Aline Durães
Você para o carro na entrada do prédio. Não tem controle remoto nem porteiro para
abrir o portão da garagem. A quilômetros dali — em outra cidade ou até mesmo outro
estado, um profissional checa sua identidade e, após confirmar que você é morador da
unidade, destrava a porta. Somente depois disso, você entra com o automóvel.
Cenas como essa têm se tornado comuns nos condomínios brasileiros que adotaram
a tecnologia de portaria virtual para o controle de acesso e saída. Na prática, o
funcionamento da ferramenta é bem simples: em vez dos porteiros físicos, o prédio
passa a contar com equipamentos e softwares de gestão de segurança que fazem
todo o processo de triagem de visitantes, fornecedores e moradores. Remotamente,
uma equipe especializada monitora em tempo real da unidade, permitindo ou
bloqueando a entrada e saída de pessoas.
A ideia vem agradando tanto que, segundo pesquisas, já são mais de 180 mil
condomínios em todo o país a aderir às portarias virtuais. Cinquenta mil deles estão no
estado de São Paulo. Por enquanto, dado o tipo de tecnologia disponível no mercado,
a solução se adequa, em especial, a unidades com até 100 apartamentos. Em
condomínios maiores, a operação se inviabiliza pela complexidade da infraestrutura
exigida. “Quanto menor a quantidade de apartamentos, maior é o benefício da redução
de custo por apartamento, e menos complexa a operação remota”, afirma Carlos Di
Giacomo, diretor da SafeDoor, empresa especializada no segmento de portarias
virtuais.
Economia e Segurança
A redução dos custos de manutenção das atividades da portaria, aliás, é uma das
principais vantagens do projeto. Foi em busca de maior economia que a síndica Karin
Cagy começou a pesquisar sobre portarias virtuais. Seu condomínio, o Nicolas, com
11 unidades, em Copacabana, tem portaria 24h, na qual 4 porteiros se revezam diariamente. Durante quatro meses por ano, ainda há um quinto profissional, responsável por substituir os demais em seus períodos de férias. No fim das contas, esse esquema de trabalho acaba pesando nas finanças do edifício: quase 70% do orçamento está comprometido com o pagamento de salários e direitos trabalhistas.
“Durante uma conversa, descobri um condomínio que passou a funcionar com portaria
virtual. Uma minha amiga que, na época da votação foi contra, hoje em dia está
supersatisfeita com a mudança. Após o relato dela, busquei informações e fui
pesquisar a novidade. Estudei muito o assunto, orcei com diversas empresas e
solicitei várias propostas. Visitei prédios com portarias virtuais, conversei com síndicos
e moradores. Em todos, o valor do condomínio caiu absurdamente”, conta a gestora.
Embora a implantação dos equipamentos e sistemas demande um investimento alto
— em torno de R$ 30 mil, a redução de gastos mensais chega a 50%. O projeto se
paga em poucos meses — especialistas estimam que o tempo de retorno de
investimento seja de 150 dias — e, assim, torna-se altamente atrativo para os gestores
com finanças comprometidas.
Mas como, na prática, a portaria virtual reduz gastos? Parte da economia é
proporcionada pela central de monitoramento remoto. Nela, uma equipe de
profissionais qualificados — treinada e com o apoio de rede e tecnologia — controla a
distância um número significativo de condomínios. Os custos de manutenção de toda
essa estrutura acabam sendo compartilhados pelos condomínios clientes, fazendo
com que o serviço em si seja individualmente bem mais em conta do que manter
empregados próprios. “Em algumas modalidades de contratação, por exemplo, não há
investimento inicial por parte do condomínio, já que todos os custos de instalação,
além dos equipamentos, são diluídos nas parcelas mensais. Assim, a redução de
custo já ocorre no primeiro pagamento do serviço”, explica Carlos Di Giacomo.
