A Copa acabou. E agora?
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 07/09/2014
Edição 216 Set/Out 2014, Edições, Últimas Notícias
Texto: Aline Durães
Foram 32 seleções que disputaram 64 jogos. Somente no Rio de Janeiro, cerca de 900 mil turistas desembarcaram no período de 12 de junho a 13 de julho. Pouco mais da metade deles vinha de outros países. O restante, dos mais diversos estados brasileiros. Na capital fluminense, uma das que mais atraíram público, a Copa do Mundo de 2014 movimentou um montante da ordem de 4,4 bilhões de reais.
Desconsiderando a performance do futebol brasileiro, que amargou sua pior derrota em um evento desse tipo, a quinta edição do Mundial a ser realizada em um país da América do Sul foi um sucesso. Segundo estimativas da Prefeitura do Rio, 3,5 bilhões de pessoas assistiram aos jogos pela televisão. Por um mês, o Brasil ocupou o centro das atenções do mundo do esporte. Uma visibilidade que já era esperada e que, ao longo dos anos anteriores à realização da Copa do Mundo de 2014, contribuiu para a melhoria de infraestrutura e consequente valorização imobiliária das cidades-sede dos jogos.
Mas, agora que o Mundial acabou, fica a questão: o que acontecerá com os preços dos imóveis no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, cidade que verificou um boom sem precedentes nos últimos tempos?
O boom imobiliário
Em outubro de 2007, a Fifa anunciava, em uma cerimônia realizada na Suíça, que o Brasil sediaria a Copa de 2014. Dois anos depois, em outubro de 2009, foi a vez de o Comitê Olímpico Internacional dar outra boa notícia ao país: o Rio de Janeiro desbancou Madri, Tóquio e Chicago e se tornou a primeira capital sul-americana a ser escolhida para receber uma edição dos Jogos Olímpicos, que ocorrerá em 2016.
A realização desses dois megaeventos esportivos somada à boa fase da economia brasileira e ao aumento do crédito imobiliário teve um impacto direto no valor dos imóveis brasileiros. Dos cariocas em especial. Entre 2004 e 2009, os financiamentos imobiliários se multiplicaram. Saíram de R$ 30 bilhões para R$ 100 bilhões. A partir de 2009, a situação se intensificou, e o preço do metro quadrado disparou. Foi o que os especialistas chamaram de boom imobiliário. Só para se ter uma noção, em 2010, o trecho entre a Barra da Tijuca e o Recreio valorizou 50%, concentrando um expressivo número de lançamentos de imóveis. Já em 2011, o mercado imobiliário na cidade do Rio de Janeiro teve um aumento de 44% em relação ao ano anterior. Os preços não paravam de subir, e a demanda parecia crescer ainda mais que eles. Durante todo o ano de 2012, o mercado manteve o crescimento constante. O preço médio do metro quadrado no Rio de Janeiro chegou a R$ 7.427, um dos maiores do mundo.
O síndico Afonso de Paula acompanhou esse aumento nos valores dos imóveis. À frente do Itajaí, condomínio com dez unidades em Ipanema, há quatro anos, eles constatou que, de 2010 a meados de 2013, as unidades de seu edifício passaram por uma forte valorização, chegando a valer cerca de 50% a mais do que nos anos anteriores. “Esse boom se deu, em parte, a um incremento da economia dos anos 2000 em diante. As pessoas perceberam os imóveis como negócios seguros e rentáveis, substituindo aplicações financeiras por aquisições imobiliárias, facilitadas pela concessão de créditos imobiliários e pelo fato de, nos anos anteriores, esses mesmos imóveis não terem sofrido aumentos significativos”, salienta.
Desaceleração
A partir de 2013, porém, o quadro começou a mudar. Os preços deram sinais de estagnação, o que sinalizava uma clara desaceleração do mercado imobiliário. Segundo especialistas do ramo, entre os fatores que influenciaram esse cenário estão o freio da economia brasileira, o endividamento das famílias, o excesso da oferta de imóveis e a forte especulação.
A valorização, que estava a todo vapor até o ano passado e chegou a atingir a média de 30% em todo o Brasil, se reduziu então para 13,7% em 2013, segundo o índice da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Logo, os proprietários de imóveis à venda, que, antes, ofereciam as unidades a valores acima da avaliação feita pelas imobiliárias, perceberam que teriam de baixar os preços caso quisessem fazer negócio.
O cenário do mercado imobiliário em 2014 e, em especial, no período pós-Copa exige cautela, mas não é preocupante, dizem os estudiosos. Embora os preços sigam o comportamento verificado no ano passado e estejam subindo em menor velocidade, não há risco de uma queda generalizada, já que o financiamento imobiliário permanece farto. “O que percebo é um excesso de oferta, demanda reduzida, compradores cautelosos ou mesmo reticentes, aguardando um momento de decréscimo nos preços. Esses preços encontram-se estabilizados e com um perfil de redução ou de reajustes que não exatamente acompanhem a inflação. Imóveis que, até três ou dois anos atrás, eram rapidamente negociados, agora acabam permanecendo meses sendo trabalhados pelas imobiliárias”, avalia Afonso de Paula, que afirma haver duas unidades à venda no Condomínio Itajaí a preços com tendência de queda em relação aos anos anteriores.
