Polêmica de vidro
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 07/09/2014
Edição 216 Set/Out 2014, Edições
Texto: Aline Durães
Não é de hoje que as varandas causam polêmicas no condomínio. O espaço considerado por muitos como o mais charmoso e querido da unidade costuma causar problemas entre síndicos e proprietários que envidraçam o ambiente para garantir mais conforto e segurança à família e, com isso, acabam agindo contra a lei e ferindo as normas da convenção condominial.
O debate sobre o fechamento de sacadas se reacendeu nos últimos meses graças ao Projeto de Lei Complementar n°. 10/2005. De autoria do vereador Carlos Caiado (DEM), o texto autoriza o envidraçamento de varandas por meio da instalação de um sistema retrátil de vidros. Aprovado pela Câmara dos Vereadores em maio deste ano, o projeto justifica o fechamento se baseando no argumento de que os vidros ajudam a proteger a unidade contra o mau tempo, chuvas e minimiza os barulhos provenientes das ruas.
O artigo 1º é claro e autoriza “o fechamento das varandas, previsto pela legislação em vigor, única e exclusivamente por meio de envidraçamento nos limites da mesma, nas edificações existentes e com habite-se, em prédios residenciais multifamiliares com mais de 6 (seis) pavimentos inclusive, desde que não se descaracterize a fachada”.
O texto vale para toda a cidade do Rio de Janeiro, mas a pedido de associações de moradores da Zona Sul, as sacadas de edifícios dessa região estão de fora do projeto. “Se é para permitir o fechamento, o ideal é que o Município o faça para todo o Rio, não excluindo arbitrariamente a Zona Sul. Seria importante também que cada condomínio pudesse discutir internamente o padrão que irá implementar de forma que suas partes externas sejam mantidas uniformes. No entanto, a autorização do Estado não significa dizer que se pode livremente fechar varandas, pois, além do licenciamento específico que deve ser solicitado pelo proprietário, o condomínio pode ou não aprovar internamente tal modificação”, opina André Luiz Junqueira, consultor jurídico da Schneider Associados.
Depois de ser aprovado pela Câmara dos Vereadores, o Projeto de Lei Complementar n°. 10/2005 seguiu para análise do prefeito Eduardo Paes, que vetou a norma. Isso não impede, no entanto, de a lei ser promulgada, já que, a partir de agora, a própria Câmara pode contestar o veto do prefeito e validar a Lei.
O que dizem as legislações vigentes?
Para entender toda a problemática envolvendo as varandas condominiais, é necessária uma análise das principais legislações que abordam o tema. Somente assim síndico e condômino podem agir com propriedade em relação ao assunto, sem riscos de ferir a lei.
É o Decreto 322 de março de 1976 que, ainda hoje, conduz as discussões sobre o envidraçamento de sacadas no Rio de Janeiro. O texto traz determinações sobre as condições construtivas permitidas para as varandas. Em seu parágrafo nove, proíbe expressamente o fechamento ou envidraçamento dos ambientes, além de recomendar a inclusão da proibição na convenção de condomínio, que deve ser solidário e responsável no cumprimento da exigência estabelecida pelo decreto.
Somado a essa lei, há o Decreto 7.336 de 1988, que trata e regulamenta a construção de edificações residenciais multifamiliares. O documento confirma o decreto de 1976, ao restringir o fechamento de varandas e sacadas apenas às ocasiões em que a obra servir para a divisão entre unidades residenciais. “Quando se fala em varanda, há polêmica, porque, em geral, os proprietários de apartamentos acham que o fechamento da sacada é um direito inerente à propriedade deles. No entanto, o direito de propriedade em condomínios sofre restrições por parte da lei e da convenção do condomínio e qualquer alteração de parte externa é proibida”, completa o advogado André Luiz.
Ampliação da área útil
Apesar de ser compreensível a vontade de um proprietário fechar os vidros de sua varanda em dias de chuva e vento e também para garantir mais silêncio em sua residência, existem alguns aspectos que complicam o fechamento das sacadas condominiais. Muitas vezes, acontece de o condômino envidraçar o espaço e, a partir daí, colocar cortinas e móveis. A sacada passa então a ser extensão do apartamento. É justamente nesse ponto que o fechamento esbarra na questão legal junto à Prefeitura.
Se o ambiente se descaracteriza como sacada, passando a ser um cômodo adicional da unidade, a área útil do apartamento aumenta. Como consequência, deveria haver acréscimo na base de cálculo do IPTU, um dos principais tributos arrecadados pelo Município. Se o proprietário não paga esse acréscimo, a área excedente fechada passa a ser considerada uma construção ilegal perante a Lei.
Na tentativa de resolver esse problema, foi aprovado em setembro de 2009 o Decreto nº 31.167. O texto autorizava, por 120 dias e mediante pagamento de uma taxa pelo condômino, a legalização de obras de construção, modificação ou acréscimo que foram executadas em desacordo com as normas urbanísticas. Estavam contempladas neste decreto as varandas que, depois de fechadas, foram incorporadas à área útil do imóvel. Essa foi a chance que muitos proprietários encontraram para legalizar sua situação.
