Lar, problemático lar?!
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 11/03/2013
Edição 207 Mar/Abr 2013, Edições
Um cachorro inconveniente latindo sem parar. Um salto alto batendo no teto da sua casa às seis da manhã. A vaga na garagem ocupada na hora que você chega de um dia estressante de trabalho. Uma festa cheia de algazarra até a madrugada. Quem mora em condomínio sabe que estas e outras situações semelhantes são muito comuns, afinal, há vizinhos por todos os lados e, consequentemente, diferentes estilos de vida. Mas, vai explicar isso para os condôminos… Com um número cada vez maior de pessoas vivendo sob os mesmos tetos, é inevitável que episódios inoportunos aconteçam e o síndico é o responsável por mediar, com muita sensibilidade, os mais diversos conflitos dentro de um condomínio.
Segundo dados do último censo do IBGE, um em cada dez brasileiros vive em condomínio e o aquecimento do mercado imobiliário mostra que a tendência é que este número aumente com o passar dos anos. De 2010 para cá, o Brasil teve um crescimento de 43% no número total de apartamentos, que passou de 4,3 milhões para 6,1 milhões. Ao todo, são 16 milhões de brasileiros vivendo em edifícios. Mais da metade dos prédios está na região Sudeste, sendo 1,8 milhão de apartamentos em São Paulo e 1 milhão no Rio.
De acordo com os números, se pelo menos metade dos condôminos de todo o país sofrerem algum tipo de desentendimento com seus vizinhos, serão pelo menos oito milhões de brasileiros vivendo em pé de guerra. A psicóloga Dra. Maria Luiza Bustamante P. de Sá, do Instituto de Psicologia da Uerj, afirma que existe uma explicação científica para milhões dessas brigas: “existe um conceito chamado espaço geográfico. É uma sensação que todos os seres humanos têm quando estão inseridos no mundo. E isso se reflete numa ambivalência em relação aos vizinhos. Ao mesmo tempo em que o indivíduo gosta de ter companhia, afinal o ser humano é um ser social, ele não gosta que alguém invada o seu espaço”, diz ela, que completa: “o espaço geográfico varia muito de pessoa para pessoa. As que são mais toleráveis convivem bem, já as outras…“
A psicóloga afirma ainda que o “teste do elevador” é o melhor jeito de entender a questão. “Quando você entra no elevador e um vizinho também, você precisa conviver com ele por alguns segundos. Certas pessoas não têm problemas com isso, já outras se sentem incomodadas, pois o vizinho, de certa forma, invade a privacidade dela. Por isso há tantos que preferem ir de escada só para não esbarrar com ninguém. Quando você compra um apartamento, você compra todo o conforto e o espaço físico que ele oferece. Se alguém invade isso de alguma forma, é confusão na certa”.
E o que não faltam são histórias problemáticas. A universitária Juliana Lima se mudou em outubro de 2011 para um apartamento na Tijuca. Desde então, não teve sossego. “A vizinha de baixo ouve sons na madrugada vindo do meu apartamento e interfona para a minha casa gritando, dizendo baixarias ao meu respeito. Uma vez ela se queixou de marteladas, sendo que o apartamento estava vazio! O porteiro me viu chegando na hora que ela ligou para reclamar”, relata. Já a jornalista Melina Sampaio se mudou em 2009 para um apartamento da família, em Botafogo, que estava vazio há seis anos. “Pouco tempo depois, a vizinha de baixo passou um e-mail para o meu pai relatando que eu promovia festas até altas horas incomodando os vizinhos. Juro, nunca dei uma festa na minha casa! O engraçado é que, até hoje, nunca esbarrei uma vez sequer com ela”.
