, para que nele seja incluída a tipificação do crime de omissão de socorro os casos de violência doméstica e familiar no âmbito condominial, de modo a possibilitar o indiciamento e a punição dos responsáveis, sejam eles proprietários, possuidores, síndicos…”, opina o especialista.
Os 15 anos da Lei Maria da Penha
Principal mecanismo de combate e prevenção de violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha completa 15 anos em 2021. Ela é considerada uma das três melhores no mundo pelas Nações Unidas, já que prevê mecanismos inovadores, como medidas protetivas, ações de prevenção, suporte às mulheres e grupos reflexivos para homens. “É importante ressaltar que essa lei, desde que foi introduzida no mundo jurídico, em 2006, vem sendo constantemente aprimorada, não apenas para conferir mais garantias e maior proteção à mulher, mas, também, para atender os anseios de toda a sociedade por um mundo melhor, mais justo e saudável”, explica o advogado José Ricardo Armentano.
Ele destaca alguns aprimoramentos feitos de dois anos para cá, como, por exemplo, a autorização para a aplicação, pela autoridade judicial ou policial, de medida protetiva de urgência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, a obrigação do agressor pelo ressarcimento do Estado quanto aos gastos realizados com o atendimento da vítima de violência física, sexual ou psicológica e a apreensão judicial de arma de fogo sob posse de agressor em caso de violência doméstica.
“As maiores virtudes relacionadas à Lei Maria da Penha residem justamente nos constantes debates pela sociedade em torno dela e nos aprimoramentos daí decorrentes. É importante ressaltar que desde a sua introdução no mundo jurídico, em 2006, essa lei vem sendo constantemente debatida e aprimorada para conferir, cada vez mais, maior proteção e maiores garantias à mulher”, conclui.
Para a advogada Ludmila Bondaczuk, a lei constitui um marco histórico para a garantia dos direitos fundamentais da mulher, alcançando todos os níveis da sociedade. “A lei reconheceu que a violência doméstica não deve ser resolvida apenas entre particulares, mas que deve ser uma política de Estado, competindo a esse último criar mecanismos para evitar a ocorrência, apoiar as vítimas e punir situações causadoras de dano e sofrimento à mulher no âmbito doméstico, familiar e afetivo. A criação de uma rede de proteção à mulher vítima de violência, constituída por diversos órgãos estatais, é um instrumento que tem se mostrado eficiente e ágil na assistência às vítimas, punição dos agressores e conscientização da sociedade sobre a importância de denunciar condutas odiosas contra as mulheres”, destaca a advogada.
Para ela, as atuais propostas legislativas, como a obrigatoriedade dos moradores de edifícios denunciarem ao síndico situações de violência doméstica, bem como alterações no Código Penal que endurecem as penas nessas situações, demonstram uma tendência na ampliação dessa rede de proteção das vítimas iniciada com a Lei Maria da Penha, um recrudescimento das penas e medidas contra os agressores e uma intolerância da sociedade sobre condutas que ameaçam ou atinjam a vida, saúde, liberdade e dignidade das mulheres.
Por: Gabriel Menezes