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Acessibilidade nos centros urbanos – entrevista com arquiteta e urbanista, Sheila Walbe Ornstein

Por Cidades e Serviços
Última atualização: 22/04/2021

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A população mundial não para de crescer. A ONU estima que, em 2100, o número de pessoas que habitarão o planeta poderá chegar a 11 bilhões. Atualmente, esse número está em 7,8 bilhões, sendo 209 milhões somente no Brasil. E esse crescimento populacional implica em uma questão muito importante: como é e como será a circulação e a acessibilidade nas grandes cidades? Será que estamos preparados para esse crescimento? O que podemos fazer para nos adiantar?

A gente conversou com a arquiteta e urbanista Sheila Walbe Ornstein, professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), para entender um panorama nacional do assunto e também para compreender as impressões da especialista sobre a circulação e a acessibilidade em condomínios.

 

Com o alto crescimento populacional das últimas décadas, os centros urbanos precisaram enfrentar uma série de desafios, sendo um dos principais deles planejar a mobilidade. Como você vê o Brasil nesse panorama? 

O crescimento urbano acontece desde os anos 1950/60 de uma forma intensa. O que é bastante importante destacar é que esse crescimento, apesar das desigualdades sócio-econômicas, está mudando em termos das  faixas etárias populacionais. Por exemplo, segundo dados do IBGE, até 2050 seremos uma população urbana de idosos. Por esta razão, as cidades, nas últimas duas décadas, precisaram se preparar para atender não só aos jovens, mas também à população idosa, que está crescendo muito. 

A princípio é uma população que goza de um ritmo de trabalho menos acelerado e que pode usufruir mais da cidade. Em tempos normais, ela precisa que a cidade esteja preparada para recebê-la, pois também é uma população que teria condições de despender mais recursos no lazer, no turismo, além de dar continuidade a atividades de trabalho, estas, muito bem-vindas pois poderão compartilhar as suas experiências profissionais em diversos campos de atuação. 

No caso do Brasil, isso acontece em todas as cidades brasileiras, principalmente naquelas de porte médio e grande, nas grandes capitais principalmente. E essa questão da acessibilidade é parte da equação da mobilidade e tem que ser pensada em qualquer política pública que leve em consideração qualidade de vida urbana. Ou seja, não só edifícios, ambientes urbanos em geral devem ser acessíveis, mas também todo um conjunto em rede que provê a mobilidade como estações metroferroviárias, aeroportos, portos, seus trens e carros. 

Penso que estes ambientes e serviços com base em legislação vigente já estão atendendo, em menor ou maior grau, pessoas com deficiência, usuárias de cadeira de rodas, pessoas com deficiência visual e auditiva, idosos, pessoas com alguma deficiência temporária e assim por diante. Mobilidade sem acessibilidade não faz sentido.

 

E quanto às políticas públicas? Temos boas políticas que pensam essa área? 

Existe, de fato, um planejamento relacionado a esse tema. Nas universidades, há inúmeros grupos que desenvolvem pesquisas nesse campo de políticas públicas em arquitetura e urbanismo. Parte desses grupos tem suas pesquisas reconhecidas e parte é ignorada. Há muitas pesquisas  nas universidades brasileiras com propostas – diagnósticos e recomendações – baseadas em teorias, métodos e aplicações práticas  e que, de fato, poderiam ser mais incorporadas pelos setores público e privado. 

Há várias cidades brasileiras que têm uma gestão satisfatória há décadas. Um caso emblemático seria Curitiba, que tem um sistema de transporte público muito adequado para o seu porte, integrado em rede, com nós modais,  com ciclovias e percursos seguros para pedestres e todo aquele anel verde que é muito interessante, inclusive em termos de sustentabilidade. Nas grandes cidades, como SP e RJ, eu vejo que existem esforços nessa direção, porém um pouco desiguais, dependendo da região e do bairro. 

Em todos os setores urbanos, nas grandes cidades, você vê ações desiguais. Um exemplo a meu ver, positivo, no caso da cidade de São Paulo, é a transformação da própria Avenida Paulista, que agrega os princípios de mobilidade e de acessibilidade,  como um parque urbano ou mesmo o Minhocão que, por sua vez, aos finais  de semana atrai pessoas  de todos os bairros, periféricos e centrais.  

Porém, estas ações, pelo porte da cidade, ainda não são suficientes. Já no RJ, por ter sido a capital federal, é uma cidade que tem uma estrutura urbana mais antiga e consolidada e que permite que seus visitantes e moradores usufruam das suas ruas, praças e praias, de uma forma interligada, mas que também não atinge a todos os bairros de forma igual, em termos de mobilidade e de acessibilidade, sobretudo no caso dos chamados subúrbios e das comunidade. Ou seja, não há uniformidade de políticas públicas em todo o país. São políticas setoriais. Elas ainda estão em construção, não é uma rede nacional contínua.

 

Um problema histórico no Brasil é a herança da política rodoviarista do país, que gerou um acúmulo nos investimentos para esse tipo de transporte em detrimento de outras formas de locomoção. Com isso, aumentou-se também a presença de veículos pesados, o que dificulta ainda mais a fluidez do trânsito no Brasil e gera problemas. Como resolver essa questão?

Solução sempre tem, mas é preciso investimentos – provavelmente público e privado – para reverter um pouco essa situação. Nós tínhamos no passado recente  uma certa rede ferroviária que foi aniquilada. Hoje, ela existe em parte para transporte de produtos, de commodities, das  usinas até os portos. Mas não há uma política de atendimento a passageiros; então, seria muito interessante se o Brasil iniciasse uma política de médio e longo prazo para voltar a ampliar a rede ferroviária, que tem um impacto ambiental menor. É também um transporte democrático, de massa,  de menor custo para os passageiros e pode ser muito benéfico para o turismo. 

