Economia que cai do céu
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 14/10/2020
Economia, Sustentabilidade
Gabriel Rosa
Um dos principais problemas apontado pelos maiores órgãos internacionais, a escassez de água, pode atingir até dois terços da população mundial em 2050. É o que diz um relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015. Ainda de acordo com o ONU, esta adversidade pode limitar o crescimento econômico de diversos países, já que três a cada quatro empregos dependem forte ou moderadamente da água. A América Latina e o Caribe são as regiões mais vulneráveis, tendo em vista que a maior parte de suas economias está ligada à exploração de recursos naturais.
No entanto, medidas simples adotadas por condôminos e condomínios podem ajudar a virar este jogo. Entre elas, a possibilidade de se utilizar água da chuva para algumas atividades do cotidiano, como lavagem de carros e áreas comuns, descarga em banheiros e regar plantas e jardins. Além de contribuir com o meio ambiente, a ação sustentável também colabora para a redução nas contas. Após instalado, o sistema de captação de água da chuva pode diminuir em até 40% a conta de água.
Arnon Velmovitsky, síndico do Midtown Nova Ipanema, na Barra da Tijuca, afirma que a redução nas despesas foi imediata. O projeto implantado em 2014 por Velmovitsky no centro comercial e foi finalista na categoria Condomínio Sustentável do prêmio do Sindicato de Habitação do Rio de Janeiro (Secovi-Rio), deste ano.
“Sempre procuramos por inovações para buscar economia e sustentabilidade. Descobrimos que a precipitação de chuva era bem grande na região onde fica o condomínio e que implantar este sistema era muito barato. Além disso, o condomínio ocupa uma área grande, o que possibilita captar um volume maior de água. Apenas com este sistema, a conta de água caiu entre 30% e 40%”, conta o síndico do condomínio que reúne 147 unidades, entre lojas e salas comerciais.
O sistema funciona da seguinte forma: a água da chuva que cai nos telhados dos edifícios é coletada por calhas que a transportam até um reservatório; de lá, é enviada até a caixa d’água, passando por um processo de filtragem no caminho; da caixa d’água, é distribuída para o uso em diversas atividades.
“A água captada passa por um filtro de linha, para eliminação de impurezas como folha de árvores e outras. Esta água é armazenada em tanques ou cisternas, então, é succionada através de bomba centrífuga recebendo automaticamente solução de hipoclorito de sódio para desinfecção (eliminação de bactérias, fungos e outras contaminações microbiológicas). Passa por um filtro de profundidade para a retirada de partículas em suspensão e é armazenada em tanques ou cisternas estando pronta para reuso. Este tratamento mais refinado tem como cuidado para utilização em vasos sanitários, lavar pisos e regar plantas. Já que pode haver contato com a pessoa que vai manuseá-la” conta Luís Carlos Serafim, engenheiro químico da Lomek, empresa que realiza estudos e implementação de sistemas de captação de águas pluviais.
“Retorno acontece em alguns meses”
Além de auxiliar na redução do consumo de água potável para lavar calçadas, pisos e regar plantas, a coleta de água da chuva ainda exerce um papel importante na diminuição dos alagamentos nas cidades. Gandhi Giordano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), relata outros benefícios da prática.
“A primeira motivação para incentivar a prática no Brasil foi evitar enchentes. Se você coletar a água que cai sobre os prédios, evita-se que a água chegue rapidamente à rua, diminuindo os pontos de alagamento. Além disso, quanto mais se fala sobre o tema, o envolvimento das pessoas com o assunto cresce, o que favorece o amadurecimento de uma consciência de educação ambiental. Também há o fato de que, ao utilizar uma água que antes era descartada, você disponibiliza mais água potável para quem tem pouco ou nenhum acesso à água. É mais uma forma de universalizar o acesso à água”, conta Giordano, que é chefe do Departamento de de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente da Faculdade de Engenharia da Uerj.
Os custos de implementação de um projeto de uso de água da chuva variam muito e devem ser pensados caso a caso. Para um sistema eficiente, deve-se levar em consideração fatores como o índice pluviométrico da região (somatório da quantidade de precipitações em determinado local durante certo período de tempo), a área do condomínio que pode ser utilizada para a coleta de água e quanto tempo tem a construção (os projetos tendem a ser mais difíceis de serem executados em prédios mais antigos).
“A principal desvantagem está na operação do sistema. Tem que limpar as peneiras e substituir as pastilhas de cloro. Além disso, se o prédio não for novo, tem que se fazer uma obra para separar a alimentação da água pluvial da coluna da água sanitária. No entanto, dependendo do tamanho do edifício, o retorno acontece em poucos meses”, afirma Giordano.
Olhos abertos para evitar problemas
Além de realizar manutenções periódicas, os síndicos devem ficar atentos a outros aspectos do sistema de captação de água pluvial. A tubulação extra deve ser muito bem sinalizada para que não haja enganos na hora da manipulação do líquido oriundo desses canos. Alexandre Salles, engenheiro civil e responsável pela obra no Midtown Nova Ipanema, faz o alerta.
“Algumas coisas têm que ser feitas com cuidado. Quando se tem água disponível, deve-se tomar muito cuidado porque é uma torneira e alguém pode inadvertidamente usar aquela água para uso indevido. Então, o acesso ao sistema deve ser muito bem controlado por quem por faz sua administração”, explica.