Nem sempre as discussões entre vizinhos ficam apenas nas reclamações. A empresária Sandra Mendonça, que mora no Rio Comprido, já foi agredida fisicamente. “O meu vizinho reclamava de carros estacionados ou parados na porta do prédio. Certa vez, vi uma Kombi que era dele estacionada e resolvi fotografar para discutirmos na Assembleia. Quando ele soube me ameaçou. Um dia, nos esbarramos no corredor e ele partiu para cima de mim. Uma outra vizinha me socorreu. Nisto, ele chamou a polícia. No fim das contas, ele entrou com uma ação contra mim. No dia da audiência, não apareceu, e após seis meses, um vizinho intermediou um acordo entre nós”, conta.
A síndica do Condomínio Aloha, na Barra da Tijuca, Vera Lúcia Teixeira, diz que situações como estas são inadmissíveis. Ela administra, ao todo, 220 unidades e conhece como ninguém a polêmica da vida em condomínio. “O que causa mais problema de convivência no prédio é o barulho que um morador faz para o outro. Mas, muitas vezes, um condômino não quer ficar mal com o vizinho e usa o síndico como bode expiatório. Ele diz: não diga que sou eu que estou reclamando, mas fale com ele”, explica ela, que não tolera este tipo de comportamento. “Eu converso e explico que é preciso se identificar. Na maioria das vezes, conseguimos resolver tudo de forma pacífica. Falo com o queixoso e eles se entendem. Mas, quando não há solução, deve-se partir para a ação judicial”.
A síndica diz ainda que recomenda aos moradores que escrevam suas reclamações no livro de ocorrências, para tornar o ocorrido oficial. Assim, é possível contestar depois, se o problema continuar. “No fundo, no fundo, é a falta de educação e de civilidade que causa tudo isso!”, afirma, categórica.
Eleito há pouco mais de um mês, o síndico Sérgio Carbone de Barros administra o Condomínio Green Park, de 20 unidades, no Recreio. Aeronauta aposentado, ele afirma que para viver bem em condomínio é preciso ter disciplina, mas ressalta que, por sorte, o prédio que administra conta com poucas unidades e, portanto, há menos brigas. “Acho que, antes de tudo, o síndico não deve tomar partido de nenhum dos lados. Ele precisa ter uma posição neutra e agir da melhor maneira possível para resolver tudo na calmaria. Se não der jeito, quem deve resolver é a Assembleia em votação”, opina.
O sociólogo Gilson Ribeiro lembra que, pela primeira vez na história, a população urbana ultrapassou a população rural. Isso aliado ao fato do crescimento econômico brasileiro promove profundas transformações no espaço urbano: “a vida em condomínio é um conceito relativamente novo para muitos moradores, pois o nosso novo panorama econômico trouxe mais adeptos à Classe Média, e muitos deles viviam antes em casas”, afirma o professor, que ainda diz: “os residenciais fechados têm o objetivo de trazer mais qualidade de vida para um determinado grupo social, no entanto, nem sempre as pessoas estão preparadas para dividir o espaço. Muitas vezes, a vida no condomínio atrasa o processo de cidadania, porque, em sua essência, o ser humano que se isola é egoísta e quer liberdade para fazer o que quiser”.
Um vizinho do barulho
Segundo o Secovi, Sindicato da Habitação, no topo da lista de reclamações de condomínios está o barulho. Em seguida, vem a falta de espaço na garagem, já que os carros estão cada vez maiores e as vagas são pequenas. Em terceiro, e não menos importante, a inadimplência, pois quando não se paga o condomínio, o valor é repartido entre os demais condôminos até que a dívida seja quitada. Em quarto, vêm os bichinhos, que costumam ficar sozinhos em casa quando o dono viaja, e claro, latindo sem parar. E em quinto, os temidos vazamentos.
As reclamações são tantas que o Sindicato oferece em alguns estados um serviço que tenta solucionar as brigas, a “Câmara de Mediação”. Dez mediadores com formação em Direito, Sociologia e Psicologia ajudam os moradores a solucionar o problema de maneira rápida e simples. O índice de sucesso é alto: 90% dos casos terminam em acordo.
