Água por um fio
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 29/01/2015
Edição 218 Jan/Fev 2015, Edições
Texto: Aline Durães
Uma potência da água. Assim é o Brasil. Mais de 10% de toda água doce do mundo está por aqui. O maior rio em extensão e volume do planeta, o Amazonas, também. As chuvas, frequentes e abundantes em boa parte do território nacional, elevam o potencial hídrico do país. Apesar disso, cada vez mais, as manchetes de jornais anunciam escassez de água em vários estados brasileiros. Embora seja um gigante hídrico, o Brasil ainda sofre com o mau uso e desperdício. Falta água e sobra escassez.
Para se ter uma ideia, no ano passado, o nível de água dos quatro sistemas de hidrelétricas do país caiu entre 18% e 57% em comparação com 2012. A seca, que até pouco tempo parecia castigar apenas as cidades de clima semiárido da região Nordeste, vem atingindo em cheio as grandes capitais do país. São Paulo apresenta a situação mais crítica, já que a reserva da Cantareira, um dos maiores sistemas produtores de água do mundo, registrou consecutivas quedas em seu nível, trazendo o fantasma do racionamento para as mais de nove milhões de pessoas que abastece.
“A abundância de recursos hídricos no Brasil criou a falsa ideia de que temos água de sobra, mas não é a realidade. Muitos dos rios que poderiam atender grande parte da demanda para abastecimento humano estão poluídos. Além da contaminação por indústrias e do lançamento de esgoto in natura da maioria dos municípios, as principais bacias hidrográficas brasileiras estão distantes das cidades. Não há água onde estão as maiores concentrações populacionais”, esclarece Helio Palmesan, fundador da ONG MAE Natureza – Movimento de Amparo Ecológico.
Segundo o levantamento “Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água”, lançado pela Agência Nacional de Águas (ANA), há o risco de mais de metade dos 5.565 municípios brasileiros – que concentra 71% da população ou quase 125 milhões de pessoas – sofrerem com problemas no abastecimento em 2015.
E nem mesmo a Cidade Maravilhosa está imune. Outra análise da ANA comprovou que o nível do reservatório do rio Paraíba do Sul, responsável pelo abastecimento de 9,5 milhões de cariocas, atingiu 12,9% em setembro deste ano, seu pior nível histórico. Embora em menor evidência, a falta de água no estado do Rio de Janeiro também já é uma realidade.
A economia e o melhor uso do líquido se fazem, então, urgentes, em especial em condomínios e unidades residenciais, que estão entre os maiores consumidores de água do estado. Em média, cada pessoa gasta, por dia, 185 litros de água. O consumo se intensifica de 15% a 20% nos meses de dezembro a março, época de clima quente ocasionado pelo verão.
O problema é que, nem sempre, esse consumo é consciente. Um estudo do “Programa Água para a Vida”, parceria entre o WWF-Brasil e o Grupo HSBC, apontou que 48% da população admite gastar água em suas casas com pouco controle. “As pessoas não reconhecem o real valor da água. Não se preocupam em otimizar seu uso. Quando tem, abusam, desperdiçam, desvalorizam. Apenas quando falta é que se dão conta e começam a reclamar”, destaca Helio Palmesan.
Atenção às áreas comuns
Com o fantasma da escassez e do racionamento à espreita, a ordem para os condomínios cariocas é economizar ao máximo, utilizando água apenas quando necessário. Além dos gastos extras decorrentes da contratação de carros pipa, o combate ao desperdício impedirá outro efeito colateral da escassez: a disseminação da epidemia de Dengue. Isso porque é comum os condôminos estocarem água em tambores para suprir a falta de água, o que contribui para a proliferação do mosquito Aedes Aegypti — agente causador da doença, que se reproduz em água limpa e parada, em especial nas épocas quentes do ano.
Por isso, como diz o ditado, “é melhor prevenir do que remediar” e, em se tratando de água, prevenir é sinônimo de economizar. Embora inicialmente possa parecer um projeto árduo, a economia no condomínio envolve mais a transformação de hábitos e comportamentos de condôminos e funcionários do que grandes mudanças estruturais.