Outra vantagem da portaria virtual é a segurança. Os entusiastas da tecnologia
garantem que o risco de criminosos renderem funcionários para invadirem o prédio
praticamente zera, visto que não há porteiros fisicamente presentes na unidade.
Protegida contra qualquer ação externa, a equipe de monitoramento remoto consegue
acompanhar movimentações suspeitas por meio de câmeras e acionar a polícia sem
comprometer sua segurança. “Pelas câmeras, é possível ter uma análise adequada da
atividade. Em caso de suspeita de invasão ou assalto, a empresa chama a polícia e
acompanha a ocorrência pelas filmagens”, ressalta o especialista Carlos.
Além disso, o sistema possibilita a gravação e o armazenamento temporário de
imagens, inclusive de fluxo de carros e de entrada de visitantes. Com isso, o
condomínio pode analisar as gravações, não só para identificar ou prevenir delitos como também para resolver imbróglios entre vizinhos ou horários de entrada e saída de empregados domésticos, por exemplo.
Requisitos tecnológicos
Para estar em perfeito funcionamento, a portaria virtual demanda uma série de
dispositivos tecnológicos. E não poderia ser diferente: todo o monitoramento e controle
de entrada são realizados por imagens, sons e rede remota. Para tanto, são
necessários diferentes tipos de sistemas. O primeiro deles é o circuito fechado de TV.
Composto de câmeras distribuídas pela unidade, especialmente em pontos de acesso
à portaria, esse sistema é o cerne da vigilância realizada pela central de
monitoramento. É por meio do circuito de TV que os profissionais remotos identificarão
condôminos e se anteciparão a possíveis perigos.
O segundo sistema imprescindível para o sucesso da portaria virtual é o de controles
de acesso. No geral, os condomínios utilizam leitores de biometria, tags ou senhas
para a entrada e saída de condôminos. Alguns recorrem até mesmo a códigos de QR
Code para dar autonomia ao morador na hora de acessar sua unidade.
Outro requisito importante é um sistema de interfonia, por meio do qual o condomínio
se comunicará com a central remota em caso de falha na Internet. A maior parte da
comunicação com a empresa de portaria virtual é realizada via Rede Mundial de
Computadores, mas o condomínio precisa garantir um plano B, caso algum problema
comprometa o sinal de Internet. Por fim, opcionalmente, a unidade pode ainda adotar
dispositivos de alarme, como cercas elétricas e sensores infravermelhos para
incrementar a segurança da unidade. “Quando falamos de segurança, temos que
buscar sempre o melhor caminho, seja ela feita por pessoas ou via sistemas. Já tive
conhecimento de entregadores de produtos que acessaram o condomínio, mas foram
para blocos e apartamentos diferentes. Outros que já eram cadastrados e acessaram
as unidades indevidamente, pois o cadastro não estava atualizado”, narra Luiz
Henrique Ribeiro, síndico do Condomínio Duo Prime, com 80 unidades, em Botafogo.
A preocupação com os dispositivos eletrônicos deve ir para além da implantação.
Como a portaria virtual é altamente dependente deles, é crucial que o condomínio
disponha de uma rotina de manutenção desses aparelhos. Caso contrário, o sistema
fica vulnerável, e o prédio também, consequentemente. Dependendo do contrato de
adesão, pode ficar a cargo da empresa terceirizada de portaria realizar inspeção
periódica e substituir os equipamentos em caso de falhas. Por isso, a dica é ter
atenção na hora de firmar o contrato e especificar, desde cedo, o tipo de manutenção
preventiva a ser realizado e sob responsabilidade de quem ficará esse quesito. “É importante garantir que o contrato deixe clara a responsabilidade da empresa pela avaliação do condomínio e que os equipamentos estarão prontos para uso. Em alguns casos, pode ser interessante contratar um consultor externo para fazer um acompanhamento técnico dos serviços e aparelhos da empresa”, aconselha Caroline Roque, consultora da Coelho, Junqueira e Roque Advogados.
