Aline Durães
Esqueça o escritório tradicional. Ele vem perdendo força no mundo do trabalho
contemporâneo. Para milhares de profissionais, as folhas de ponto, horários de
entrada e saída e pausas no almoço foram substituídos pelo home office ou trabalho
em casa, em tradução livre. A nova forma de trabalhar é, ao mesmo tempo, reflexo da
explosão de empreendedorismo verificada nos últimos anos somada à crise político-
econômica, que já faz o Brasil amargar mais de 13 milhões de desempregados em
2017.
Segundo o Sebrae, existem atualmente no país cerca de 48 milhões de
empreendedores; desses, 26 milhões iniciaram suas atividades há menos de quatro
anos e 11 milhões por necessidade. A maioria expressiva das empresas que nascem
no Brasil hoje é de microempreendedores individuais (MEI), ou seja, pequenos
empresários que trabalham por conta própria. Uma pesquisa do Serasa indicou que,
das 955 mil empresas abertas entre janeiro e maio de 2017, 79,2% eram MEI.
Para quem perdeu o emprego formal em meio à maior crise em décadas, criar uma
empresa e ter seu próprio negócio passou a ser mais interessante — e viável — do
que voltar a trabalhar de carteira assinada. Nem sempre, no entanto, essa parcela de
novos microempresários dispõe do espaço físico necessário para fazer acontecer seu
empreendimento. E é nesse cenário que boa parte deles passa a utilizar a própria
residência como local de trabalho. “Não gasto com aluguel nem perco tempo em
deslocamento no trânsito. Esses são ganhos importantes. Com essa crise, só tem
escritório quem recebe muito cliente, até porque muitas coisas você consegue resolver
via Internet, pelo computador e celular”, opina Marcelo Germano, síndico do
Condomínio Santa Cruz, com 44 unidades, em Copacabana, que trabalha em
esquema de home office desde 1998.
Não são apenas os empreendedores os responsáveis pelo crescimento do home office
no Brasil. Há também uma mudança de mentalidade corporativa que tem feito as
empresas apostarem no trabalho remoto. Desde 2007, o número de funcionários
trabalhando em um formato flexível subiu de 9% para 37%. A tendência é aumentar
ainda mais: a pesquisa Home Office Brasil edição 2016, feita com 325 empresas de
diferentes segmentos e regiões do Brasil, mostrou um aumento de 50%, em relação a
2014, no número de companhias que estavam implantando esquemas de home office
nas suas equipes.
Essa nova realidade dos esquemas de trabalho se constitui em um desafio para
síndicos e gestores condominiais. Afinal, os possíveis impactos do home office na
rotina do condomínio são muitos e carecem de atenção. “Muitos gestores têm
procurado mais informações a respeito do home office, já que mais condôminos estão
desenvolvendo atividades de trabalho em casa, por conta da dificuldade de encontrar
emprego ou manter empresa. Os impactos podem ser muitos e vão desde a alta
rotatividade de pessoas e bens no condomínio até perturbação do sossego”, explica o
advogado André Luiz Junqueira.
Bom senso acima de tudo
Não existe qualquer lei que permita a prática de home office. Como também inexiste
legislação que o proíba. Por isso, quando o assunto são condôminos que trabalham
em casa, o bom senso é fundamental. De ambas as partes: tanto os moradores como
síndicos.
É preciso ter em mente que as atividades laborais na residência não podem ferir as
normas condominiais. A lei do silêncio, o espaço comum e o bem-estar da coletividade
devem continuar a ser respeitados. Assim como a finalidade da unidade. Segundo
artigo 1.336 do Código Civil, é dever do condômino ‘dar às suas partes a mesma
destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego,
salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes’. Isso significa que,
se o condomínio for residencial, o profissional está proibido de utilizar sua unidade
para fins estritamente comerciais. “A atividade de home office perde sua característica
e, portanto, passa a ser uma atividade não residencial, quando o morador recebe
clientes, promove circulação de mercadorias ou quando divulga o endereço do
apartamento, casa ou do condomínio como o estabelecimento comercial ou de
prestação de serviços”, alerta André Junqueira.