Outro aspecto importante a ser levado em conta na hora de planejar a instalação de canos e reservatórios é que eles precisam de espaço físico para serem instalados. Com isso, normalmente, perde-se uma área da construção (geralmente, vagas de garagem). Também há quem questione o aspecto estético da obra. Porém, não é nenhum problema sem solução, garante Salles.
“Em geral, perde-se uma área do condomínio. No Midtown Nova Ipanema, isso não aconteceu porque escolhemos uma área na garagem onde seria impossível estacionar um carro. Pode parecer feio esteticamente em alguns casos, afinal, estamos falando de um reservatório. Mas isso é fácil de resolver com uma solução de arquitetura. Essas pequenas desvantagens não devem desestimular ninguém que esteja pensando em uma solução como essa para seu condomínio. É pouco em comparação aos benefícios que se tem a partir da instalação do sistema”.
A economia também pode vir dos pequenos detalhes. Campanhas dentro dos condomínios chamando atenção para o quanto evitar o desperdício pode ser benéfico para todos exerce um papel fundamental na redução das contas. Além disso, realizar manutenção criteriosa em todas as áreas, inclusive nas privativas, pode resultar em diminuição das despesas.
“É preciso fazer um trabalho de conscientização. Temos placas e faixas que alertam sobre como economizar água. Mandamos circulares para os condôminos e também fazemos manutenção preventiva das partes internas das unidades por conta do condomínio. Um exemplo, trocamos as carrapetas que custam menos de R$ 1 cada uma. Se tiver um vazamento em alguma delas, significa R$ 50 a mais na conta no fim do mês. Esta vigilância permanente faz toda a diferença e evita um gasto desnecessário. Afinal, esta água não vai para lugar nenhum se for desperdiçada. Gasta-se sem ter nenhum retorno” conta Velmovitsky.
Soluções para áreas com pouca chuva
Coletar e utilizar a água que cai do céu também dá mais segurança em momentos que se discute a escassez das chuvas e a ação do homem na natureza. Em situações como a enfrentada pelo estado de São Paulo no ano passado, onde faltou água para milhares de pessoas, possuir uma reserva própria pode fazer toda a diferença.
“Nós, enquanto consumidores, estamos na ponta de uma imensa cadeia. A água que consumimos é transportada de bem longe daqui. Não nasce na nossa região. À primeira vista, já estamos economizando energia elétrica porque mesmo as termelétricas precisam de água para gerar energia. Com isso deixamos de fazer pressão sobre os mananciais. É como se, na prática, a população diminuísse. Além disso, no caso de qualquer paralisação de fornecimento, você tem a sua própria reserva emergencial”, conta Giordano.
Mesmo em áreas com baixos índices pluviométricos é possível economizar na conta e ainda desenvolver uma atitude mais sustentável com o planeta. Também há no mercado sistemas que utilizam a chamada água cinza (resíduos provenientes de processos domésticos como lavar roupas, lavar louças ou tomar banho). Este tipo de detrito pode corresponder em até 80% de todo o esgoto residencial.
“O pulo do gato para novas construções em áreas com pouca chuva é utilizar a água cinza. Elas podem ser recuperadas e têm todos os dias em qualquer prédio. Nesses casos, a economia pode chegar a 50% na conta de água. Essa água pode voltar para a caixa de descarga dos banheiros, pode ser usada para lavar carros e pisos, além de regar plantas”, fala Serafim.
Outras dicas para poupar água
1. Campanha de conscientização: espalhe avisos pelos murais, elevadores e envie cartas aos condôminos sobre a importância de se poupar e usar bem a água.
2. Manutenção preventiva: realize inspeções criteriosas em todas as áreas do condomínio, inclusive nas privativas. Uma troca de uma peça barata pode gerar uma grande economia no fim do ano.
3. Conta individual: proponha troca da conta coletiva pela individual. Por não terem noção do quanto gastam, moradores tendem a ser menos conscientes com o uso da água.
4. Plantas e jardins: opte por regar plantas e jardins antes das 10h ou depois das 19h. Assim, evita-se o excesso de evaporação.
5. Balde nas áreas comuns: evite o uso de mangueira para lavar áreas comuns dos condomínios. Ligada por 15 minutos, a mangueira gasta 280 litros de água.
Vantagens x desvantagens de aproveitar água da chuva
Vantagens
1. Economia na conta: após instalado, o sistema pode gerar economia de até 40% na conta d’água. Com isso, o retorno do investimento vem em poucos meses.
2. Atitude sustentável: ao utilizar água da chuva, o condomínio deixa de usar água potável para fins menos nobres, reduzindo a pressão sobre mananciais e ajudando na universalização do acesso à água.
3. Menos alagamentos: o sistema retém parte das chuvas que caem sobre as cidades, reduzindo a velocidade com que esta água vai parar nas galerias pluviais e ajudando a diminuir áreas de alagamento.
Desvantagens
1. Manutenção constante: a água que cai nos telhados costuma trazer resíduos para o sistema, como folhas, penas e cocôs de pássaros e outros animais. É preciso limpar sempre os filtros e trocar a pastilha de cloro que purifica a água.
2. Áreas com pouca chuva: em locais com baixo índice pluviométrico, o retorno costuma demorar mais para acontecer.
3. Espaço e estética: para funcionar, o sistema precisa de um espaço físico e geralmente, acaba ocupando uma vaga na garagem do condomínio. Além disso, é preciso pensar em uma solução de arquitetura para não desvalorizar a área comum do edifício.