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Danos morais: quando a ofensa vira processo

Por Cidades e Serviços
Última atualização: 23/11/2020

Justice. Judge hammer on the table
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No final do ano passado, uma decisão judicial chamou a atenção de todos os condomínios de uma maneira geral.

Uma decisão em terceira instância, no Superior Tribunal de Justiça, anulou uma decisão que havia condenado uma família a pagar R$250 mil de indenização por danos morais a um condomínio na cidade de Presidente Prudente, em São Paulo.

O motivo da condenação foi a realização de uma festa, por uma família de moradores em uma das casas condominiais.

Mesmo sem a autorização do condomínio e contrariando uma decisão cautelar, os condôminos decidiram realizar uma barulhenta festa, o que motivou a ação judicial movida pelo condomínio.

O processo tinha sido julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em segunda instância, e o TJ-SP havia mantido a indenização em R$250 mil.

“Som alto, nudez, entrada e saída constante de pessoas estranhas, danos ao patrimônio comum e transtornos com logística para montagem de tendas e banheiros químicos são apenas alguns dos inconvenientes causados”, dizia a decisão do órgão.

Porém, o entendimento do TJ-SP foi derrubado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que concluiu a impossibilidade do condomínio receber a indenização, devendo cada condômino que se sentiu lesado pela festa entrar com uma ação própria na justiça.

Mas por que o condomínio não recebeu a indenização? Como a justiça entende os danos morais nos casos dos condomínios? A verdade é que o tema é mesmo muito delicado. Para tentar esclarecer, vamos começar do começo…

 Afinal, o que pode ser considerado dano moral, segundo a lei?

O dano moral surgiu na lei brasileira na Constituição de 1988 e se caracteriza como ofensa à honra da pessoa física ou jurídica. Trata-se, portanto, de violação à honra subjetiva de alguém, por exemplo.

Em teoria, qualquer pessoa que se sinta atingida em sua honra pode acionar outra por danos morais. Evidentemente é preciso comprovar o dano e as suas consequências sobre a dignidade da vítima com documentos, testemunhas e o que mais demonstrar o fato ocorrido.

Discordar, chamar a atenção e pedir para conferir documentação não configuram danos morais. O que é bem diferente de falar mal, ofender, denegrir e expor ao ridículo sem motivo aparente e mesmo com motivos.

Segundo o advogado especialista na área, Thiago Carregal, “se trouxermos isso para a legislação brasileira, chegamos à definição de danos morais como negativar indevidamente o nome de uma pessoa, maculando o nome dela na sociedade”, diz.

Diferentemente do dano material, no qual é possível calcular valores de indenização, o dano moral é completamente subjetivo. A indenização é calculada como uma previsão dos danos que a situação poderia trazer a quem o sofreu.

Uma das primeiras dúvidas sobre o assunto é se ele também se aplica à Pessoa Jurídica ou se somente à Pessoa Física.

“Existe sim a previsão de que a Pessoa Jurídica possa sofrer danos morais, pois a sua honra também poderia ser ferida de alguma maneira, gerando danos imateriais”, diz o advogado Carregal.

Segundo o advogado, a questão toda é entender se o condomínio pode ser equiparado a uma Pessoa Jurídica ou se é apenas uma marca patrimonial que congrega diversas marcas patrimoniais que seriam os condôminos. E esse entendimento está nas mãos do juiz, como vimos na ação de São Paulo.

“Esse é o ponto que mais gera conflito, porque ele realmente é controverso. Existe essa divergência no âmbito do Direito Civil. Existem divergências na própria jurisprudência e na doutrina. É o caso desse condomínio de São Paulo, por exemplo. No entendimento do juiz, não houve dano moral, mas a decisão poderia ter sido outra”, ressalta Thiago.

Se formos pensar no caso de São Paulo, a questão aqui é: como comprovar que esse ente personalizado, o condomínio, poderia sofrer uma mácula no seu nome ou um dano à sua honra.

“Para alguns, manchar o nome do condomínio numa relação de negócios geraria um dano moral, por exemplo. Para outros, não. Você estaria atingindo, direta ou indiretamente, o condômino. Ele é quem pode acabar sofrendo com essa mácula. As duas situações podem acontecer”, explica Thiago Carregal.

O advogado completa: “É uma questão delicada porque vai depender do entendimento de quem julgar a ação. Tanto que nesse caso de Presidente Prudente, a primeira e segunda instância entenderam ser possível o dano moral. Essas decisões foram baseadas em jurisprudência”.

Lembrando que o dano moral é julgado na esfera cível, diferentemente da calúnia (atribuição de crime a terceiro) e da difamação (imputar fato que não é crime a terceiro), que entram para a esfera criminal. O mesmo não impede que uma ofensa em condomínio possa ser julgada nas duas instâncias.

