Aline Durães
No dia 1º de Maio deste ano, o Brasil acordou com a tragédia do Edifício Paissandu. O prédio em São Paulo, habitado por 150 famílias sem-teto, ruiu após um incêndio provocado por um curto-circuito, no quinto andar. A tragédia deixou ao menos sete mortos e reacendeu um antigo e sempre pertinente debate: o perigo de incêndios em condomínios. “O fogo em edificações residências pode chegar a uma temperatura de aproximadamente 1000ºC. Nesse cenário, o aço perde irreversivelmente suas propriedades mecânicas, o que pode levar a edificação ao desabamento”, explica o engenheiro Enderson Ramos, responsável por uma empresa de engenharia.
Casos como o do Edifício Paissandu são, infelizmente, mais comuns do que imaginamos. Muitos ainda devem se lembrar do Edifício Riqueza, no Centro do Rio de Janeiro, que, em 2011, pegou fogo após o Restaurante Filé Carioca explodir. O acidente, que deixou quatro mortos e 17 feridos, foi ocasionado pelo uso irregular de botijões de gás no estabelecimento comercial.
Algumas décadas antes, dois incêndios em condomínios já haviam entrado para a história do país como trágicos episódios de fogo em edifícios. Em 1986, o Edifício Andorinha, no Centro do Rio de Janeiro, ocupou as manchetes de TV e jornal com cenas de pessoas pulando em chamas do telhado. Foram 23 mortos. Bem mais letal, o incêndio do Edifício Joelma, em 1974, deixou mais de 180 pessoas mortas e 300 feridos, depois que o ar condicionado do 12° andar da edificação entrou em curto.
O Brasil amarga a terceira posição no ranking mundial de mortes por incêndio. Perde apenas para Estados Unido e Japão. A constatação se baseia no cruzamento de dados do Sistema Único de Saúde (SUS) com uma pesquisa realizada pela Geneva Association, em 2011. São mais de 267 mil ocorrências anuais. Somente em 2017 e no estado do Rio de Janeiro, o Corpo de Bombeiros Militar registrou mais de 36 mil incidentes. Estima-se que os incêndios em edificações, sejam residenciais ou comerciais, representem um terço de todas essas ocorrências.
A situação é tão grave que o síndico condominial não pode mais ficar alheio a ela. É preciso municiar o condomínio com os itens de seguranças previstos em lei, fazer manutenção das estruturas anti-incêndio, vistoriar a unidade regularmente. “O síndico pode ser responsabilizado por não ter contratado o seguro ou por tê-lo contratado inadequadamente, o que costuma acontecer quando não há assessoria qualificada nessa contratação. Pode ser culpado também se não providenciar a manutenção adequada do sistema de prevenção, combate e escape contra incêndios ou se não garantir as certificações necessárias para a edificação”, alerta André Luiz Junqueira, da Coelho, Junqueira & Roque Advogados.
Principais causas
Ao iniciar sua cruzada anti-incêndio no condomínio, é importante que o síndico conheça as principais causas de fogo em unidades residenciais. Segundo a Comissão de Prevenção de Acidentes do Conselho Regional Engenharia e Arquitetura (CREA) do Rio de Janeiro, 90% dos incêndios residenciais e comerciais são causados por problemas elétricos. “Nos últimos anos, houve um acréscimo substancial de eletrodomésticos disponíveis no mercado. O sistema elétrico dos condomínios mais antigos não foi dimensionado para tal demanda elétrica, ocasionando um superaquecimento na fiação. O abuso de uso de multiplicadores de tomadas também influencia na sobrecarga da fiação elétrica assim como a falta de manutenção nos circuitos”, explica Enderson Ramos.
Henard de Freitas conhece bem o assunto. Quando o ar condicionado de seu quarto parou de funcionar numa noite de verão, há cerca de três anos, ele foi à janela verificar se havia faltado luz na rua. Foi neste momento que vizinhos o alertaram que o prédio estava pegando fogo. “O condicionador de ar do apartamento 102 não estava condizente com a carga da unidade, superaqueceu e pegou fogo”, conta o síndico do Condomínio Horta Barbosa, de oito unidades, no Leblon. Felizmente, ninguém ficou ferido, mas os danos materiais foram extensos. “Além da própria unidade, o fogo destruiu o apartamento de cima e parte da fachada do prédio”.
Vazamentos de gás e combustão de materiais inflamáveis também figuram entre os principais estopins de fogo. Muitas vezes, as substâncias são mal armazenadas e queimam mesmo sem o contato com uma fonte externa de calor. Engrossam a lista de possíveis causas de fogo as falhas humanas, como velas e cigarros acesos e panelas esquecidas no fogo.