O Brasil já foi muito dependente da malha ferroviária. Tínhamos um transporte RJ-SP muito intenso, no momento em que adotávamos um modelo mais europeu. Depois, adotamos esse modelo estadunidense e passamos a investir muito em rodovias e em veículos individuais. 

cadeirante saindo do onibus
Ambientes urbanos em geral devem ser acessíveis, mas também todo um conjunto em rede que provê a mobilidade como estações metroferroviárias, aeroportos, ônibus, trens e carros.

 

Já no âmbito municipal, existem os Planos de Mobilidade Urbana. Você acredita que esses planos funcionam? Eles são colocados em prática?

Não posso falar de todas as cidades. No caso de SP, há um plano diretor. Há um plano de mobilidade, que ainda está lento. O metrô, exemplo de transporte de massa desde os anos 70, poderia ter uma malha muito mais ampla. O RJ, apesar de todas as suas dificuldades, tem metrô de superfície e subterrâneo, tem também o  VLT, integrados com os trens, que vem dos subúrbios, e tem ainda balsas e barcos, que fazem conexões com cidades da região metropolitana.   

A partir das Olimpíadas, aconteceram mais investimentos em mobilidade, especialmente no Rio de Janeiro, cidade-sede, mas também em outras cidades que receberam esta atividade esportiva. Alguns foram interrompidos ou não aconteceram. Mas esses planos continuam sim como políticas públicas, até porque são demandas fortes das populações locais e regionais. 

Sinalização para cegos
Segundo Sheila, mobilidade sem acessibilidade não faz sentido

 

E a pandemia? Vai implicar em mudanças significativas relacionadas a esse assunto?

A gente sabe que as pessoas que se recuperam e sobrevivem à COVID, muitas delas, apresentam sequelas na sua saúde. Então, eu não consigo avaliar o impacto desse problema. Você vai ter pessoas se recuperando lentamente, mas que anteriormente à doença nem pensaram no tema da acessibilidade. Essas pessoas precisam voltar ou voltarão num momento pós-pandemia a uma série de atividades do cotidiano e a cidade vai precisar atendê-las, não só os idosos e PCDs, mas uma população significativa com sequelas da doença. É necessário então pensar  numa cidade que as acolha de modo inclusivo. O mesmo deve ocorrer nos condomínios. Ou seja,  poderemos ter pessoas em inúmeros condomínios precisando de uma estrutura mínima para se locomover. 

Então, não é algo que deva ser resolvido no longo prazo. O futuro é agora, essas situações estão acontecendo. Acho que é um bom momento – embora eu não quisesse que fosse assim, para acelerar a implementação dos princípios da acessibilidade. Pois as sequelas são diversas. Se houver essa infraestrutura, isso irá ajudar  bastante, até na própria recuperação da pessoa. Ela pode voltar a conviver no convívio urbano, numa cidade mais  acolhedora.

 

E pensando numa visão dos condomínios, quais seriam os principais desafios de circulação e como superá-los? As novas leis sobre acessibilidade são os maiores desafios nessa esfera?

As legislações são muito bem-vindas. Devemos lembrar também que a norma de acessibilidade teve atualizações – muitos profissionais nos campos da arquitetura, do urbanismo e da engenharia, não se deram conta ainda das mudanças, porque foi no meio da pandemia – em agosto de 2020. Pelo que analisei, as alterações maiores são nas áreas urbanas, como proceder com as guias rebaixadas em calçadas, por exemplo, e elas também impactam os condomínios. Há ainda a necessidade de atendimento ao Decreto nº 9.451, de 26 de julho de 2018, para o caso de edifícios residenciais projetados e construídos a partir desta data.

No caso das construtoras, a exigência de que novas unidades sejam adaptadas ou tenham possibilidade de adaptação, assim como no caso das áreas comuns, de uso coletivo, é muito bem-vinda, inclusive do ponto de vista econômico. As pessoas com deficiência – além de precisarem de um espaço adequado, também são consumidoras. Propostas deste tipo em condomínios residenciais são desejáveis. 

Por exemplo, no Brasil ainda é comum que as pessoas residam no mesmo local por muito tempo, então, você pode pensar a longo prazo em espaços de uso comum e em unidades acessíveis ou que sigam o conceito da flexibilidade, ou seja, permitam a transformação de espaços para atender a este critério de desempenho e a estas necessidades : “vou comprar um apartamento e vou residir ali até os 70  anos de idade  ou durante o resto da minha vida”. 

O que isto significa? Se você estiver morando num apartamento adaptado ou que permita adaptações facilmente, tudo fica mais fácil. É uma situação inadequada e que pode envolver riscos de acidentes até indigna, se você for usuário de cadeira de rodas, e for obrigado a entrar pela garagem, porque não tem outra forma de entrar. Ou só poder entrar e sair pela garagem, com um  carro adaptado.

De uma forma geral, o atendimento ao quesito da  acessibilidade, no caso de projetos de novos condomínios horizontais e verticais e no caso daqueles mais antigos e que pretendem realizar adaptações, está melhorando, mas nem todas as soluções são adequadas perante o que diz a legislação. Muitas vezes são projetos setoriais, que não enxergam  o contexto de forma ampla. 

Além da interpretação correta da norma de acessibilidade e de outras legislações edilícias e urbanas sobre o mesmo critério, um profissional deve se propor a ter uma visão integrada do problema, verificando as interfaces – que são muitas –  entre acessibilidade, segurança contra incêndio, segurança contra acidentes e de segurança patrimonial, sem esquecer dos aspectos funcionais e estéticos. Este é um desafio que exige profissionais  altamente qualificados e treinados desde o curso de graduação.

 

Por: Mario Camelo

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