O primeiro passo deve ser dado nas áreas comuns do condomínio. É recomendado diminuir a quantidade de lavagens desses espaços para, no máximo, duas vezes por semana. Durante a limpeza, o síndico deve orientar seus funcionários a substituírem a mangueira pela vassoura. Varrer em vez de lavar e, nas áreas mais afetadas pela sujeira, usar um pano umedecido no lugar da mangueira — que chega a gastar 180 litros de água corrente a cada dez minutos.
Se os condôminos costumam lavar seus carros nas dependências do condomínio ou entregá-los para que os empregados da unidade executem a limpeza, é interessante adotar a lavagem a seco. A economia é evidente: o processo a seco gasta cerca de quatro litros do líquido contra os quase 500 litros utilizados pelo método tradicional. Há como economizar mesmo que o condomínio não disponha de tecnologia para promover a lavagem a seco. Nesses casos, o balde – que gasta cerca de 40 litros por cada veículo – é a alternativa mais viável.
A mangueira deve ser aposentada também na hora de cuidar do jardim do condomínio, podendo ser substituída pelo regador. O horário de regar as plantas influencia na economia, já que, durante as primeiras horas da manhã e à noite, a evaporação se reduz em quase 30%, possibilitando ao condomínio utilizar menos água para manter a vitalidade das plantas.
A preocupação com a evaporação afeta também a piscina. Com as altas temperaturas, a quantidade de água que evapora é maior, o que diminui o volume e força a unidade a completar o nível da piscina para o uso dos condôminos. Esse problema pode ser facilmente resolvido com o uso de uma lona ou capa para cobrir a estrutura quando ela está fora de uso. Além de reduzir de 30% a 50% na evaporação, a cobertura mantém a temperatura da água constante e a protege contra sujeiras exteriores.
Os vazamentos, por sua vez, devem estar na mira dos gestores empenhados na economia de água. É necessário verificar regularmente — pelo menos, duas vezes por mês — se há escapamentos de água nas estruturas do prédio, por meio da inspeção de torneiras e canos. Assim que identificado, o problema deve ser corrigido imediatamente. Embora não seja custoso controlar um vazamento, o desperdício que ele provoca costuma impactar bastante as contas de água do condomínio. Se as finanças do condomínio permitirem, é interessante trocar as torneiras manuais de banheiros e copas por torneiras temporizadas. Com um mecanismo que ativa e interrompe automaticamente o jato de água após alguns segundos, as peças temporizadas chegam a garantir uma economia de 70% na água utilizada, segundo fabricantes.
Para que todas essas medidas sejam efetivadas na prática e surtam o efeito desejado, o principal é engajar os funcionários do condomínio na empreitada da economia. No dia a dia, serão eles os responsáveis por evitar o desperdício de água na unidade, por isso precisam estar engajados nessa causa. “Uma das sugestões seria lembrar aqui a célebre frase ‘Uma imagem vale mais que mil palavras’. Na hora de conversar com os colaboradores do condomínio, o síndico pode utilizar a comunicação visual como uma ferramenta de conscientização. Mostre imagens de pessoas ou povos buscando água em caminhões pipa ou em cacimbas, como ocorre no Nordeste brasileiro e em muitos outros países, por exemplo. O que os olhos veem, o coração sente”, sugere Helio Palmesan.
Água reutilizada
Por que não aproveitar as chuvas tão comuns nos meses de verão para poupar a água encanada? A progressiva conscientização ambiental aliada à necessidade de economizar tem levado um número considerável de condomínios a implantar sistemas de captação e reuso da água precipitada. O objetivo da iniciativa é recolher a água da chuva para utilizá-la para fins não potáveis, como descarga em bacias sanitárias, limpeza de pisos, garagens, rega de jardins e uso em equipamentos para resfriamento de máquinas.