Itens de Segurança
O condomínio precisa estar preparado para evitar, conter e combater o fogo. Há uma série de dispositivos e equipamentos que a lei obriga as unidades a disporem em suas áreas comuns para lidar com incêndio. As normas de segurança estão previstas no Decreto-lei nº 247/1975, regulamentada pelo Decreto nº 897/1976. O objetivo? Garantir a segurança da coletividade em casos de incêndio.
Entre os itens mais importantes, estão extintores, hidrantes e luzes de emergência. A escada de emergência também é uma estrutura prevista, e as normas determinam que seu corrimão deve estar sempre à direita e sua extremidade virada para a parede, colada a ela. Nos prédios com mais de quatro andares, é obrigatório ter portas corta-fogo, que devem permanecer sempre fechadas. Isso porque são elas que mantêm a fumaça e o fogo longe da rota de fuga dos moradores no caso de um incêndio.
O mercado se especializou, ainda, em oferecer outras soluções que, combinadas com essas, conferem ainda mais segurança ao condomínio no dia a dia. Há, por exemplo, os detectores de fumaça e temperatura, que disparam assim que percebem fumaça ou elevação na temperatura fixa do ambiente. Alguns condomínios investem em centrais de alarme de incêndio, que, conectadas a esses detectores, recebem seus sinais em caso de fogo e acionam a emergência. Outros já apostam em acionadores manuais, que, ao serem tocados, enviam o local exato do incidente, e sinalizadores audiovisuais, que emitem alertas luminosos e sonoros assim que a central detecta fogo na área.
Certificado obrigatório
Na prevenção e combate a incêndios em condomínios, embora seja importante, saber quais as principais causas do fogo e dispor dos equipamentos de segurança especificados em lei não é o suficiente. É preciso assegurar que os dispositivos estejam em pleno funcionamento e que as estruturas da unidade poderão ser usadas com sucesso em caso de necessidade. Para garantir que esse monitoramento seja realizado continuamente pelos edifícios residenciais, foi criado no Rio de Janeiro, o Certificado de Aprovação. Emitido pelo Corpo de Bombeiros, o laudo — que, em outros estados, pode ser chamado de auto de vistoria — certifica que a edificação está em conformidade com as normas de segurança previstas em lei.
Desde maio de 2018, esse documento passou a ter também validade no Estado: cinco anos, desde que o condomínio não tenha promovido nenhuma alteração na construção. Isso significa que, a cada cinco anos, a unidade deverá proceder pela renovação do documento.
A ideia, segundo o Corpo de Bombeiros, é estimular, por meio da cultura da prevenção, a manutenção regular dos equipamentos anti-incêndio. Para renovar o certificado, o condomínio deverá apresentar ao Corpo de Bombeiros um parecer de vistoria atestado por uma empresa ou profissional autônomo habilitado pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (CREA) ou pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU). “Importante ressaltar que todo profissional habilitado pelo CREA ou CAU é obrigado a registrar qualquer trabalho para o qual foi contratado junto ao seu respectivo conselho profissional. Tal registro é comprovado por meio da Anotação de Responsabilidade Técnica – ART (no caso do CREA) ou Registro de Responsabilidade Técnica – RRT (no caso do CAU). Logo, no momento da renovação do CA, o CBMERJ exigirá a comprovação de registro da ART ou RRT referente àquele serviço”, afirma comunicado do Corpo de Bombeiros, em seu site oficial.
Na opinião do engenheiro Enderson, embora seja um avanço, a medida ainda não é ideal. “Infelizmente, o brasileiro não tem uma mentalidade prevencionista. Com esse prazo, as medidas de segurança contra incêndio ficarão esquecidas por 5 anos, sem as inspeções preventivas necessárias”, conjetura. “A recomendação é que os responsáveis por edificações verticais mantenham atualizadas as licenças. Façam verificações periódicas das manutenções dos equipamentos com realização dos testes operacionais normativos”, explica Douglas Comisso, diretor de uma empresa especializada em prevenção e combate contra incêndio. “Aqui temos tudo que a legislação determina e realizamos testes e vistorias regulares. Temos uma empresa que, nas épocas apropriadas, vem vistoriar os equipamentos”, confirma o síndico Henard.
Brigadas de Incêndio
O que fazer ao ouvir o alarme de incêndio? Para onde se dirigir? Tenho tempo de pegar meus pertences mais importantes? Como ajudar quem está em perigo? Para muita gente, essas são perguntas difíceis de serem respondidas, ainda mais em momentos-limite. Pesquisas indicam que grande parte das pessoas, por mais bem informadas que sejam, não sabem como reagir em um caso de incêndio. E, em casos de alta periculosidade, saber agir é fundamental e pode salvar vidas.