O que dizem as pesquisas?
O Sindicato da Habitação do Rio de Janeiro (Secovi-Rio) divulgou, no fim de julho, a pesquisa “Cenário do Mercado Imobiliário do Rio de Janeiro – 1º semestre de 2014”. O documento dá pistas interessantes sobre o possível comportamento dos preços dos imóveis, tanto para venda como para locação, passada a euforia provocada na cidade pela Copa do Mundo.
O estudo aponta que, “embora o Rio esteja vivendo uma fase de desenvolvimento, com diversas melhorias nos espaços urbanos e perspectivas de transformações expressivas em infraestrutura para os próximos anos, os índices de valorização no primeiro semestre de 2014 mostraram-se mais modestos que os do mesmo período de 2013”.
“O mercado imobiliário começou a se ajustar em função do menor ritmo de crescimento da economia. O Cepai (Centro de Estatísticas do SecoviRio), neste ano, já tem detectado que em alguns bairros da cidade do Rio os valores estão subindo menos que a inflação, tanto na locação quanto na venda de imóveis usados”, explica Antonio Paulo Monnerat, Vice-presidente de Locações do Secovi-Rio.
É o que está acontecendo com os aluguéis. Subindo de forma mais branda, muitos já acompanham a inflação oficial do IPCA de 3,3%. Na Zona Oeste, por exemplo, a variação dos preços foi de 2,8% no primeiro semestre deste ano. E, no Centro da Cidade, o índice registrado ficou em 3,9%.
Já para o cenário de compra e venda de imóveis, dos 17 bairros analisados na pesquisa, 15 tiveram variação no preço do metro quadro menor que no período correspondente analisado em 2013. Os únicos que fugiram à regra foram Jacarepaguá e Botafogo. Campo Grande e Madureira, dois bairros que, em 2013, registraram variação de preços de 15,3% e 10,5%, respectivamente, caíram para 1,3% e 1,6% nos primeiros seis meses deste ano. “É um ajuste que vem sendo observado nos últimos meses, não é um movimento brusco de correção, não acredito que ocorra uma queda nos preços”, avalia Monnerat.
Risco de bolha?
Todo e qualquer debate acerca do aquecimento e desaceleração dos preços dos imóveis cariocas vem acompanhado da discussão sobre a possível existência de uma bolha imobiliária. O medo da bolha se deve, em parte, à crise financeira de 2008, que deixou impactos nefastos na economia de vários países no mundo e teve início com o colapso imobiliário nos Estados Unidos.
Lá, a combinação dos altos preços dos imóveis com os baixos juros praticados pelo mercado levou um número considerável de norte-americanos a se endividarem com sucessivas hipotecas. Os recursos provenientes das hipotecas, que nada mais são do que empréstimos concedidos por uma financeira ao cidadão tendo sua casa como garantia de pagamento, eram maciçamente reutilizados pelos investidores para estimular o consumo.
A partir de 2007, no entanto, as taxas de juros do país aumentaram, o que desviou a atenção do consumidor do mercado imobiliário para os títulos do governo. Com isso, a procura e, consequentemente, o preço dos imóveis, diminuíram, assim como o valor das hipotecas a eles relacionado. Em pouco tempo, os índices de inadimplência se tornaram alarmantes, afetando o restante da economia estadunidense.
Robert Shiller, professor da Universidade de Yale que previu a bolha imobiliária dos Estados Unidos, assustou os mais pessimistas quando afirmou que o repentino aumento nos preços dos imóveis indicaria a existência de uma bolha imobiliária em algumas cidades brasileiras.
Economistas garantem, entretanto, que a realidade brasileira difere da norte-americana e, por isso, o risco de queda de preços generalizada estaria afastado. “A razão entre o valor do financiamento e o valor do bem financiado de 71% na média nacional é um seguro mecanismo de avaliação do crédito imobiliário. O montante de financiamentos contratados não ultrapassa 8% do nosso PIB. Quando houve a bolha nos Estados Unidos, os bancos emprestavam mais que 100% do valor do imóvel dado em hipoteca até para clientes que não tinham renda comprovada, sendo que o crédito imobiliário era superior a 50% do PIB americano. No Brasil, a alienação fiduciária inibe a inadimplência. Os imóveis continuam sendo um bom investimento, além da segurança, não apresentam os riscos do mercado de ações e a rentabilidade das aplicações financeiras não tem sido atrativa. Nosso mercado imobiliário é sólido e protegido, não acredito na eclosão de uma bolha imobiliária em 2014”, sentencia Antonio Paulo Monnerat.