As razões da justa causa
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 25/09/2016
É Lei, Edição 228 Set/Out 2016, Edições
Gabriel Rosa
Lesar o patrimônio do condomínio, atrasos constantes, baixa produtividade, embriaguez, abandono de emprego e até mesmo desobediência a ordens específicas são motivos para um funcionário ser dispensado por justa causa. Regulamentado no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), este tipo de desligamento deve seguir um rito antes de ser concretizado.
“A demissão por justa causa necessita de muito cuidado para ser aplicada. É baseada em uma aplicação que decorra de falta grave que quebre a confiança no empregado. Esta é uma forma de rescisão de contrato de trabalho pelo empregador, onde o trabalhador perde sua indenização, tendo por direito apenas o saldo do salário referente aos dias trabalhados. Se o funcionário se recusar a assinar, bastam duas testemunhas idôneas assinarem a aplicação da justa causa”, esclarece a advogada Luciana Lopes.
Antes de tomar uma medida como esta, o empregador deve cercar-se de documentos e provas que fundamentem a decisão. Advertências e suspensões são exemplos de atitudes que podem ser tomadas para embasar uma demissão por justa causa e evitar futuros problemas na justiça.
Para a aplicação da penalidade, deve-se observar três elementos: gravidade, atualidade e causalidade entre a falta e a rescisão. A gravidade leva o empregador a analisar o ato infracional e optar pela penalidade equivalente, proporcional ao ato. Ou seja, uma falta leve requer punição leve; e uma falta grave exige punição grave. A atualidade se refere ao tempo da punição, isto é, a punição deve ser aplicada em seguida à falta. Não se pode infligir punição a uma falta que não tenha sido cometida atualmente. Já a causalidade estabelece a relação entre causa e efeito. A não aplicação imediata da penalidade implica em perdão tácito do empregador à infração cometida pelo empregado.
“A controvérsia nos casos de aplicação da justa causa, em qualquer das modalidades, é dirimida por meio de apresentação de prova robusta que justifique a dispensa motivada. Por se tratar de penalidade extremamente severa ao trabalhador, o condomínio/empregador deve se resguardar, cercando-se de todos os meios admitidos a fim de aplicar e sustentar a justa causa”, afirma a também advogada Keli Bernardes.
Pequenas falhas também levam à justa causa
Diversos atos pequenos podem levar à demissão por justa causa. Desde passar crachá por outros funcionários, a apresentar atestados adulterados e prestar conta com valores adulterados.
“O empregado, em sua maioria, acha que não está cometendo conduta reprovável e sim ‘coisinhas’ sem importância. Ele acha que está ileso. Lembrando ainda que também é considerado como ato de improbidade a venda de vale transporte e vale refeição, além de cometer crime. Para obter o direito ao vale transporte, o empregado assina uma declaração de quantas conduções precisa para se deslocar no trajeto casa/trabalho/casa. Se este não utiliza e o vende, este documento passa a ser falso”, explica Luciana Lopes.
Ao contrário do senso comum, não há uma escala definida de agravamento de punição para se chegar à dispensa (exemplo: 3 advertências + 2 suspensões = demissão por justa causa). Dependendo da gravidade da falha, um único ato do funcionário é capaz de levá-lo à rescisão por justa causa.
“Não existe regramento legal para a aplicação da advertência ou qualquer outra punição. O que deve ser analisado pelo empregador sob orientação de um profissional é a gravidade e a razoabilidade da punição a ser aplicada. Por exemplo, determinado funcionário falta uma vez de forma injustificada e deverá ser advertido. Faltou diversas vezes de forma injustificada, já foi advertido e suspenso, cabe justa causa. Tal como em todos os contratos, o pacto laboral até seu findar deve vigorar com bom senso e boa-fé, pairando assim, a proporcionalidade da aplicação da dispensa por justo motivo”, complementa Keli Bernardes.
Quando o histórico é levado em conta
Em algumas oportunidades, o histórico de serviços prestados pelo colaborador é levado em conta na hora de efetuar uma rescisão por justa causa. É o caso de Rita de Cássia César. Síndica desde junho do condomínio onde mora, no Flamengo, ela teve que lidar com uma situação cabível de demissão por justa causa por um de seus funcionários. No entanto, o histórico de bons serviços prestados foi levado em consideração e a advogada optou por realizar uma demissão convencional.