Para resolver essa questão, alguns condomínios têm investido em brigadas de incêndio. Compostas de funcionários e moradores voluntários, essas brigadas são treinadas para orientar os vizinhos em casos de emergência, impedir que o fogo se espalhe e promover os primeiros socorros até que os bombeiros cheguem ao local do incêndio.
A formação de brigadista inclui curso especial, com duração mínima de três horas, devidamente habilitado e reconhecido pelo Corpo de Bombeiros. Na programação, é necessário constar aulas práticas e teóricas, que ensinem, entre outras coisas, a manusear extintores, mangueiras e demais equipamentos e a identificar as classes de fogo, rotas de fuga, plano de retirada de condôminos e medidas emergenciais. “O tempo-resposta para ocorrências mais simples é muito menor quando já existem pessoas treinadas na localidade. Além disso, a brigada pode evitar que pequenas ocorrências virem grandes incêndios. O brigadista faz parte da população fixa do ambiente sem exclusividade de função. Ou seja, porteiros, zeladores e seguranças podem ser capacitados para o atuar no processo de abandono do prédio, guiando as pessoas para um local seguro, em caso de uma emergência.
Eles também podem realizar as primeiras medidas de combate a incêndios. Mas a adequação deve estar atenta a normas técnicas orientativas, como a Resolução SEDEC nº31 e a Norma Regulamentadora 23. Em alguns casos, as normas exigem a presença de um bombeiro civil, além de brigadistas, fornecendo ainda mais segurança à localidade”, pontua Ângela Góes, da Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Defesa Civil e Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro.
Um instrumento que pode facilitar ainda mais o trabalho da brigada no momento de caos e urgência é o plano de emergência. Esse planejamento contém os procedimentos a serem adotados pela brigada e pelos moradores em caso de sinistro e, ainda, a localização dos equipamentos anti-incêndio e das rotas de fugas da unidade. Para surtir efeito, é importante que esse plano seja distribuído pelos condôminos e sua leitura seja estimulada. “O documento deve ser elaborado por um profissional competente e habilitado. Ele irá compatibilizar o plano com as dependências envolvidas, corrigindo e otimizando as possibilidades. Se possível, deve ser acompanhado por simulações de evacuação do edifício”, destaca o engenheiro de incêndio Douglas Comisso.
Seguro contra incêndio
Está previsto no artigo 1.346 do Novo Código Civil, de 2002: “é obrigatório o seguro de toda a edificação contra o risco de incêndio ou destruição, total ou parcial”. Apesar disso, o seguro contra incêndios em condomínios ainda é pouco falado. Muitos gestores só atentam para ele quando, em uma emergência, precisam utilizá-lo.
Diferentemente da modalidade residencial, o seguro condominial cobre danos nas áreas comuns da unidade e é de inteira responsabilidade do síndico. Cabe ao gestor contratá-lo e manter sua apólice em dia, podendo responder civil e criminalmente se não o fizer. Caso julgue necessário, o síndico pode, além da cobertura básica prevista em lei, contratar seguro contra danos elétricos, vidros e guarda de veículos na garagem. “O administrador deve estar atento ao valor coberto e, especialmente, às exclusões de cobertura. Em toda contratação de seguro, deve estar assessorado por um engenheiro, para avaliar se os valores e a amplitude da cobertura estão adequados; por um advogado, para verificar todas as condições contratuais; e, claro, por um corretor de seguros confiável”, aconselha o advogado André Luiz Junqueira.
Um bom seguro será um porto seguro ao síndico que enfrentar incêndio em seu condomínio. Será a garantia de reconstrução e reparação dos danos provocados pelo incidente. É preciso acioná-lo imediatamente após o sinistro. “Estando o seguro do condomínio em dia, o condomínio será ressarcido do valor previsto na apólice para reconstrução da edificação, daí a importância de avaliar se o valor é suficiente antes de contratar o seguro. Posteriormente, as vítimas do incêndio, bem como a seguradora que teve que cobrir o dano, podem acionar o real causador do incêndio exigindo indenizações”, afirma André.
No edifício Horta Barbosa, do síndico Henard, o seguro foi crucial para a reconstrução das áreas afetadas. “Logo depois do incêndio, vários condôminos vistoriaram e regularizaram a parte elétrica de seus apartamentos. Quando o incêndio ocorre na unidade residencial, o síndico não pode fazer muita coisa. Daí a importância de conscientizar e alertar os moradores”, finaliza o gestor.