Obras mais seguras
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 07/09/2014
Edição 215 Jul/Ago 2014, Edições
Texto: Aline Durães
Já era noite quando foram sentidos os primeiros ruídos e tremores que resultaram no desabamento de três prédios no Centro do Rio, no dia 25 de janeiro de 2012. Dezessete pessoas morreram no acidente, que segundo os peritos da época, foi causado pelo colapso da estrutura de um dos edifícios, abalada por reformas não-autorizadas que estavam sendo realizadas no quinto andar de uma das unidades.
O episódio comoveu a população do estado e chamou a atenção das autoridades para a necessidade de meios mais rígidos e efetivos de fiscalização de obras em condomínios e prédios. De lá pra cá, alguns avanços importantes foram realizados; o mais recente deles foi a entrada em vigor, no último dia 18 de abril, da NBR nº 16.280/2014, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
O objetivo mestre da norma é garantir mais segurança às reformas executadas em edifícios e apartamentos e, assim, evitar tragédias como a citada no início desta matéria. Para isso, ela determina que, a partir de agora, todos os tipos de edifícios – sejam eles novos, antigos, comerciais, públicos, privados, residenciais e institucionais – devem seguir algumas regras antes de iniciar reformas que, se mal executadas, podem interferir em sua estrutura geral.
Por dentro da NBR 16.280
A nova norma impacta, em especial, os proprietários de imóveis e condôminos. Isso porque para realizar qualquer alteração em suas unidades, eles precisarão, forçados pela NBR 16.280, comunicar e pedir autorização prévia para o síndico do condomínio.
Esse pedido deve conter um projeto da obra assinado e chancelado por profissional capacitado que detalhará o que será feito durante a intervenção. No documento, é obrigatório constar uma ART (Anotação de Responsabilidade Técnica), no caso de o profissional escolhido ser um engenheiro, ou um RRT (Registro de Responsabilidade Técnica), quando o contratado pelo condômino for um arquiteto. Além disso, o morador precisa apresentar um cronograma da obra, com seu tempo estimado de duração e os materiais que serão utilizados na reforma.
Feito isso, caberá ao síndico aprovar ou não a reforma na unidade. Se identificar que a intervenção trará riscos de segurança à estrutura predial e à coletividade, o gestor condominial tem o direito de vetá-la, e ao condômino restará cumprir a determinação e desistir da obra. “Reformas sem autorização podem acarretar danos materiais e morais incalculáveis, além de gerar responsabilidade criminal dos envolvidos. Por isso, a NBR 16.280 é tão importante. Na verdade, ela reforça as orientações que advogados, engenheiros e arquitetos especialistas já davam para obras em unidades condominiais”, destaca o advogado André Luiz Junqueira.
A nova norma técnica prevê também maior responsabilidade do condômino e do síndico no acompanhamento das obras em apartamentos. Segundo o texto, é dever do proprietário acompanhar a intervenção, garantindo que ela seja realizada dentro do que foi apresentado ao síndico. Para o gestor, o aconselhável é também dedicar algum tempo ao acompanhamento das intervenções, já que, se a execução da obra for diferente do previsto no laudo inicial, o síndico pode vir a ser responsabilizado por não tê-la fiscalizado corretamente.
Concluído o processo, o gestor tem como tarefa arquivar a documentação, incluindo o termo de encerramento da obra, para repassá-la a seu sucessor. “Não havia nenhuma obrigação expressa em lei sobre essa comunicação prévia do síndico. De fato, existem muitos condomínios em que tal dever consta de sua convenção ou regulamento interno, mas sempre foi um assunto polêmico e difícil de implementar. A nova norma traz esse dever como uma forma de tornar mais efetiva a fiscalização e, por outro lado, a responsabilidade civil e criminal do responsável pela obra (proprietário e/ou ocupante) e do responsável legal da edificação (síndico, na maioria das vezes)”, esclarece André Luiz Junqueira.
Sonia Moreira está há seis anos à frente do Condomínio Pageu, em Laranjeiras, e, durante todo esse tempo, tem solicitado aos condôminos as autorizações municipais exigidas em lei. O pedido, no entanto, nem sempre é bem recebido por seus vizinhos. Ela conta que, no ano passado, enfrentou problemas com condôminos recém-chegados ao edifício que começaram a executar obras perigosas às vigas mestras. “Quando isso acontece, chamo um engenheiro que habitualmente presta serviços ao condomínio e peço licença ao proprietário do apartamento para que ele examine a obra. Nem sempre isso agrada ao morador, mas enfatizo que é um processo necessário e, depois, trato o assunto em assembleia”, narra. Para Sonia, a “norma nova vem dar aos síndicos e moradores a assistência que precisávamos para poder ir aos apartamentos e checar as possíveis obras fora da ordem”.