Como fica o acesso?
Antes de ter a portaria virtual funcionando a todo vapor, o condomínio terá de efetuar
um cadastro de todos os moradores no novo sistema. Nome, RG e CPF, número do
apartamento, além de uma foto, são os itens habitualmente exigidos nessa fase. Da
mesma forma, visitantes constantes bem como empregados domésticos também terão
de registrar seus dados de identificação.
Os visitantes esporádicos passam por processo distinto: são cadastrados no momento
do acesso e após liberação pelo condômino responsável. Imagem e dados ficam
gravados no sistema até o momento em que eles deixam a unidade. Em caso de nova
visita, todo o procedimento deve ser realizado novamente.
Algumas situações específicas de acesso ao condomínio merecem tratamento
diferenciado. É o caso da entrada de visitantes em dias de festa e de entregas
delivery. Para festas e eventos no play, geralmente, o esquema envolve o envio prévio
da lista de presentes para a central de monitoramento. Na dia D, o acesso de cada
visitante é checado. Algumas empresas optam, inclusive, por destacar um funcionário
presencial para auxiliar essa checagem no caso de festas com um número muito alto
de convidados. “No caso das entregas, a gente recomenda que zeladores ou
funcionários da limpeza sejam acionados para irem até a portaria. Nos raros casos de
entrega fora do horário comercial, o morador é chamado ou o entregador deixa a
encomenda em um local seguro. Há soluções como lockers que podem ser operados
remotamente”, sublinha Carlos Di Giacomo, da Safedoor.
O outro lado da moeda
Embora reconheçam a economia gerada pela portaria virtual, muitos síndicos ainda
têm dúvida sobre a assertividade do sistema. É o caso do gestor Luiz Henrique
Ribeiro. Ele acredita nos benefícios dos avanços tecnológicos, mas fica inseguro
quanto à capacidade de os sistemas remotos responderem a questões cotidianas da
portaria: “Não tenho dúvida quanto à eficácia tecnológica e sistêmica desses
dispositivos, mas quanto a questões de segurança preventivas, que dependem de uma sensibilidade característica dos seres humanos, ainda me restam questionamentos. Ilustrativamente, posso dar um exemplo: em uma rua de pouca movimentação de pessoas e de trânsito, caso um veículo estacione próximo à portaria ou garagem do prédio, sem que haja desembarque de pessoas por vários minutos, isso normalmente é uma situação de risco, não? Nesse caso, a portaria virtual seria mais capaz de identificar tal fato do que um porteiro ou vigilante?”, indaga o síndico do Duo Prime.
O aspecto humano, citado por Luiz Henrique, é um ponto importante dos debates em
torno das portarias virtuais. Isso porque, além de não confiarem em uma análise 100%
remota, muitos gestores relutam em demitir seu efetivo de empregados. Ou porque
não possuem condições financeiras de arcar com as despesas trabalhistas no caso da
dispensa ou por pressão do próprio efetivo de funcionários. Há notícias de sindicatos e
associações de classe, como a Federação Nacional dos Trabalhadores em Edifícios e
Condomínios (Fenatec), por exemplo, que já vêm organizando campanhas de
combate ao sistema virtual de portarias. Eles argumentam que, além do impacto social
das demissões de porteiros, a portaria remota sobrecarrega outras figuras
condominiais — entre eles o zelador — que passam a acumular funções. “Até o
momento, não existe qualquer impedimento à substituição de mão-de-obra humana
por sistemas de portaria virtual. O único risco legal é se o condomínio ignorar algum
direito do trabalhador no ato da rescisão. Por isso, a melhor prevenção é contar com
assessoria especializada na hora de desligar funcionários”, sugere a advogada
Caroline Roque.