 E ofensas dentro do condomínio? São danos morais?

Nós sabemos que nem sempre a convivência dentro do condomínio é fácil. Muito pelo contrário. Em algumas situações, um verdadeiro ringue costuma ser armado entre moradores ou entre funcionários e síndicos… São inúmeras as situações, mas especialmente nas assembleias, os ânimos costumam se exaltar.

Imagine esta situação hipotética: um síndico tem um condômino que está inadimplente há mais de seis meses. Irritado com a dívida e com a falta no caixa do condomínio, ele decide divulgar uma lista de condôminos inadimplentes e fixá-la na parede de condomínio, incluindo este devedor.

Será que isso caracterizaria uma ação de dano moral?

“Na relação entre síndico e condômino, caso o síndico extrapole o liame subjetivo de uma relação pessoal como no caso citado, vai depender do entendimento jurídico se é dano moral ou não. Mas um caso como esse extrapola o liame de cobrança porque existem outros meios próprios para isso, definidos previamente, como comunicados diretos e mais discretos. Nesse caso, o síndico deveria ter proposto uma ação judicial cabível e não ter colocado o condômino numa situação de exposição”, explica Thiago.

Para ele, este caso poderia sim ser considerado uma ação de dano moral contra o condomínio, pois o síndico está representando uma Pessoa Jurídica. Vale destacar que, se acionado, o síndico deve comunicar o fato em assembleia, conforme orienta o Artigo 1.348, Inciso III, do Código Civil.

“O síndico está representando uma entidade, ele é o representante legal eleito por assembleia, e assim, responde pelo condomínio. Cabe ao juiz entender se isso é considerado dano moral.

É diferente se eu tenho um problema pessoal com o síndico. Uma ofensa, calúnia ou difamação desassocia a figura do síndico e do condomínio, assim, num caso em que o síndico extrapola os limites referindo-se ao morador, ele é quem deveria responder por uma ação como essa, no meu entender”, opina o advogado.

Um outro caso, por exemplo, é em relação aos funcionários dos condomínios. Se por acaso algum colaborador for ofendido por um morador, é uma denúncia pessoal e ele deve propor uma ação diretamente a quem o ofendeu. Se for uma ofensa deferida pelo síndico, segundo advogado Thiago Carregal, a Justiça do Trabalho é quem vai julgar essa ação.

“O funcionário é subordinado ao condomínio, que por sua vez é representado pelo síndico. Num caso extremo como esse, ele deve propor uma ação ao síndico, dentro do Direito do Trabalho. Não é dentro da legislação civil, como seria em qualquer outro caso de indenização motivada por danos morais”, diz.

Há ainda os casos em que o síndico pode acionar alguém judicialmente. Quando atingido pessoalmente, seja em ato público (como assembleia) ou não.

Costuma ocorrer quando alguém, de forma impensada ou por má fé, ofende a honra do síndico. Um exemplo clássico são as queixas de gestão que ofendam a sua honra, como “ladrão”, “trambiqueiro” ou coisas piores.

Vale também esclarecer que a primeira providência a ser tomada dentro do condomínio caso qualquer tipo de incidente como esse ocorra é registrar o fato na ata (se ocorreu em situação pública) e, em seguida, providenciar uma notificação para ambas as partes.

Depois disso, se não houver entendimento entre os lados, é possível iniciar o procedimento judicial, que pode ou não ser antecedido por um Boletim de Ocorrência. Tudo isso vai depender da intensidade da agressão.

 Discussões em grupos de WhatsApp

Uma das novas ferramentas de comunicação muito utilizadas no nosso dia a dia e especialmente em condomínios são as listas de disparo e os grupos entre moradores pela rede social WhatsApp, especialmente quando o condomínio é pequeno.

É pelo WhatsApp que chegam comunicados de forma rápida a todos, já que praticamente todo mundo tempo o aplicativo instalado no seu celular. E é claro que esse é o ambiente perfeito para o circo pegar fogo.

Para evitar problemas que motivem ações judiciais e desentendimentos entre os condôminos, o síndico precisa orientá-los quanto ao uso correto dessa rede social.

Há, atualmente, muitos casos de processos que geraram indenizações por danos morais por conta de exaltações e xingamentos pelo WhatsApp. É preciso lembrar que tudo o que acontece no grupo fica registrado.

E as discussões mais fortes podem também se transformar em processos de danos morais. Aqui, entra mais uma vez a importante figura de conciliador do síndico, evitando, assim, que uma briga se transforme num problemão!

Por: Mario Camelo

Imagem: Luiz Valmont

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