“Ao utilizar água das chuvas para fins não potáveis, sobra mais água potável para beber, cozinhar e tomar banho, por exemplo. O condomínio reduz ainda a conta geral de água e contribui para o meio ambiente, já que aproveita um recurso natural disponível e gratuito, reduzindo assim o encaminhamento da água das chuvas para a galeria pluvial e mitigando enchentes”, afirma Carla Peixe, coordenadora de uma empresa especializada em reaproveitamento de água.
Dependendo da densidade pluviométrica do bairro e da área de captação da água disponível no prédio, a economia proporcionada pelo reuso das chuvas chega a 20% por apartamento. Apesar de exigir adaptações na estrutura do condomínio, a implantação do sistema é simples. Inicialmente, são instaladas calhas no telhado para direcionar a água a um tanque ou cisterna que sirva como reservatório. O líquido passa então por um tratamento com filtro que retira impurezas, folhas e outros detritos e por uma desinfecção com cloro. Depois disso, é bombeado para uma caixa de água especial, separada da usual. “O sistema pode ser implantado em condomínios de todos os tamanhos e até mesmo em residências unifamiliares. Porém, para ser viável economicamente é necessário ter uma boa área de captação e um alto consumo de água não potável”, salienta Carla. As obras de adaptação demoram uma média de 15 dias para ficarem prontas e variam de R$ 5 mil a R$ 20 mil, dependendo dos equipamentos e tecnologias utilizadas. O retorno sobre o investimento ocorre em um prazo mínimo de 18 meses.
Se o condomínio não dispõe de folga financeira para o projeto de reaproveitamento, pode improvisar. A dica é alocar tonéis de plástico no espaço livre da unidade para coletar a água da chuva e, posteriormente, destiná-la para a irrigação dos jardins.
Economia dentro de casa
De pouco adiantará o condomínio tomar todas essas precauções visando a economia de água se os condôminos não promoverem o combate ao desperdício em suas unidades residenciais. A questão é que, na maior parte das vezes, o síndico não possui qualquer ingerência sobre os gastos nos apartamentos. Resta então ao gestor o trabalho árduo da conscientização. É preciso sensibilizar a comunidade condominial sobre a crise da água no país, destacar os malefícios que o racionamento pode trazer ao cotidiano do morador e, ao mesmo tempo, municiá-lo de dicas e informações para ajudá-lo a promover a economia em seu lar (Ao final desta matéria, você encontra um cartaz destacável com dicas para facilitar a conscientização. Compartilhe-o em seu condomínio!).
A economia pode acontecer de diversas maneiras dentro de casa. Com o mínimo de esforço, é possível modificar uma série de tarefas domésticas, adequando a unidade a uma lógica mais ambiental e sustentável. Na hora de lavar louça, por exemplo, é importante ensaboar previamente todos os pratos e talheres e só abrir a torneira para enxaguá-los. Ao cozinhar, é preciso atenção quanto à quantidade correta de água para fazer os alimentos. Caso sobre água na panela, o morador pode reutilizá-la em sopas ou para regar plantas.
No banheiro, a torneira deve permanecer fechada enquanto os condôminos escovam os dentes. O banho é outro momento crítico. Segundo especialistas, um banho de chuveiro de 15 minutos, com o registro meio aberto, gasta cerca de 140 litros de água. O ideal é que esse tempo seja reduzido para cinco minutos e que o condômino feche o registro na hora de se ensaboar. Seguindo essas dicas, a unidade terá um consumo médio de 45 litros por vez.
Se a unidade possuir banheira, é interessante desestimular seu uso. O banho de banheira chega a gastar mais que o dobro de água de uma chuveirada comum. Ainda no banheiro, deve-se evitar jogar papel higiênico e guimbas de cigarro no vaso. Esses itens sobrecarregam a descarga, que gasta de seis a dez litros a cada acionamento de seis segundos. Manter a válvula da descarga sempre regulada e os vazamentos controlados é outra premissa importante para quem quer fazer da economia de água um lema em sua casa.
A máquina de lavar também exige atenção. Uma lavadora de cinco quilos consome até 135 litros de água a cada uso. Para evitar o gasto excessivo, é recomendável ligar o aparelho quando ele atingir sua capacidade total de volume de roupas e, no máximo, três vezes por semana. No caso das peças lavadas à mão, a dica é deixa-las de molho e usar a mesma água para esfregar e ensaboar.