Os críticos à tecnologia elencam ainda outras fragilidades do sistema, entre elas a
dependência excessiva de Internet e de luz elétrica. Mas os especialistas em portarias
virtuais afirmam ser totalmente possível garantir a segurança da unidade mesmo em
cenários adversos sem rede e sem energia. “A gente solicita que o condomínio tenha
um nobreak com bateria para seis horas de autonomia, cobrindo todo sistema
eletrônico e os motores dos portões de veículos nos casos de falta de energia elétrica.
Já para a ausência de sinal de Internet, a recomendação é contratar dois links; assim,
o segundo atua no caso de queda do primeiro”, propõe Carlos, diretor da Safedoor.
Por fim, uma das desvantagens mais contundentes do sistema de portaria virtual está
nas pesadas multas em caso de rescisão dos contratos de prestação de serviço. Não
são poucos os relatos de síndicos que, desinteressados em manter o sistema
funcionando, desistiram de levar o cancelamento adiante em função das altas multas
contratuais. “O condomínio deve contratar um advogado para assessorá-lo na revisão
do contrato, de forma que se evitem cláusulas abusivas ou que gerem consequências
não desejadas. Caso a prestadora de serviço não cumpra o contrato, gerando insatisfação da unidade, este poderá ser cancelado sem multa, desde que a infração da empresa seja comprovada. Um contrato bem redigido terá previsão de garantias que assegurem os direitos condominiais. Por outro lado, um documento mal feito pode gerar prejuízos e eventual responsabilização do síndico”, alerta Caroline Roque.
Uma forma de minimizar problemas na contratação é escolher uma empresa
reconhecida no mercado. Na hora de decidir, aspectos como o preço final do serviço
são menos importantes do que a qualificação das equipes de monitoramento e as
garantias contratuais no que tangem à manutenção preventiva e corretiva e tempo de
resposta a falhas do sistema. Uma exigência importante a ser feita pelo síndico é a de
a empresa contratada enviar um funcionário presencialmente ao condomínio no caso
de o sistema ficar, por algum motivo, inoperante.
Processo de Aprovação
Para a portaria virtual ser implantada no condomínio, é preciso que o assunto seja
discutido e aprovado em assembleia. O quorum requerido vai depender de um parecer
jurídico, que avaliará a situação atual da unidade e deverá dizer se a benfeitoria é
necessária — e exigir maioria simples de votos — ou útil — e exigir maioria absoluta.
“Além disso, é recomendável criar um regulamento específico para garantir o bom uso
do sistema de portaria virtual. Para deixar os condôminos bem preparados para
discutir o assunto, o síndico deve estar pronto para demonstrar todos os elementos
possíveis — apresentações, detalhes do sistema, funcionamento, contratos, valores
etc. Pode ser relevante distribuir informações para os condôminos antes da
assembleia e convidar as empresas para apresentarem seus serviços e tirar dúvidas
dos condôminos”, aconselha a advogada Caroline Roque.
O especialista Carlos Di Giacomo enfatiza: nesse caminho de aprovação, é importante
que os moradores sejam municiados de todas as informações. Somente assim, as
decisões serão acertadas. “Deve-se mostrar os diversos benefícios financeiros e de
segurança que o sistema traz. Mas também é necessário destacar que algumas
comodidades, como o porteiro abrir porta para o morador ou carregar sacola,
acabarão. Pontue ainda que, se houver um problema no portão da garagem, poderá
não haver uma pessoa para abri-lo manualmente. É importante o entendimento de
todos os prós e contras para uma escolha consciente da mudança”, afirma Carlos Di
Giacomo, diretor da Safedoor.
No condomínio Nicolas, da síndica Karin Cagy, as discussões sobre a implantação da
portaria remota estão em andamento. A gestora já se reuniu com conselheiros e
realizou uma assembleia. “A portaria virtual já é bastante comum em São Paulo e está chegando ao Rio. Além de economia, traz segurança. Os moradores têm muita dificuldade na mudança da rotina, mas estou na torcida!”, afirma.