A mobilidade urbana é um dos grandes desafios atuais em todo o mundo e nas cidades brasileiras não é diferente. O cenário tornou-se ainda mais urgente com a pandemia do coronavírus, o que colocou à prova o sistema público de transportes. Neste sentido, a tecnologia vem se tornando uma aliada cada vez mais essencial, por exemplo, na coleta de dados, que permite um planejamento tanto do poder público quanto dos usuários.
Uma iniciativa interessante é o aplicativo Transit, que fornece dados do transporte público em tempo real e vem sendo usado em parceria com governos de cidades dos Estados Unidos e no Canadá. Ele disponibiliza informações como, por exemplo, a lotação dos ônibus. Mas, e o Brasil, como está essa questão?
A engenheira Beatriz Rodrigues é coordenadora sênior de transporte público do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento no Brasil (ITDP Brasil), organização sem fins lucrativos, sediada na cidade de Nova York, que promove o transporte ambientalmente sustentável e equitativo em todo o mundo. Segundo ela, na maior parte das cidades brasileiras o acesso aos dados do transporte público ainda não é uma realidade.
“O que a gente percebe é que para fazer um planejamento com base em evidências e garantir políticas públicas de mobilidade, é preciso ter acesso a esses dados. Na maior parte das cidades, principalmente as de maior porte, o poder público não tem a apropriação direta desses dados, o que permitiria monitoramento, fiscalização e até mesmo a avaliação da qualidade do sistema. Isso é muito relevante, principalmente numa sociedade tão díspar, em termos de desigualdade e diversidade, como é o caso do Brasil”.
Ela frisa que são raras, ainda, as construções regulamentares, políticas e até de coleta de informações que pensem nas pessoas que são as principais usuárias do sistema público: em geral, as mulheres negras da periferia. “Já que a gente está falando de uma população que enfrenta diariamente uma série de barreiras e obstáculos na sua mobilidade urbana, precisamos de um transporte que busque não reforçar essa vulnerabilidade”.
Beatriz aponta que é preciso ter acesso aos dados em tempo real e também uma metodologia para os comparar ao longo do tempo, para garantir de fato que tenhamos um sistema de transporte que dê mais controle ao poder público e garanta mais mecanismos de transparência e mais controle, até mesmo por parte da população. “Quando a gente fala sobre inovação tecnológica, é preciso pensar também nos veículos. Vivemos uma urgência climática e, até mesmo pensando na qualidade do ar das cidades, temos que incentivar que as frotas sejam substituídas de forma regular por veículos com tecnologias mais limpas”.
A especialista diz que o grande desafio para o transporte público brasileiro atualmente é repensar o seu modelo de negócio: “A maior parte das cidades ainda tem contratos de concessão muito longos e que não permitem, muitas vezes, a entrada de inovações tecnológicas que surgem a todo momento. Nos próprios contratos, não há garantia de transparência das informações, e isso dificulta muito o controle por parte da sociedade. É preciso ter acordos que incentivem as inovações tecnológicas”.
Bilhetagem eletrônica e fiscalização por GPS são promessas de melhoria no Rio
No Rio de Janeiro, a prefeitura definiu esse ano medidas para melhorar o sistema de transportes públicos da cidade. A iniciativa faz parte de um acordo judicial firmado entre o município, os consórcios de ônibus e o Ministério Público Estadual. Entre as novidades, está a de que a prefeitura vai atestar a quilometragem rodada por meio de GPS de forma disponível ao público. As linhas que não cumprirem a quilometragem mínima exigida não receberão o pagamento do subsídio.
“Mudamos a lógica da remuneração das empresas. Estamos dando um incentivo para que tenhamos mais ônibus nas ruas. Quanto mais ônibus e mais quilômetros rodados, maior será o lucro das empresas. Elas estão recebendo um reajuste e quem vai pagar é a prefeitura e não a população. O momento é o de não impactar o bolso do cidadão”, explicou o prefeito Eduardo Paes, durante o anúncio das medidas.
Outra novidade é a implantação da bilhetagem eletrônica, que tem previsão de entrar em funcionamento até janeiro. “A bilhetagem eletrônica no Rio de Janeiro garantirá que não exista mais a caixa preta do sistema de transporte. Ele dá maior controle ao poder público sobre o recurso arrecadado, e garante maior monitoramento da frota”, destaca Beatriz Rodrigues, coordenadora sênior de transporte público do ITDP Brasil.
Aplicativo Nina combate o assédio em Fortaleza
Em Fortaleza (CE), a prefeitura iniciou em 2018 uma parceria com a startup Nina para a implementação de um aplicativo de mesmo nome, que permite que denúncias de assédio sexual em transporte público sejam realizadas em tempo real. Nele, a pessoa pode encaminhar as imagens das ocorrências de dentro dos veículos para a Delegacia da Mulher.
Em setembro, foi lançada a versão 2.0 da ferramenta, que permite que ela seja utilizada com o WhatsApp para adicionar fotos, vídeos e informações do local, do número do transporte, da trajetória na qual ocorreu o assédio. A startup Nina foi idealizada por Simony César, nascida e criada em Dois Unidos, na periferia do Recife, e filha de uma ex-cobradora de ônibus.
Por: Gabriel Menezes