Para as unidades residenciais que possuem animais de estimação, o trabalho de conscientização deve envolver também o banho dos bichinhos, que pode ser aplicado uma vez a cada quinze dias.
Hidrômetro individualizado
Segunda maior despesa mensal do condomínio, atrás apenas da folha de pagamento dos funcionários, a conta de água representa, em média, 15% dos gastos da unidade. Pesquisas apontam que um condomínio padrão, com cerca de 60 unidades, desembolsa R$ 4.500,00 por mês para pagar a água consumida pelos condôminos.
Para reduzir esses gastos, muitos síndicos têm aderido à individualização de hidrômetros. A iniciativa, que instala medidores de água particulares para cada unidade, pode trazer uma economia que varia de 20% a 45%. Mas seus benefícios vão além das vantagens econômicas. Ao substituir o hidrômetro único por individuais e fazer com que cada unidade pague pela água que consome no mês, o sistema força os condôminos a dosarem o uso descontrolado do líquido. A conta fica mais justa. E o meio ambiente agradece. “Com o medidor único, todos pagam o mesmo valor de água no final do mês. Com a individualização, cada um passa a pagar apenas por seu consumo. Isso afeta diretamente a chamada ‘consciência do bolso’”, pontua Marco Aurélio Teixeira, gerente de uma empresa especializada na medição individualizada de água e gás.
A instalação de medidores individuais foi a solução encontrada por Sidrack de Albuquerque para controlar o uso abusivo de água no condomínio Spazio Regence, na Taquara. Em fevereiro deste ano, as 88 unidades gastaram, juntas, R$ 20 mil. O valor exorbitante levou o síndico a pesquisar empresas que trabalham com a individualização. Levou representantes de uma dessas companhias à assembleia de condôminos para que o sistema fosse explicado aos condôminos. A individualização foi aprovada por unanimidade neste encontro. “Alguns moradores chegaram a relutar achando que não ia adiantar, mas, logo depois, a conta começou a diminuir”, conta o gestor.
A redução chegou a 60%. Hoje, o Spazio Regence paga em torno de R$ 7.500,00 mensais pelo uso da água. “A instalação dos hidrômetros foi simples e rápida: bastou fazer um pequeno corte na parede de 20 cm por 12 cm e, depois, colocar um acabamento em fibra de vidro. A leitura é feita via rádio frequência. O processo de instalação durou 3 meses, mas porque tivemos dificuldades de encontrar alguns moradores em casa para fazer a mudança. Para mim, os hidrômetros individuais são a melhor forma de acabar com o desperdício de água”, finaliza Sidrack.
Conscientize-se!
Vários estados brasileiros vem sofrendo com a escassez de água, provocada, em parte, pelo mau uso e desperdício. Mudanças simples de hábitos podem contribuir para um melhor aproveitamento deste recurso tão importante. Confira abaixo algumas dicas de como economizar água em sua unidade:
No banheiro
Feche a torneira enquanto escova os dentes
Feche o registro quando se ensaboar durante o banho
Mantenha a válvula da descarga regulada
Evite banhos de banheira
Combata os vazamentos o mais rápido possível
Na cozinha
Use o mesmo copo, caneca ou garrafa térmica durante o dia
Reutilize a água que sobra em panelas para molhar plantas
Ensaboe todos os pratos e talheres e enxágue-os de uma vez só
Somente ligue a máquina de lavar louça quando ela estiver com sua capacidade total de utensílios
Na área de serviço
Somente acione a lavadora de roupa depois de juntar um volume considerável de peças
Quando utilizar o tanque, deixe as roupas de molho e use a mesma água para esfregar e ensaboar
Dê banho em seu bichinho de estimação de 15 em 15 dias
Use balde de água ou vassoura com pano úmido em vez de mangueira para limpar as áreas externas da unidade
Varanda
Regue as plantas pela manhã cedo ou à noite
Substitua a mangueira por um regador para molhar as plantas