Mas se a prática de home office não provoca qualquer incômodo ou risco ao
condomínio e aos vizinhos, não há porque impedi-la. Cabe ao síndico trabalhar os
possíveis conflitos com tolerância e empatia. “Eu sempre tento evitar problema, afinal
não quero prejudicar a pessoa. Ninguém quer. Se o profissional não atrapalha o
movimento do condomínio — não usa muito elevador ou recebe um número elevado
de pessoas etc., não tem porque interferir. Mas se vejo que está tendo impacto, chamo
para conversar e dou algumas orientações”, conta o síndico Marcelo, ressaltando que,
em sua região, a maior parte dos home office é na área de venda de refeições e
quentinhas.
Alerta na Segurança
Um dos pontos nevrálgicos do home office é o risco à segurança que ele pode
representar. Dependendo da natureza do trabalho realizado, o condômino recebe um
número alto de pessoas diariamente, seja de clientes ou potenciais consumidores,
seja de fornecedores e parceiros prestadores de serviços. Isso significa mais
desconhecidos transitando pelas áreas comuns, mais riscos para o condomínio e mais
necessidade de monitoramento de segurança.
Uma maneira de minimizar os impactos desse trânsito de estranhos é solicitar ao
condômino uma lista das visitas mais frequentes e adverti-lo caso o número de
transeuntes ultrapasse os limites de segurança. “Apesar de a alta rotatividade ser um
problema, não há como o síndico proibir a entrada de pessoas autorizadas pelo
condômino ou ocupante da unidade. Mas a alta rotatividade pode ser indício de que a
unidade residencial está sendo utilizada para atividades não residenciais, o que
demandará uma investigação por parte do condomínio para coibir essa infração”,
salienta o advogado André Junqueira.
Incômodos vizinhos
Será possível manter uma empresa em casa sem perturbar vizinhos e colocar em
xeque a ordem do condomínio? Sim, é possível. Mas, para isso, algumas premissas
devem ser respeitadas. Há que se evitar atividades envolvendo barulho, produtos
tóxicos ou odores fortes, itens que podem impactar consideravelmente a convivência
com os demais moradores da unidade.
Assim como merecem atenção as práticas de home office que extrapolam os limites
do consumo de água e de gás. Nas unidades em que essas contas são coletivas e
não individualizadas, o síndico pode pedir o impedimento da atividade caso conclua
que os demais condôminos estão sendo onerados pelo gasto excessivo de um
morador. “O desafio está em diferenciar o grande consumidor do profissional home
office. Se não existem hidrômetros individualizados, não há como identificar as
unidades que geram alguma desproporcionalidade no consumo. Quem consome mais:
um artista plástico que trabalha em casa ou uma família de 10 pessoas? Sem ter
alguma forma de medição individual do consumo de água, não há o muito o que
fazer”, pondera André Luiz Junqueira.
Uso de áreas comuns
Outras regras do bom home office envolvem o uso de áreas comuns. Para alguns
grupos de profissionais autônomos e microempresários, é tentador usar hall como sala
de espera para visitantes, espaços compartilhados como salas de reunião e outras
áreas coletivas do condomínio para uso particular.
Cabe ao síndico monitorar e coibir essa prática. As áreas comuns não devem ser
utilizadas de forma privativa. Se preferir, o gestor poderá consultar a convenção,
regulamentos e as assembleias do condomínio para verificar possíveis concessões
especiais. “Home office não é uma atividade que possa ser proibida, mas o
condomínio deve agir quando ele perde sua essência e se torna um estabelecimento
de comércio ou prestação de serviço. Nestes casos, eles se tornam infração
condominial”, finaliza o advogado André.