Os perigos de acumular
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 07/09/2015
Edição 222 Set/Out 2015, Edições
Aline Durães
Imagine que o porteiro entrou de férias justo em um momento de aperto financeiro de seu condomínio, o que impedirá a unidade de contratar um funcionário terceirizado. O que fazer então para cobrir o recesso do empregado? Para muitos gestores, a resposta mais óbvia para a pergunta seria a de destacar outro funcionário do condomínio para a função. Não raro, garagistas e até mesmo zeladores garantem a segurança da portaria no caso de ausência do porteiro. O problema é que, embora aparentemente simples, a questão pode configurar acúmulo de função e, no fim das contas, trazer reveses trabalhistas ao gestor condominial.
Foi a Lei Federal 2.757/56 que criou a profissão dos trabalhadores nos condomínios. Antes dela, porteiros, zeladores, garagistas, vigias e faxineiros condominiais eram considerados trabalhadores domésticos. Para somar à norma, há a convenção coletiva do trabalho, que, além de garantir condições de trabalho da categoria, tais como pisos e benefícios, estabelece as tarefas relativas a cada função.
Diferentemente do desvio de função, que ocorre quando um empregado executa funções diferentes daquelas para as quais foi contratado, sem receber a devida remuneração, no acúmulo de função, o colaborador em questão exerce o seu cargo de origem e também funções extras, não acordadas no contrato de trabalho. “De forma resumida, o acúmulo de função, segundo doutrina e jurisprudência trabalhistas majoritárias, ocorre quando o contrato de trabalho primário é alterado, em prejuízo do trabalhador, impondo a ele tarefas para as quais não havia sido contratado, maior desgaste e responsabilidades, desequilibrando o pacto inicial, sem a devida remuneração”, explica Rodrigo Coelho, consultor jurídico da Schneider Associados.
Graças à natureza dos trabalhos executados nos condomínios, onde as tarefas dos funcionários são parecidas e os limites entre as atribuições não tão claros, o acúmulo de função vira uma realidade fácil de ser encontrada.
O desconhecimento das implicações que a prática pode trazer à unidade e a necessidade, cada vez mais crescente, de reduzir custos com pessoal são outros fatores que contribuem para que os gestores condominiais lancem mão desse artifício na hora de escalar os funcionários para o trabalho do dia a dia. Com isso, é comum ver porteiros que executam serviços de jardinagem, faxineiros que realizam pequenos reparos de manutenção ou atividades de portaria, zeladores que manobram carros.
Não que a lei proíba expressamente a prática, mas a orientação é evitá-la ao máximo. “Na pior das hipóteses, o acúmulo deve ser remunerado, para que o condomínio evite então a formação de passivo e riscos trabalhistas”, alerta o advogado Rodrigo Coelho. A remuneração, nestes casos, corresponde a um adicional de, no mínimo, 20% sobre o salário contratual.
O King Salomon é um dos condomínios que, não fosse a atenção redobrada da gestão sobre o assunto, poderia esbarrar no acúmulo de função. O edifício de pequeno porte localizado na Tijuca tem nove unidades e apenas um empregado. Na hora de pensar o perfil profissional do único colaborador a ser contratado pela unidade, a síndica Marinéa Marques precisou analisar as principais demandas do dia a dia. “Em vez de contratar um porteiro, optamos por um zelador que tem entre suas atribuições atender a portaria, fazer a limpeza e manusear o lixo. Estamos sempre atentos e ele não executa tarefas além daquelas para as quais foi contratado”, conta.
Consequências da prática
Se o acúmulo de função não é proibido, tampouco oferecerá risco ou penalidade para o empregador que o pratica, certo? Errado! De fato, inexiste sanção legal expressa em lei. Ainda assim, se processado pelo funcionário, o condomínio pode ser condenado ao pagamento de diferenças salariais mensais em função do acúmulo de função, além de indenização por danos morais.
A penalidade será proporcional à discrepância que existir entre o contrato de trabalho do colaborador e suas atividades cotidianas. Ou seja, quanto mais um empregado acumula, maior o ressarcimento a ser oferecido pelo condomínio no caso de uma ação jurídica. O acúmulo de função só se configura, entretanto, quando é prática recorrente do empregado possuir atribuições extras. Se, por outro lado, o condomínio o destaca apenas esporadicamente para auxiliar em outras funções, a possibilidade de o ato ser interpretado como acúmulo é menor.
Segundo especialistas, como não há lei específica sobre o assunto, a jurisprudência pesa muito na decisão final da Justiça. Assim como pesam também as provas. “Geralmente, as situações em que os empregados denunciam judicialmente a ocorrência de acúmulo de função não estão formalizadas. Simplesmente acontecem no dia a dia da relação de emprego, sem necessidade de ter qualquer documento que a comprove. A principal prova nestes casos é a testemunhal, o que, para a Justiça do Trabalho, tem um valor bem acentuado, graças ao princípio da primazia da realidade, que diz que ‘mais valem os fatos realmente ocorridos do que as formalidades contratuais’”, destaca Rodrigo.
O consultor jurídico lembra ainda: a preocupação com funcionários que agregam vários cargos deve se estender, inclusive, ao corpo de terceirizados da unidade. Ao contratar uma prestadora de serviços, o condomínio deve dedicar atenção aos contratos de trabalho e entender quais as funções exigidas dos colaboradores que estarão em sua unidade. Ao perceber qualquer irregularidade, deve procurar por explicações junto à empresa. Caso contrário, no caso de um empregado processar a terceirizada por acúmulo de função, o condomínio também pode ser condenado a arcar com os prejuízos da ação, por responsabilidade subsidiária.
Como não cair na armadilha?
Uma dica importante para fugir do acúmulo de função é analisar com atenção o tipo de perfil que o condomínio precisa. Dependendo da dinâmica da unidade, um zelador pode ser mais interessante do que um porteiro ou um manobrista mais adequado do que um vigia, por exemplo.
Outro ponto é o contrato de trabalho. O documento deve deixar bem clara a função a ser executada pelo colaborador, assim como deve estabelecer que o empregado está disponível a todo e qualquer serviço compatível com sua condição profissional. “É necessário evitar que substituições do tipo “faxineiro-porteiro” sejam executadas fora dos horários de intervalo para refeição e descanso ou das folgas dos porteiros. Evite também que os empregados em funções de responsabilidade e piso salarial mais baixos, como faxineiros, por exemplo, passem a maior parte do tempo da sua jornada de trabalho, executando tarefas da função com maior responsabilidade e salário, como porteiro ou zelador”, finaliza Rodrigo Coelho.