O síndico Diego Barreto – gestor do Residencial Boa Vista I, em Niterói, que possui 12 unidades – comenta que as principais queixas que recebe são referentes a barulho. “Apesar do condomínio ser horizontal, ou seja, de casas, há reclamações de barulho e festas. Isso é muito comum, afinal, as pessoas nem sempre estão preparadas para conviver no mesmo espaço. Ainda falta bom senso. O mais curioso é que, na maioria dos casos, os vizinhos não têm diálogo. Eles reclamam primeiro comigo ou com o zelador. Portanto, os funcionários, muitas vezes, são os primeiros a presenciarem a confusão e devem saber lidar com o fato usando o bom senso”, completa.
Como resolver os problemas
Assim que o morador faz a primeira queixa, o síndico deve entrar em contato com ambas as partes, ouvir os dois lados e tentar fazer um acordo para solucionar o caso de forma pacífica. A dica é da advogada especialista em Direito Imobiliário, Paula Furtado, da Schneider Advogados Associados. “O que aconselhamos é tentar fazer com que as pessoas resolvam tudo de forma saudável, afinal, elas vivem ali. Quando isso não acontece, normalmente, a pessoa que se sente prejudicada entra com uma ação judicial. Na maioria das vezes, tentamos fazer um acordo entre as partes”, explica ela, lembrando que, quando há dano material, o valor a ser pago também é estipulado no acordo.
A advogada cita ainda que os casos de agressão física são mais comuns do que as pessoas costumam imaginar. “Já trabalhei com situações bem difíceis, como um morador que jogou o carro em cima do síndico para atropelá-lo. É complicado. São muitas pessoas, culturas diferentes, educações diferentes… Isso pode acontecer. Há ainda aqueles casos que são pessoais. Às vezes dois vizinhos têm problemas que vão além da boa convivência no prédio”.
Nos casos de festas e barulho depois das 22h, ela explica que, normalmente, segundo a Convenção do condomínio, há uma notificação oficial que adverte o morador do caso. Se persistir, há uma segunda. Caso o problema volte a acontecer, o condômino deve ser multado. “Tudo depende das regras da Convenção do condomínio. Elas precisam ser seguidas à risca para evitar problemas”.
Já sobre os animais, Paula lembra que, por lei, não se pode proibir a presença deles em casas ou apartamentos, no entanto, é preciso seguir as regras da Convenção para não incomodar os vizinhos. “Se o animal late muito e incomoda outro morador, é preciso achar um meio em que os dois lados fiquem satisfeitos, como por exemplo, deixar o cachorro com alguém na hora de ir trabalhar, pois não é possível proibir a existência deles no prédio”.
Apesar da lei e das regras da Convenção, Paula lembra que o segredo para resolver estes e outros imbróglios é o bom e velho bom senso. Mas, nem sempre é tão fácil. Como disse o poeta Mario Quintana: “A arte de viver é simplesmente a arte de conviver… Simplesmente, disse eu? Mas como é difícil!”.
Dicas para o síndico solucionar os conflitos nos condomínios:
1) Converse sempre com os dois lados antes de agir;
2) Nunca defenda ou acuse nenhuma das partes envolvidas. O síndico deve ser imparcial;
3) Incentive o registro das brigas em livros de ocorrência para oficializar o ocorrido;
4) Tente sempre fazer um acordo entre as partes envolvidas;
5) Siga as regras estipuladas pela Convenção;
6) Nunca perca a paciência ou se altere durante uma discussão de moradores;
7) Notifique problemas ocorridos nas áreas comuns ou com barulho por meio de ofícios que podem ser colocados em pontos estratégicos, como o elevador;
8) Sempre faça uma advertência antes de qualquer multa;
9) Treine bem os porteiros e funcionários para que eles saibam agir caso ocorra algum desentendimento;
10) Questões que envolvam todos os moradores ou as áreas comuns do prédio devem ser levadas para votação na Assembleia.
Texto: Mario Camelo
Foto Marco Fernandes