Reutilização de águas cinzas cresce em condomínios
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 19/11/2024
Sustentabilidade
O reaproveitamento deste tipo de água – já incentivado por lei – preserva o meio ambiente e gera economia
Mario Camelo
Você já ouviu falar em águas cinzas? Tema amplamente discutido em estudos de sustentabilidade e gestão de águas, as águas cinzas são águas residuais geradas em atividades domésticas, como por exemplo banho, lavagem de roupas e louças, e demais atividades que não contenham dejetos humanos, estas, no caso, são as chamadas águas negras, que vêm de vasos sanitários, por exemplo.
As águas cinzas podem conter resíduos de produtos de higiene, detergentes e partículas de alimentos, mas no geral, possuem uma carga de contaminantes orgânicos e químicos menor do que as águas negras. Esse tipo de água pode ser tratado e reutilizado para fins que não exijam água potável, como irrigação de jardins, descarga de vasos sanitários e limpeza de áreas externas, ajudando a economizar água. Para serem reutilizadas com segurança, é necessário tratá-las para remover contaminantes e reduzir a presença de microrganismos.
No universo dos condomínios, vêm crescendo a implantação de sistemas de reaproveitamento dessas águas. Segundo o especialista Jorge Porto, diretor de operações da T&D Sustentável, a Lei 14.546/23 incentiva o reaproveitamento de águas cinzas e pluviais para usos não potáveis, alterando a Lei de Saneamento Básico.
“Embora não haja obrigatoriedade nacional, a norma promove seu uso em novas construções e em atividades paisagísticas e industriais. A legislação exige que os reservatórios de águas cinzas e pluviais sejam separados da rede pública de abastecimento e passíveis de tratamento para assegurar a segurança hídrica. Essa medida é importante em regiões onde o reuso de água é essencial para a sustentabilidade hídrica”, explica.
Porto diz que as águas cinzas representam entre 50% a 80% do volume de esgoto doméstico e têm grande potencial para reaproveitamento.
“O desenvolvimento de um sistema para reuso de águas cinzas em condomínios começa com o planejamento da captação dessas águas diretamente das fontes (chuveiros e lavatórios, por exemplo) até o reservatório de reuso. Após a coleta, elas devem ser tratadas conforme a qualidade de uso desejada e utilizadas para descargas de vasos sanitários, irrigação de áreas verdes ou lavagem de pisos. Existem sistemas variados: desde modelos simples, para uso específico como água de lavagem, até sistemas centralizados, que integram toda a coleta e redistribuição da água tratada para múltiplos usos no condomínio”, diz.
Em Curitiba (PR), a incorporadora AGL acabou de entregar o seu segundo empreendimento com sistemas de tratamento e reuso de águas cinzas, o New Urban. Os empreendimentos da incorporadora são os únicos multi residenciais da capital paranaense com esse diferencial. O projeto do edifício prevê o uso de metais sanitários com controle de vazão e a instalação de estação de tratamento de águas cinzas dentro do condomínio. Além disso, a incorporadora adotou o aproveitamento de águas pluviais já no canteiro de obras.
De acordo com o engenheiro civil e sócio da AGL, Giancarlo Antoniutti, o consumo de água durante as obras fica em torno de 200 a 250 litros para cada metro quadrado. E, para fazer a compactação de um metro cúbico de aterro, podem ser consumidos até 300 litros.
“A construção civil está entre os maiores consumidores de água tratada do planeta. Dados do Green Building Council mostram que o setor é responsável por cerca de 21% do consumo de água no mundo. Pensando nisso, decidimos instalar a cisterna já no início da construção do New Urban”, afirma.
Além da implantação da infraestrutura, a incorporadora vai orientar os futuros moradores sobre os cuidados necessários para o bom funcionamento do sistema de reuso de águas residuais. As instruções serão incluídas no manual do proprietário, assim como aconteceu no outro empreendimento, em que o percentual de economia de água já chega a 22%.
“É importante orientar os proprietários, já que o sistema é projetado para receber apenas águas provenientes de chuveiros e lavatórios. Portanto, nestas tubulações específicas, não se deve despejar esgoto sanitário ou gordura, resíduos de tintas, thinner, aguarrás, óleo, combustíveis em geral, como diesel, gasolina e etanol, além de corantes industriais. Isso porque essas substâncias podem danificar os componentes do sistema de tratamento”, ressalta o engenheiro e gerente de planejamento da AGL, Vinícius Hanser.
