Aline Durães
Os baixos índices de leitura são uma das mais persistentes mazelas históricas do país. Lançada em 2001 pelo Instituto Pró-Livro, a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” ajuda a corroborar essa afirmação. Em sua quarta edição, publicada em 2016, a pesquisa concluiu que o brasileiro lê em média 2,43 livros por ano. Segundo o estudo, que considera leitor o indivíduo que leu pelo menos um livro — inteiro ou partes dele — nos últimos três meses, há no Brasil pouco mais de 104 milhões de leitores. E apenas 2% desse total costuma exercer a leitura em bibliotecas comunitárias, mantidas por moradores ou estabelecimentos.
Alguns condomínios vêm investindo para mudar essas estatísticas por meio da criação de bibliotecas em áreas comuns. A ideia é estimular o hábito da leitura entre os condôminos, mas as vantagens acabam indo bem além disso. “Uma biblioteca em um condomínio pode representar um ambiente propício ao estudo para os moradores, um silencioso espaço de coworking, onde eles podem convidar pessoas para reuniões de trabalho, por exemplo. Pode ser até mesmo um estímulo complementar ao hábito de leitura para crianças com ambientação infantil, jogos e atividades interativas”, destaca Isadora Escalante, bibliotecária responsável pela Biblioteca Comunitária União do Saber, que possui acervo com mais de dois mil títulos e atende, em média, 90 pessoas por mês, em Nova Iguaçu.
A relação custo-benefício é tão vantajosa que o Sindicato dos Condomínios Prediais do Litoral Paulista (Sicon) criou um curso para ensinar síndicos a montar uma biblioteca em seu ambiente condominial. Por meio do projeto Literatura em Minha Casa, o órgão distribui folhetos explicativos e orientações adicionais para os gestores interessados.
E não é apenas no Brasil que a iniciativa ganha força. Segundo matéria do Jornal O Globo, o lançamento de empreendimentos imobiliários que dispõem de biblioteca está em alta também nos Estados Unidos, especialmente em Nova Iorque. Em entrevista para o jornal, Tami Shaoul, vice-presidente da imobiliária Corcoran, enfatizou que a biblioteca acaba sendo um plus na valorização dos imóveis. “Nenhum cliente jamais disse ‘quero uma biblioteca’. Mas quando vamos apresentar o projeto, todos ficam surpresos ao se depararem com uma. Eles costumam se sentir bem, por ter um espaço silencioso no prédio do qual podem desfrutar”, contou o executivo, em matéria publicada em abril de 2012.
Quem mantém uma biblioteca no condomínio garante que os livros são capazes de melhorar a relação — nem sempre pacífica — entre os vizinhos, por favorecer o diálogo e por facilitar o compartilhamento de experiências e interesses. “A biblioteca estimula a leitura e democratiza o acesso ao livro que, no Brasil, ainda é caro. É um local de estudo, que a comunidade condominial pode acessar para ampliar seu conhecimento”, opina Vitória Sant’Anna Silva, representante da associação de moradores que administra o Condomínio Princesa Isabel, com 239 unidades, em Porto Alegre, e responsável pela criação da Biblioteca Comunitária, que será inaugurada em março no prédio.
Como criar uma biblioteca
Um espaço, alguns livros e muitas ideias da cabeça. Essa é a receita mais simples para se criar uma biblioteca. Mas, antes de efetivamente colocar a mão na massa e começar a organizar o acervo, uma etapa importante para o síndico interessado em criar um espaço de leitura em seu condomínio é a pesquisa de campo. “Há uma série de serviços que a biblioteca pode oferecer além do empréstimo de livros: acesso à internet, impressora, auxílio para emissão de segundas vias de boletos etc. São inúmeros benefícios que devem ser indagados aos próprios moradores por meio de uma pesquisa de campo”, explica a bibliotecária Isadora.
Esse mapeamento pode identificar não só as expectativas do público condominial acerca da biblioteca como também ajuda a descobrir os tipos de gêneros e assuntos que os condôminos gostariam de ter no acervo.
A etapa seguinte é a definição da sala que abrigará a biblioteca. Sejam distribuídos em mesas, estantes ou armários, os livros precisam estar alocados em um ambiente propício à leitura. Segundo os especialistas, há alguns padrões mínimos de qualidade que as bibliotecas comunitárias, mesmo as de condomínio, devem seguir. Entre eles, está o de ter um espaço mínimo de 30 m², limpo, arejado, iluminado, organizado e devidamente sinalizado e o de ter mobiliários para acomodar até quatro frequentadores ao mesmo tempo. “Precisa ser um espaço acolhedor, aconchegante, minimamente climatizado e, principalmente, organizado. É sempre aconselhável ter mobiliários onde os livros possam ser dispostos de forma acessível, espaços de leitura com pufes, almofadas, mesas e cadeiras para uma leitura individual, por exemplo, e um espaço amplo para uma leitura coletiva e reflexiva”, destaca Carlos Honorato, pedagogo, especialista em Literatura Infantil e Juvenil e mediador de leitura da Biblioteca Comunitária Wagner Vinício, em Jacarepaguá.
