Delivery de hoje, lixo de amanhã
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 19/07/2021
Sustentabilidade
A necessidade do distanciamento social trouxe muitas mudanças de hábitos na vida dos brasileiros. Passando mais tempo em casa, a nossa produção e o consumo de alimentos se modificou bastante e isso também implicou num aumento da produção de resíduos. De acordo com uma pesquisa realizada pela Mobilis, os gastos com aplicativos de entregas, em especial os deliverys de comidas prontas, cresceram 149% durante o ano de 2020. Os que tiveram a maior demanda, segundo a pesquisa, foram o iFood, com crescimento de 172%, o Rappi (121%) e o Uber Eats (37%).
Acontece que quando pedimos comida, ela vem em embalagens desenvolvidas exclusivamente para esse fim com materiais como isopor e papel alumínio. Além disso, a produção de plástico também sobe com talheres, sacos e copos. E não é só delivery. As compras pela internet também tiveram um salto nos últimos meses.
A pesquisa “Shopping During The Pandemic”, realizada pela Ipsos com 20.504 entrevistados em 28 países apontou que, no Brasil, 47% dos habitantes têm feito mais compras on-line do que faziam antes da pandemia. Já um estudo da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), em parceria com a Neotrust, mostrou que mais de 20 milhões de brasileiros realizaram sua primeira compra pela internet no ano passado. Todas essas compras também chegam às residências em embalagens com sacos, isopores, papelão etc.
Mas para onde vai todo esse lixo? A resposta é simples: para o mesmo lugar que ia antes, só que agora, em quantidades maiores.
Um levantamento inédito feito pela Abrelpe, a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, mostrou que a geração de resíduos sólidos urbanos (domiciliares e de limpeza pública), em junho de 2020, registrou um aumento médio de pouco mais de 2%.
“Com a flexibilização de alguns espaços de uso comum e a retomada de atividades econômicas, como comércio e serviços, observou-se uma maior movimentação de pessoas, o que intensificou a atuação dos serviços de limpeza urbana. Esse mesmo movimento trouxe uma percepção de que o pior momento da economia já passou, levando a uma volta às compras, o que tem impacto direto no descarte de materiais”, avalia Carlos Silva Filho, diretor presidente da ABRELPE e vice presidente da ISWA – Associação Internacional de Resíduos Sólidos, que no Brasil é representa pela entidade brasileira.
Apesar do estudo ainda não ter sido realizado em 2021, Carlos Silva Filho acredita que esse número certamente será mais alto. “O que observamos em 2020 foi que realmente houve esse aumento, fruto de um novo padrão de consumo, do aumento do descarte de resíduos, por conta do distanciamento social. Ainda não fizemos o deste ano, mas de acordo com as informações, mantém o mesmo padrão de 2020. Não aumentou, mas também não diminuiu”, explica ele.
Um levantamento da Statista – empresa especializada em dados de mercado e consumidores – mostra o Brasil como destaque no segmento de delivery na América Latina, em 2020. O país foi responsável por quase metade dos números do delivery, 48,77%. Em seguida estão México e Argentina, com 27,07% e 11,85%, respectivamente. As previsões para 2021 são de mais crescimento e estimam um movimento de aproximadamente US$ 6,3 trilhões do delivery em todo o mundo até dezembro.
Essa percepção de aumento de resíduos por conta das entregas também foi sentida no dia a dia pelo gerente geral de gestão condominial da APSA, Edgar Poschetzky, que relata um aumento na produção e, consequentemente, na demanda de equipe.
“Com a questão do isolamento social e com o home office, o lixo que era produzido ou parte dele no seu ambiente de trabalho passou a ser gerado no condomínio residencial. E principalmente a gente nota que o lixo passou a ter mais material de quentinha, embalagens etc. As pessoas estão trabalhando e não param para fazer comida”, relata ele, que também se inclui nesse grupo, e sente que sua própria demanda de delivery também cresceu.
Edgar, que é responsável pela gestão dos condomínios-clube e dos corporativos da APSA, conta que, alguns deles chegaram e ter um aumento de 200% na geração de resíduos.
“Um condomínio, especificamente, localizado no Condomínio Península, na Barra da Tijuca, era pouco ocupado e relativamente novo. Na pandemia, muita gente mudou e o prédio aumentou sua ocupação. Tínhamos cinco pessoas na equipe de limpeza antes da pandemia e agora são 10 pessoas. E não foi só o aumento do resíduo, mas também a necessidade de um intervalo menor para recolhimento do lixo”, explica ele, que ainda completa: “Em muitos condomínios, ou eu tive que comprar recipientes maiores ou tive que aumentar a frequência do recolhimento. Isso é uma percepção nacional. Eu tenho relatos de equipes de outros estados que vêm passando pela mesma necessidade.”
Em contrapartida, os condomínios comerciais diminuíram drasticamente a produção de resíduos, segundo Edgar. “Tanto em quantidade de recursos humanos, quanto de volume de lixo, tivemos uma queda grande, porque as empresas estão retornando aos poucos ou mesmo fechadas”, diz.
Consciência ambiental e separação do lixo nos condomínios
Diante de um cenário como esse, o que podemos fazer? Se você pensou em reciclagem, pensou certo. Mas será que a separação do lixo é algo assim tão simples?
