A pandemia de Covid-19 trouxe uma das mais profundas crises econômicas da história do país. A economia vem desacelerando rapidamente e deve registrar o pior desempenho entre as 20 principais do mundo em 2022, com riscos de recessão no horizonte em pleno ano de eleição, segundo uma pesquisa divulgada em dezembro pela Reuters.
Segundo a mesma pesquisa, o Brasil, maior economia da América Latina, também registra um dos mais altos índices de inflação, que disparou para mais de 10% em 2021, taxa mais elevada desde a crise política de 2016. Para completar, a taxa de desemprego no Brasil, segundo dados divulgados em novembro de 2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) chegou a 12,6% no 3º trimestre, atingindo 13,5 milhões de brasileiros.
O cenário é realmente desafiador, no entanto, há um setor da economia que parece não enxergar tais números: o mercado de luxo, especificamente o imobiliário. Segundo dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), houve um crescimento de 32% nas negociações de imóveis de médio e alto padrão em 2020, o que garantiu às incorporadoras um crescimento maior que o de 2014, antes da pandemia.
Mas como explicar este fenômeno? Lívia Rigueiral, CEO da Homer, plataforma que oferece soluções tecnológicas para o mercado imobiliário, acredita que o aquecimento no mercado de imóveis de médio e alto padrão se deve, especialmente, ao novo contexto social. “Na época do isolamento social e agora com o modelo de trabalho híbrido se firmando como realidade, as pessoas passam mais tempo em casa e as necessidades mudaram, aumentando assim a busca por imóveis maiores e mais confortáveis, com espaço para home office. Os imóveis maiores, com áreas de lazer, por exemplo, se mostram ótimas opções para ajudar a estimular o convívio familiar e gerar mais momentos de descontração”.
A opinião exemplifica em partes tal movimento, mas também há outra explicação: na pandemia, o pobre ficou mais pobre e o rico ficou mais rico. No meio de 2021, um ranking divulgado pelo banco Credit Suisse mostrou que a desigualdade havia crescido em 2020, em plena crise sanitária, na maioria dos países do mundo. Em 2019, os brasileiros mais ricos detinham 46,9% das riquezas. Com a pandemia, em 2020, esse percentual subiu para 49,6%. Além disso, mesmo com os desafios impostos pela crise e suas consequências na economia, o país ganhou 40 novos bilionários em 2021, segundo a revista Forbes. A publicação atribui esse aumento ao aquecimento do mercado de capitais, que favoreceu os mais ricos.
“Na pandemia, o topo da renda do mundo conseguiu lucrar mais, apesar do momento de pessimismo econômico, principalmente por conta da valorização do mercado de capitais, que muitas vezes, tem um desempenho totalmente isolado da realidade. Um fato que comprova isso são os grandes bilionários que, hoje, estão mais ricos do que antes da pandemia, como por exemplo, o presidente da Amazon, Jeff Bezos”, afirma o economista Leonel de Aquino.
No mercado de imóveis de luxo, o impacto foi sentido imediatamente. É o que afirma Marcello Romero, CEO da Bossa Nova Sotheby International Realty, imobiliária responsável por diversos projetos luxuosos em São Paulo, como o Casa Lafer, Casa Leopoldo, ambos no Itaim, e a Casa Brasileira de Luxo. Na zona rural, a empresa ainda tem os empreendimentos: Fazenda da Grama, e o mais recente Portofino, em Ibiúna, com projeto de arquitetura do premiado Gui Mattos e paisagismo do escritório Burle Marx. Em 2020, a companhia atingiu R$1.1 bilhões em movimentações. Este ano, a estimativa é de R$1.6 bilhões.
“O mercado imobiliário já estava se recuperando, independentemente da pandemia. O que acontece é que viemos de cinco anos, de 2015 a 2019, num processo de recessão aguda. O mercado ficou represado por conta da falta de confiança, com taxa Selic alta e isso faz com que as pessoas direcionem o dinheiro para investimentos, para ter renda, para ter liquidez. É importante ressaltar que estamos falando do mercado de alto padrão, que são pessoas que não precisam comprar imóveis para morar. Via de regra já moram muito bem, apenas querem um outro imóvel e, simplesmente, durante esses últimos cinco anos ficaram num compasso de espera”, conta o CEO.
Para ele, a queda da taxa de juros e a sinalização de que os preços dos imóveis iriam começar a subir, impulsionaram a compra por estas pessoas, que consideraram um bom momento para investir no mercado imobiliário.
“A pandemia, no caso do segmento de alto padrão, só acelerou a vontade destas pessoas de comprar ou trocar de imóvel, porque justamente por conta da pandemia, elas precisaram de mais espaço. A demanda foi aumentando e a oferta não acompanhava. Assim, os preços começaram a subir e continuaram subindo ao longo de 2020/2021, até que chegaram no patamar de hoje, com as áreas de alto padrão quase dobrando de valor”, explica Romero.
Já para Lucas Araújo, diretor de Marketing e Inteligência de Mercado da Trisul Construtora e Incorporadora, o perfil de público também fez com que o setor crescesse. “O mercado de luxo atende o perfil de público com alta renda, com renda mensal média a partir de R$40 mil. Esse público é mais resiliente às condições macroeconômicas como alta de juros, problemas políticos e oscilações de mercado. Por ser mais resiliente e ainda demandar a aquisição de novas moradias e, principalmente, saber identificar boas oportunidades de localizações raras e valorizadas, a atuação do mercado voltado para esse público se acentuou”, diz.
A “não-crise” do setor também foi sentida em outra cidade, o Rio de Janeiro, mas de um jeito diferente. Benjamin Cano, sócio da Rio Exception, imobiliária especializada em empreendimentos de luxo, notou um aumento de estrangeiros à procura de imóveis no Rio. “O ano de 2021 foi o melhor ano de vendas desde a abertura da imobiliária. Registramos um aumento de 60% de leads em comparação a 2020, que já estava sendo um bom ano, atraindo investidores estrangeiros que já têm uma conexão com o Rio, seja como destino turístico preferido ou porque já moraram na cidade”, afirma.
E o que esperar do futuro? Marcello Romero acredita que, atualmente, as principais tendências do mercado imobiliário de alto padrão estão voltadas para empreendimentos com área de bem-estar, além de plantas muito bem distribuídas e planejadas para que as pessoas tenham toda a sua infraestrutura, conforto e segurança. E a previsão para o futuro é de uma leva estagnação nesta crescente.
“O que a gente está percebendo é que os preços tiveram um crescimento bastante significativo nesses últimos dois anos e a gente acredita que, para o momento, já chegaram num patamar bastante elevado. Tem espaço para aumento sim, ainda por conta da demanda, mas temos sempre que lembrar que esses produtos não são replicáveis e cada vez vai ficando mais difícil de se encontrar boas áreas, bons terrenos para lançar bons empreendimentos, então tem uma questão de exclusividade”, diz.
Para o CEO, este público acredita que o preço já chegou num patamar bastante alto, assim, o senso de urgência de comprar porque o preço vai subir vem perdendo força. “Somando esse cenário às eleições no ano que vem e diversos outros fatores, como aumento da inflação e aumento da taxa de juros, é um momento de aguardar. E como esse cliente não precisa comprar, ele se coloca num compasso de espera, prefere entender como é que o cenário vai se desenhar para ter um pouco mais de claridade e ver qual a próxima tomada de decisão”, conclui.
Por: Mario Camelo