Outra norma importante a ser seguida pelos condôminos, segundo Hanser, é não fazer alterações na rede de esgoto de lavatórios e de chuveiros, evitando o comprometimento do sistema projetado apenas para as águas cinzas.
Tecnologias utilizadas na captação das águas cinzas
De acordo com Jorge Porto, o tratamento das águas cinzas é essencial para garantir seu reuso seguro. A escolha da tecnologia depende da finalidade de reuso e do nível de contaminação da água. A sua eficiência também varia. As principais opções incluem:
– Tratamento físico-químico: combinando métodos físicos e químicos, este tratamento remove partículas suspensas, matéria orgânica, cor e turbidez. Coagulação e floculação (processos que agregam partículas pequenas em flocos maiores) podem reduzir até 90% da turbidez da água;
– Tratamento químico: empregando reagentes como sulfato de alumínio ou cloreto férrico, é eficaz para tratar águas com grande carga de partículas em suspensão, ajustando a transparência e segurança microbiológica;
– Tratamento biológico: utilizando microrganismos que consomem matéria orgânica presente na água, é eficiente para remover contaminantes biológicos. Contudo, gera subprodutos como metano, exigindo atenção ambiental em áreas densamente povoadas.
Tempo e custo de instalação
Segundo o especialista, o custo de instalação pode ser significativo, especialmente para condomínios de grande porte, mas gera economia a longo prazo ao reduzir o consumo de água potável.
“O custo é influenciado pelo tamanho e complexidade do sistema, o tipo de tratamento escolhido e a necessidade de adequações na infraestrutura existente. Projetos menores podem optar por soluções compactas e menos invasivas, enquanto sistemas grandes exigem investimentos robustos para garantir alta capacidade e eficiência”, acrescenta.
Já em relação ao tempo de implementação, ele pode variar de três a doze meses, dependendo da escala do projeto e da infraestrutura do condomínio.
“O planejamento e a adequação à infraestrutura existente são as etapas mais longas, demandando conformidade com normas técnicas como a NBR 5626 (Instalações Prediais de Água Fria), NBR 15527 (Aproveitamento de Água da Chuva), e NBR 16783 (Instalações de Reuso de Águas Cinzas), que garantem segurança e eficiência”, explica.
Em condomínios já prontos, a instalação pode ser mais desafiadora e geralmente requer adaptações como novas tubulações e reservatórios.
“Sistemas modulares e compactos podem ser uma boa solução para adaptações em edificações existentes, minimizando obras invasivas e possibilitando a instalação de maneira mais prática”, acrescenta.
Já os principais desafios incluem o custo inicial, as adaptações de infraestrutura e a manutenção frequente do sistema.
“A conscientização dos moradores e o uso adequado do sistema são cruciais, pois o uso indevido pode comprometer sua eficiência. Além disso, é importante capacitar a equipe de manutenção, garantindo o correto funcionamento e preservação ao longo do tempo”.
Captação de água da chuva também é boa opção para economizar
Além do sistema de reaproveitamento de águas cinzas, outro sistema muito mais simples é o de captação de água da chuva em condomínios, essencial para promover a economia de recursos hídricos, reduzindo a dependência do abastecimento público e contribuindo para uma gestão sustentável da água, especialmente em períodos de seca.
No Condomínio Residencial Figueira Altos do Tatuapé, em São Paulo, de 48 unidades, o síndico Giovanni Gallo implementou o sistema há 3 anos. Em cerca de apenas um ano, o sistema se pagou. Hoje, a conta de água do edifício apresenta uma economia de 7,5% na média de 12 meses, o que representa algo em torno de R$1.500 que deixam de sair anualmente das despesas do condomínio.
“Recomendo, sem dúvida, a implementação do sistema. Antes, é necessário estudar o projeto do condomínio, se possível visitar condomínios que já possuem o sistema implantado e buscar ajuda de profissionais capacitados para executar o projeto, além de claro, envolver os moradores em todo o contexto dessa prática sustentável”, conclui.