“Percebemos também que durante o período de pandemia, aumentou o interesse dos condôminos em aprender sobre a separação do lixo. Nossos condomínios não tinham contêineres específicos, mas passaram a ter esses compartimentos. Também implantamos parcerias com cooperativas de catadores e de reciclagem de óleo, por exemplo”, diz Edgar Poschetzky, que administra mais de 30 condomínios-clube.
Outras iniciativas como a #Reciclos, desenvolvida pelo SecoviRio, específica para recolhimento de lâmpadas nos condomínios também surgiram e há mais novidades a caminho.
“Estamos desenhando um projeto-piloto para elaborar uma parceria com uma cooperativa para fazer não somente a gestão de resíduos, mas também trabalhar campanhas de conscientização, especialmente com as crianças, que podem ser um bom elemento de convencimento para que isso aconteça, de fato, nos prédios”, explica Edgar, que também aderiu aos comunicados internos para aumentar o alcance das mensagens de conscientização.
Com um serviço de recolhimento de resíduos defasado e que não cobre 100% as principais capitais do país, é comum os condomínios se unirem a cooperativas de catadores ou a iniciativas como o aplicativo Cataki, desenvolvido pela ONG Pimp My Carroça, que oferece a opção de chamar um catador autônomo para fazer o recolhimentos dos materiais recicláveis limpos, o chamado lixo seco.
Anne Barbosa é uma dessas catadoras autônomas cadastradas no aplicativo. Ela atua com o marido principalmente na região da Zona Norte de São Paulo e faz sucesso na internet com vídeos de conscientização em seu Instagram, o @annecatadora. A profissional, que também dá consultoria sobre o descarte correto do lixo, diz que sentiu um aumento desses materiais específicos de delivery, mas que, apesar disso, nem sempre é possível reciclá-los.
“Teve sim esse aumento, só que de resíduos como isopor, embalagens, resíduo doméstico, a maioria não é reciclável. O isopor, por exemplo, apesar de ser 100% reciclável, é difícil para os catadores conseguirem revender. Por ser leve e por ocupar muito espaço, a logística não compensa. A mesma coisa serve para a embalagem de chocolate que tem alumínio por dentro. Ela não é reciclável. Ela vem normalmente com o número 7 e isso significa que a embalagem pode ser reciclada, mas ela tem muita mistura de material e normalmente não é reaproveitável”, explica ela.
Como catadora independente, Anne conta que praticamente só lata, papelão e papel servem para a sua reciclagem. Ela lembra ainda que a maior parte do lixo de delivery vem sujo e com restos de alimentos, pois as pessoas não costumam lavar.
“Indicamos que seja feita uma limpeza com água de reuso nestes materiais antes do descarte. É preciso tirar o excesso, colocar pra secar, porque o material sujo atrai vetores. E além da saúde do catador, não compram esse material sujo”, afirma.
Para a profissional, ainda faltam políticas públicas que informem à população sobre o jeito certo de se reciclar e separar resíduos. O presidente da Abrelpe, Carlos Silva Filho, corrobora com a opinião.
“No último estudo ‘Panorama dos resíduos sólidos no Brasil’, uma pesquisa feita pelo Ibope em 2017, foi revelado que para 98% das pessoas a reciclagem é importante. No entanto, 75% das pessoas não fazem ou não sabem como fazê-la. Ou seja, a reciclagem ainda não faz parte dos hábitos do cidadão brasileiro, que embora entenda que é importante, precisa de ações efetivas para colocar isso em prática”, conclui.
Projeto do iFood pretende zerar a poluição com plástico e a emissão de carbono da companhia até 2025
A foodtech líder na América Latina, iFood, anunciou recentemente o projeto iFood Regenera, ambicioso plano de impacto ambiental positivo que tem como objetivo atuar em duas grandes frentes: acabar com a poluição plástica das suas operações de delivery e tornar-se neutra na emissão de carbono até 2025.
Para cumprir sua meta, o iFood conta com diversas iniciativas, entre elas, o investimento em veículos elétricos, pesquisa e desenvolvimento e embalagens sustentáveis e em cooperativas de reciclagem para ampliar sua capacidade produtiva e melhorar a renda dos cooperados.
“A pandemia nos apresentou novas responsabilidades. Precisávamos usar ainda mais nossas ferramentas, nosso potencial de inovação, e promover soluções transformadoras que revertam os impactos socioambientais típicos de uma operação de delivery”, afirma Gustavo Vitti, vice-presidente de Pessoas e Soluções Sustentáveis no iFood.
Aumento do lixo hospitalar na pandemia também preocupa
Uma pesquisa inédita da Abrelpe, a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais apontou que a geração de resíduos de serviços de saúde apresentou um crescimento de 20% no mês de junho de 2020, em comparação a 2019. De acordo com o balanço, realizado com empresas que representam 80% do mercado nacional, o índice mostra que, depois de dois meses com queda na produção de lixo hospitalar, o país começa a apresentar um cenário semelhante ao que aconteceu em outros países, com crescimento desse tipo de resíduo.
“O aumento no número de pacientes internados para tratamento de COVID-19 e a retomada de alguns serviços de saúde e atendimentos hospitalares têm levado a um crescimento no volume de resíduos de saúde coletados nas diferentes regiões do país”, observa Carlos Silva Filho, diretor da entidade.
Por: Mario Camelo