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Saúde Mental: resquícios da pandemia?

Por Cidades e Serviços
Última atualização: 25/01/2021
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‘A desinformação fez com que a população sentisse muito medo’

O psicólogo Felipe Medeiro, do Pride Instituto de Psicologia, fala sobre os impactos da pandemia na saúde mental da população brasileira e suas consequências

de-mental.jpg Alt text (imagens): Homem jovem sorrindo - o psicólogo Felipe Medeiro
Para o psicólogo Felipe Medeiro, o medo foi importante para que as pessoas realmente permanecessem em casa no auge da pandemia

Além de todos os efeitos à saúde física da população, a pandemia do novo coronavírus trouxe consigo um forte impacto na saúde mental. Um levantamento com 4.693 brasileiros feito pela Área de Inteligência de Mercado do Grupo Abril, em parceria com a MindMiners, divulgado em novembro de 2020, mostrou que 54% dos cidadãos estão  “extremamente preocupados” com o período.

E a pesquisa parece refletir mesmo a realidade. Não é incomum ouvir relatos de amigos  e conhecidos que sentiram picos de ansiedade, estresse ou até mesmo o que especialistas chamam de “coronofobia”, ou o medo de ser infectado pelo vírus. A gente conversou com Felipe Medeiro, psicólogo clínico e do trabalho e criador do Pride Instituto de Psicologia, localizado em Brasília, para entender melhor esses efeitos.

Quando você começou a perceber os efeitos da pandemia na saúde mental da população?

Enquanto psicólogo, eu já fiquei atento a esse processo mundial antes de tudo começar no Brasil, por volta de dezembro de 2019. Mas o medo da pandemia ficou forte mesmo quando as primeiras pessoas, geralmente turistas, trouxeram os primeiros casos. Em meados de fevereiro, era possível ver isso com clareza.

Já no início das medidas de isolamento aqui, a população sentia muita raiva e crucificava a pessoa doente. As pessoas não sabiam os reais impactos da doença. A desinformação fez com que a população sentisse muito medo, bem como a falta de preparo dos governantes para lidar com o problema. Esse foi o estopim para desencadear comportamentos ainda mais graves. 

Foi se iniciando um período bem pesado, emocionalmente. As pessoas não tinham coragem de chegar perto umas das outras no mercado, por exemplo. Sentiam medo. E num país de calorosidade, como o Brasil, isso tem um impacto emocional muito grande.

No seu consultório, esse medo se refletiu?

Sim, em meados de março, a grande maioria dos pacientes falava que sentia medo. E teve muita gente estocando comida, materiais… O medo realmente impactou muito a vida das pessoas. Entramos numa histeria social. Por outro lado, o medo foi importante, de alguma maneira, pois fez com que as pessoas ficassem em casa. A mídia também adotou esse comportamento de trazer o medo social, crucificando quem aglomera, quem ia visitar um amigo, por exemplo.

E quais foram as consequências mais graves disso?

Normalmente, uma vez a cada quatro meses eu tenho que fazer um atendimento especial com relação ao suicídio. Houve uma semana em março, no entanto, eu fiz três. O que nós, da área, pensávamos era: as pessoas estão morrendo de Covid, mas também estão se matando e adoecendo de outros males.

Outro movimento que vimos crescer na pandemia foi a cultura do cancelamento. Como você vê isso?

No início, isso era muito forte, mas à medida que as pessoas foram percebendo que elas precisavam ter atitudes como as das pessoas canceladas para ter saúde mental, foi diminuindo. As pessoas percebiam que ir a um restaurante era uma prioridade para elas, para que se sentissem melhor. Esse período coincidiu com as regras de afrouxamento das medidas sociais. E esse movimento de cancelar é muito delicado, porque quem cancela, cancela de acordo com a sua medida. As realidades são diferentes.

E com relação ao home office, essa nova modalidade também trouxe impactos na saúde mental?

No começo, o home office também era um lugar de medo. As pessoas tinham medo de perder o emprego. Muita gente começou a emitir um comportamento de alta produtividade, aliado a uma nova rotina em casa, às vezes com filhos, família, convivência full-time… Como consequência, isso trouxe ansiedade, síndrome do pânico, Burnout e depressão para muita gente. E sem ter um lugar para extravasar, essas coisas se agravam.

Mulher tentando digitar no notebook com filho no colo
A nova rotina em casa, com filhos, família e convivência full-time afetou a saúde mental de muitas pessoas

E quanto às pessoas que são grupos de risco? Que problemas mentais elas enfrentaram?

Todo o grupo de risco foi bem mais impactado do que as outras populações em todos os sentidos. O medo chega para essas pessoas de maneira bem maior por conta do índice de mortalidade. O medo faz elas ficarem em casa, mas chega um momento em que surge muita incompreensão. 

O jovem que se aglomerou não quer ver o avô, e do outro lado, você tem o avô com saudades. Essa balança pesa de vários jeitos. Outra questão é que os idosos foram obrigados a entrar na era da tecnologia para poderem se comunicar. Então, a nova vida dessas pessoas foi e tem sido um grande desafio do ponto de vista da saúde mental.

E quais outros diferentes recortes da sociedade também foram afetados?

A pandemia afetou todos nós de jeitos diferentes. Os médicos e profissionais da saúde que foram afastados de suas famílias por segurança, as pessoas em vulnerabilidade social que ficaram ainda mais vulneráveis e, muitas vezes, aglomeradas em casas com uma quantidade enorme de moradores. 

Um outro comportamento que também percebi é que o uso de drogas aumentou muito na população em geral, especialmente os jovens. Muitas drogas eram utilizadas em festas e com a falta das festas, as pessoas começaram a usar em casa e não só no fim de semana. Isso trouxe desdobramentos. A droga passou do recreativo para o compensatório.

E como você vê a saúde mental no pós-pandemia? 

Eu acho que algumas pessoas devem continuar com certos cuidados, como o uso de máscara. Pessoas com nível de neurose maior também poderão viver as consequências por mais tempo e o setor da saúde, como um todo, nunca mais vai ser o mesmo. Aconteceram muitos atrasos em tratamentos também… O mundo vai precisar de um tempo para se recuperar.

Como identificar se preciso ou não de ajuda: 

O tratamento psicológico ou a análise são indicados para todos que sentem necessidade de se comunicar e resolver questões pessoais, no entanto, crises nervosas, picos de ansiedade, tristeza constante e até mesmo ataques de pânico devem ser observados com mais atenção. Em alguns casos, esses indícios podem ser indicadores de necessidade de ajuda clínica. E esses sintomas não devem ser negligenciados. Pedir ajuda não é vergonha.

Mas onde pedir ajuda? 

Existem atendimentos sociais para populações que não têm condições de pagar um tratamento e ainda ONGs e associações que ajudam pessoas que se sentem em risco ou que pensam em suicídio. O mais conhecido é o CVV – Centro de Valorização da Vida, que atende 24 horas pelo número 188. Alguns profissionais também fazem atendimento social.

 

O médico Dráuzio Varella fala sobre os impactos da quarentena na saúde mental das pessoas em entrevista com a Dra. Dulce Brito, coordenadora médica da saúde populacional do Hospital Israelita Albert Einstein e o Dr. Luiz Zoldan, Psiquiatra da Gestão do cuidado em saúde mental da Clínica Einstein e Saúde Corporativa do Hospital Israelita Albert Einstein.

 

Por: Mario Camelo

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