O que precisa e o que não precisa de autorização
São poucas as intervenções que, a partir de agora, poderão ser executadas sem o laudo de um engenheiro ou arquiteto e, consequentemente, sem o aval do síndico. Todas as obras que tenham como objetivo recuperar, melhorar ou ampliar a unidade caem nas regras impostas pela norma 16.280.
Revestimentos e impermeabilizações necessitam de ARP ou RRP. Da mesma forma, esquadrias e fechamento de varandas e instalações elétricas e a gás. Se o condômino for trocar o piso de seu apartamento e, para isso, remover o antigo com ferramentas de alto impacto, também precisará pedir autorização. O mesmo ocorre se a reforma envolver a instalação de ar condicionado e a remoção ou acréscimo de paredes.
Mas, afinal, que tipo de alteração dispensa o acompanhamento técnico profissional? Apenas as pequenas intervenções. Entre elas, estão a pintura da unidade, a implantação de rede de proteção e o rebaixamento de teto com gesso. Manutenções no geral também estão isentas de autorização. “Pequenas intervenções na unidade como pintura ou pregar um quadro na parede não precisam de autorização. Qualquer outro tipo de reforma precisa ser avaliada pelo condomínio, como forma de resguardar a todos que o proprietário cumpre o dever previsto no art. 1.336 do Código Civil, que é o de não promover obras que afetem a segurança do prédio”, aponta André Luiz, advogado da Schneider Associados.
Outro ponto da NBR 16.280 que vem gerando dúvida nos gestores condominiais é como identificar se a obra comunicada fere ou não os princípios de segurança do condomínio. O síndico tem condições de julgar se a ela pode ou não ser executada? Com exceção dos gestores formados em Engenharia e Arquitetura, é provável que os síndicos não tenham conhecimentos técnicos suficientes para determinar se a obra oferece ou não perigo à coletividade condominial.
Neste caso, a dica é contratar ajuda especializada para auxiliar na decisão. “A análise que será feita pelo síndico sempre deverá ser assessorada por um engenheiro ou arquiteto. A eventual negativa deve ser plenamente justificada, até porque será base, inclusive, para um embargo extrajudicial de obra. Vale lembrar que apenas apresentar a ART ou o RRT podem não ser suficientes; cabe ao perito do condomínio avaliar todos os detalhes”, lembra o advogado.
Se a condição financeira do condomínio impossibilitar a contratação de um profissional externo, a saída pode estar dentro de casa. Basta o síndico arregimentar algum engenheiro ou arquiteto entre os condôminos para que ele o ajude a analisar os projetos e aprová-los. “Não sendo engenheira, não tenho condições técnicas de avaliar a obra, no entanto, tenho o dever de, em caso de dúvida, pedir ajuda a um engenheiro que conheça o prédio há muito tempo”, ressalta a síndica Sonia Moreira.
Como garantir o cumprimento da norma
O síndico pode encontrar algumas dificuldades para fazer valer a NBR 16.280 no condomínio. Afinal, não é tão fácil convencer os condôminos de que eles precisarão de autorização para executar obras em suas próprias unidades. Mas é importante que o gestor insista em cumprir a norma técnica.
Se, por exemplo, perceber que o proprietário levou a obra em frente mesmo depois de ela ter sido negada, o síndico deve notificá-lo, solicitando mais informações sobre a reforma que está sendo feita em determinado prazo, sob pena de multa condominial. Se o problema persistir, pode denunciar a reforma junto à Prefeitura ou entrar na Justiça pedindo sua paralisação. Em casos extremos, é possível ainda impedir a entrada do material e o acesso dos funcionários da obra na unidade. “Esse último artifício somente deve ser utilizado em hipóteses extremas, onde se verifica indício claro da insegurança da obra, embora a ABNT dê a entender que se pode lançar mão dele pela mera falta de comunicação da reforma”, esclarece o advogado André Luiz.
O consultor jurídico dá ainda outras dicas aos síndicos interessados em garantir a efetividade e o cumprimento da norma técnica em seu condomínio. “Recomendo que se aprove a incorporação da norma ABNT NBR 16.280 em seu regulamento interno por maioria simples em assembleia com item específico; que se certifique de que a convenção esteja adequada ao Código Civil e preveja multas aos infratores; tenha sempre um advogado para, em caráter preventivo, assessorar nos contratos de reformas e regras condominiais e, em caráter contencioso, nas medidas que forem necessárias em face dos responsáveis pelas unidades e prestadores de serviços; e que o síndico esteja acompanhado de um engenheiro e/ou arquiteto para realmente entender e avaliar cada reforma”, finaliza.