O Decreto, que possui o recurso jurídico conhecido como “Mais-valia”, no entanto, não teve a efetividade esperada. Além de só permitir a regularização das obras ilegais que atendiam aos requisitos da lei, as taxas cobradas foram consideradas abusivas por boa parte dos proprietários.
É alteração de fachada?
Outra questão importante na qual esbarra o fechamento de sacadas é se essa obra configura ou não alteração de fachada. Como se sabe, modificar a fachada condominial é expressamente proibido pelo Código Civil de 2002. Segundo o artigo 1.336, entre os deveres do condomínio, está o de “não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas”.
Apesar de o Código Civil ser claro quanto à alteração de fachada, advogados, especialistas e mesmo juristas ainda não chegaram a um consenso sobre a questão do fechamento das varandas. Para parte deles, a colocação de vidros modifica a estética da edificação e, portanto, altera a fachada. Segundo esse grupo, a concepção do projeto inicial do prédio fica comprometida com o envidraçamento. Há quem garanta que até mesmo o cenário urbano perde com o envidraçamento das sacadas, já que a leveza proporcionada pelos ambientes abertos se perde.
Já a outra vertente jurídica defende que, apesar de ser uma intervenção, dependendo do material utilizado no fechamento da sacada, a obra não fere o padrão arquitetônico da unidade. Os adeptos desse entendimento acreditam que, ao utilizar um vidro retrátil transparente, por exemplo, não há alteração de fachada. O importante, segundo esse grupo, é que certas alterações menos comuns, mas ainda assim existentes, tais como cortinas internas, aparelhos de ar condicionado externos e basculantes não acompanhem, em hipótese alguma, o envidraçamento das sacadas.
Essa falta de consenso jurídico acaba resvalando nas convenções condominiais. A maior parte delas adota uma postura conservadora proibindo o envidraçamento e contrariando os condôminos interessados em instalar vidros em suas varandas. “Qualquer coisa que interfira na lógica estética ou arquitetônica do prédio é considerada alteração de fachada. A varanda é parte da unidade autônoma, contudo, pelo fato de ficar exposta é necessário cautela ao promover intervenções nessa área para não interferir nessa lógica da edificação”, salienta Caroline Roque, advogada da Schneider Associados.
A importância do padrão estético
Para os mais desligados em assuntos de Arquitetura e Engenharia, a discussão em torno do padrão estético de um condomínio pode soar descabida, mas o fato é que a harmonia das fachadas das unidades que compõem a frente do edifício é um tema tão sério que influencia até mesmo o valor dos imóveis no mercado.
A designer de Interiores Raquel Salgado explica que, ao seguirem a mesma lógica arquitetônica, as unidades de um condomínio contribuem para a sensação de conforto visual do público externo. “É incômodo, por exemplo, quando, além de muitos desenhos arquitetônicos, a fachada combina diferentes texturas, como pastilhas, espelhos e vidros. Fica um visual carregado, e o possível comprador de uma unidade naquele condomínio acaba percebendo isso”, destaca.
A especialista esclarece que cada fachada corresponde a um projeto previamente pensado por engenheiros e arquitetos e que, ao promover alterações na estrutura, o condômino acaba comprometendo o trabalho desses profissionais: “Partimos sempre de um conceito. Tanto os projetos de Arquitetura como de Interiores são concebidos com base em um estudo. É a partir desse conceito que escolhemos os materiais a serem utilizados, as cores, texturas. Se você analisar, há um sentido em cada uma dessas escolhas. Por isso, é importante que a fachada, cartão de visita do edifício, tenha unidades seguindo a mesma linguagem, o mesmo padrão visual”, explica.
Mas, na opinião de Raquel Salgado, o simples envidraçamento da sacada não interfere de forma prejudicial na fachada, “É importante que haja um estudo por trás desse fechamento e que ele seja aprovado. Se for feito de qualquer jeito, como manda a cabeça de cada condômino, aí sim compromete e muito a questão estética do prédio”, afirma.
Para evitar possíveis problemas, a designer de interiores dá a dica de sempre consultar as normas condominiais antes de qualquer alteração. “O proprietário não pode pensar que a varanda é sua e quem manda ali é ele. Quem manda nas sacadas é o condomínio, o vizinho que fiscaliza, o funcionário que está atento. A regra básica é: antes de pensar em qualquer alteração na sacada, consulte as normas condominiais. Já vi gente que realizou obras no espaço e teve que desfazer tudo por não saber, de antemão, o que podia ou não fazer”.