É importante também que a sala da biblioteca fique aberta ao público pelo menos três vezes na semana em horários pré-determinados. E, para gerar engajamento real e efetivo na comunidade condominial, é imprescindível que o projeto tenha gestão horizontal e compartilhada com os moradores. “É preciso ter em mente que o dever da biblioteca é funcionar como um espaço de formação de leitores e acesso ao livro, leitura e informação; ofertando o serviço de empréstimo e consulta ao acervo, organizando e oferecendo atividades de mediação de leitura periodicamente à comunidade”, salienta Isadora.
Outro ponto do qual o síndico não pode se descuidar é a organização do acervo. Inicialmente, será necessário solicitar aos vizinhos a doação de livros antigos, por meio de campanhas de arrecadação. Em alguns condomínios, o gestor costuma também angariar fundos para a compra de um número mínimo de obras para iniciar o projeto. “As doações são fundamentais. Antes mesmo de iniciarmos a operação da nossa biblioteca, um aluno que está indo para o Ensino Médio resolveu se desfazer de toda sua coleção de livros infanto-juvenis e doou para a gente. A ideia é que essas obras agora transitem pelas casas das crianças de nosso condomínio”, pontuou Vitória Sant’Anna, do Princesa Isabel.
Após a composição do acervo, é chegada a hora de definir um processo de trabalho diário, que envolva o cadastro de usuários, empréstimo de livros e monitoramento das locações. Aqui, o ideal seria o condomínio ter o apoio profissional de um bibliotecário na organização e catalogação dos livros. Mas o orçamento restrito, muitas vezes, impede esse tipo de contratação. “Minha sugestão é que o gestor comece usando uma planilha de Excel, por exemplo, para controlar os empréstimos. Nela, pode-se colocar o nome do condômino, a data de saída e a data de entrega do livro. Importante dizer que existem cursos de extensão de auxiliar de Biblioteca em universidades públicas que podem ajudar nesse processo. A Unirio é uma delas. O curso instrumentaliza a pessoa para oferecer um serviço de mais qualidade para os moradores”, enfatiza Carlos.
Carlos pontua que, além das rotinas diárias de trabalho, é importante o condomínio pensar em ações de estímulo que atraiam leitores para as dependências da biblioteca. “São muitas as ideias possíveis: realizar encontros de leitura com debates, encontro com autores e ilustradores, sugestões de leitura; convidar os mais velhos da comunidade condominial para contar histórias para crianças e jovens; exibir filmes inspirados em obras literárias. As doações de livros geralmente são feitas por meio dessas mobilizações”, pontua.
“Além dessas atividades, um bom recurso a ser usado pelas bibliotecas são as mídias digitais e redes sociais. Por meio delas, é possível divulgar as ações da biblioteca e informar um número maior de pessoas do condomínio. Ademais, as pessoas utilizam essas redes para enviar mensagens e tirar dúvidas. A maior delas é sobre doações de livros. Então, essa tem sido uma ferramenta importante quando se trata de mobilização de doações”, completa Isadora Escalante.
Aprovação
Como qualquer outro projeto condominial, a criação de uma biblioteca comunitária nos limites comuns da unidade também deve ser tema de assembleia condominial. Para facilitar a deliberação e aprovação da iniciativa, a dica é o síndico apresentar o projeto já com uma proposta de regulamento e regras de utilização. Definir essas normas desde o princípio alinha entendimentos diversos e evita transtornos. “A média de leitura do brasileiro ainda está aquém do necessário, mas já avançamos e isso é bom. As bibliotecas no geral, inclusive as comunitárias, contribuíram para esse avanço. Criar uma biblioteca e torná-la um espaço dinâmico e vivo é sinônimo de dar acesso ao livro e à leitura. Democratizar o acesso ao livro, à leitura e à literatura e tornar esse acesso contínuo é o caminho para tornar o Brasil um país de mudanças sociais e culturais”, destaca o pegogo Carl
“A melhor forma de atrair leitores é cativá-los com afeto, entendendo as suas necessidades e seus sonhos. Quando entram em uma biblioteca comunitária, seja em comunidades ou condomínios, muitas pessoas não sabem o que vão encontrar ali, por vezes estão sem grandes expectativas. Mas, quando percebem os serviços ali oferecidos e as ações realizadas, acabam se envolvendo. É um caminho sem volta”, finaliza a especialista Isadora.