Previna-se: convoque uma assembleia
A instalação de vidros demanda tempo e investimento do proprietário do imóvel. Na maior parte das vezes, são necessários mais de 30 dias para a finalização da obra. Já o preço é calculado por metro quadrado e leva em conta as características especificas de cada sacada. Geralmente, o processo é dividido em duas etapas. Na primeira, colocam-se os perfis de alumínio fixos na estrutura do prédio. Já a segunda fase consiste na alocação dos vidros e realização dos acabamentos.
Por ser um processo complexo, é imprescindível que a dica da designer Raquel Salgado seja seguida e, antes de mais nada, a convenção condominial revisada. O alinhamento da obra com os padrões estéticos do condomínio definidos em convenção é uma preocupação que deve afetar, inclusive, as empresas contratadas para o envidraçamento.
Ricardo Wisnesky, gerente comercial de uma empresa que atua há mais de 12 anos no mercado brasileiro e já conduziu o fechamento de cerca de seis mil varandas, garante que desenvolve projetos tendo como prioridade a manutenção da padronização das unidades. “Quando participamos da elaboração do projeto de um condomínio interessado em colocar o sistema, expomos de maneira clara todos os pontos importantes para que o projeto se enquadre na necessidade do cliente, não ferindo o padrão estético do prédio. Desenvolvemos os projetos estabelecendo a padronização das unidades, informando a paginação das folhas de vidro, pontos de abertura, peso, cor do perfil, espessura e cor do vidro”, conta.
Nem todas as empresas, entretanto, são tão criteriosas. Boa parte delas se guia apenas pelo interesse do proprietário do imóvel, seu principal cliente, que, não raro, ignora as questões e debates ligados ao fechamento das varandas. “A maioria dos condôminos não pede autorização para realizar a obra. Eles tem o pensamento de que o direito individual deles se sobrepõe ao interesse coletivo de uniformidade das partes externas. As consequências dessa atitude são duas: os demais condôminos se sentem no direito de fazer alterações como bem entendem, descaracterizando o prédio; e se tornam alvo de multas e ações judiciais por parte do condomínio, o que termina levando o caso para o lado pessoal, alimentando intrigas entre vizinhos. É importante ressaltar que se um condômino pode fechar sua varanda, todos podem, mas, se a estrutura do prédio não suporta que todos o façam, não poderá haver fechamento algum”, alerta André Luiz Junqueira.
E como o síndico deve agir o síndico nos casos dos fechamentos feitos à revelia da convenção? O primeiro passo é o administrador advertir, por escrito, o morador responsável. “Se o condomínio entende que o envidraçamento configura alteração de fachada, o condômino pode ser multado, além da possibilidade de o síndico promover ação judicial visando à recomposição do estado anterior da fachada”, enfatiza a advogada Caroline Roque.
Para evitar que a situação chegue à esfera jurídica, é recomendável que o condomínio debata a questão em assembleia. “Considerando que o fechamento de varandas tem despertado o interesse em muitos condôminos, por motivos de proteção acústica, segurança, dentre outros, o ideal é que o síndico convoque uma assembleia para deliberar sobre o assunto a fim de se antecipar à situação. O mais seguro é que o fechamento seja aprovado por unanimidade dos condôminos, mas, se houver 2/3 dos votos, é possível fundamentar uma justificativa”, sublinha Caroline Roque.
A assembleia foi a solução encontrada pelo Solar dos Girassóis, condomínio com 40 unidades na Taquara. Embora não tenha enfrentado problemas com condôminos que fecharam a varanda de forma irregular, o síndico Rodrigo Oliveira resolveu convocar a reunião para atender repetidos pedidos dos vizinhos. “Nossa convenção permitia o uso de toldos, mas, com o tempo, eles ficam amarelados e acabam dando um aspecto feio à fachada. Por isso, colocamos o tema em votação e aprovamos, em uma assembleia realizada em julho, com quórum máximo e por unanimidade, o fechamento das sacadas com vidro blindex”, conta o gestor.
A assembleia deve definir não só se o fechamento será autorizado ou não, mas também como ele deverá ser executado caso a maioria dos moradores aprove a iniciativa. É importante que a coletividade condominial detalhe o máximo de itens possíveis, tais como o tipo e a cor do vidro permitidos. Com isso, evita-se que cada unidade adote um padrão de envidraçamento e, consequentemente, impacte negativamente a fachada e o valor dos imóveis. “A cor do alumínio da estrutura que servirá de suporte para o vidro deve ser bronze para acompanhar o padrão do corrimão da sacada. Quando efetuar o envidraçamento, o condômino terá que seguir essa determinação da assembleia”, destaca Rodrigo Oliveira.
Para o gestor, que pretende fechar a sacada de sua unidade, os vidros vêm resolver uma carência de anos do seu condomínio. “Aliás, não vejo qualquer prejuízo para o nosso ambiente condominial. O toldo que atualmente existe nas varandas descaracteriza muito mais a fachada do que o envidraçamento. Há quem diga que a estrutura do blindex é pesada e pode comprometer a segurança da sacada, mas isso é mito. O envidraçamento só trará um visual melhor e mais limpo às nossas unidades”, conclui.