“Encontrei um porteiro completamente embriagado certo dia. Como ele é o nosso ‘soldadinho’ na portaria, ficamos sem segurança naquele momento. Optei por não dar justa causa porque ele sempre trabalhou bem e as pessoas sempre gostaram dele”, conta.
A embriaguez está entre os principais motivos que levam a este tipo de rescisão contratual. A própria CLT faz uma divisão neste tópico entre: habitual e em serviço. A embriaguez habitual não tem como requisito o local de trabalho. Se o empregado, mesmo fora do condomínio, se entrega à embriaguez com habitualidade, fica impossibilitado de cumprir as obrigações decorrentes do contrato de trabalho. Já a embriaguez em serviço, basta que o empregado compareça uma vez embriagado ao serviço para que se justifique a ruptura contratual.
Neste quesito, os condomínios devem tomar bastante cuidado. Quando se trata de embriaguez habitual, caracteriza-se o alcoolismo, que é tido como uma enfermidade pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Assim, antes de dispensar o empregado alcoólatra, o empregador deve encaminhá-lo à Previdência Social para que receba tratamento médico.
“O Tribunal Superior do Trabalho (TST) mantém entendimento no sentido de que o alcoolismo crônico, por se tratar de doença formalmente reconhecida pela OMS, não constitui causa ensejadora da ruptura contratual por justo motivo”, explica Keli Bernardes.
O que é necessário saldar na rescisão
A demissão por justa causa dispensa o empregador do pagamento de algumas obrigações trabalhistas como: 13º e férias proporcionais, aviso prévio e multa de 40% do FGTS. Porém, os condomínios devem efetuar honorários relativos a saldo de salários, férias vencidas (com acréscimos de ⅓ constitucional), salário-família (quando for o caso) e o depósito do FGTS do mês da rescisão. O funcionário demitido também perde direito de resgatar os depósitos no FGTS, além de não poder dar entrada no benefício do seguro-desemprego.
Sob nenhuma circunstância, advertências, suspensões ou demissões por justa causa devem ser anotadas nas Carteiras de Trabalho do empregado. “A incidência de anotação desabonadora incorre em multa administrativa e pagamento de indenização. Certo é, que uma vez vislumbrada ocorrência grave para aplicação da justa causa, esta deve ser aplicada imediatamente, sob pena de reversão da justa causa em ação judicial”, adverte Keli Bernardes.
Confira os casos previstos em lei para justa causa:
a) Ato de improbidade – São os atos praticados pelo empregado que violam as regras morais e jurídicas, que revelam a sua desonestidade, a má-fé, dentro ou fora do serviço, constituindo falta grave;
b) Incontinência de conduta ou mau procedimento – Caracteriza-se pelo uso frequente de expressões ofensivas, de baixo calão, atos obscenos, falta de pudor, ou seja, a conduta social reprovável, não importando se os atos foram cometidos fora ou dentro da empresa. São duas justas causas semelhantes, mas não são sinônimas. A incontinência revela-se pelos excessos ou imoderações, entendendo-se a inconveniência de hábitos e costumes, pela imoderação de linguagem ou de gestos. Ocorre quando o empregado comete ofensa ao pudor, pornografia ou obscenidade, desrespeito aos colegas de trabalho e à empresa. Já o mau procedimento caracteriza-se com o comportamento incorreto, irregular do empregado, através da prática de atos que firam a discrição pessoal, o respeito, que ofendam a dignidade, tornando impossível ou sobremaneira onerosa a manutenção do vínculo empregatício, e que não se enquadre na definição das demais justas causas;
c) Negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço – Ocorre quando o empregado, sem autorização expressa do empregador, por escrito ou verbalmente, exerce, de forma habitual, atividade concorrente, explorando o mesmo ramo de negócio, ou exerce outra atividade que, embora não concorrente, prejudique o exercício de sua função na empresa;
d) Condenação criminal – Caracteriza falta grave a condenação criminal do empregado transitada em julgado, entendendo a jurisprudência, que, a justa causa restará configurada quando o empregado for recolhido à prisão, o que impossibilitará a prestação de serviços;
e) Desídia no desempenho das respectivas funções – Consiste na repetição de pequenas faltas leves, que vão acumulando até culminar na dispensa do empregado. Isto não quer dizer que uma só falta não possa configurar desídia. Os elementos caracterizadores da desídia são o descumprimento pelo empregado da obrigação de maneira diligente refletindo na pouca produção, nos atrasos frequentes, nas faltas injustificadas ao serviço, na produção imperfeita, bem como outros fatos que prejudicam a empresa e demonstram o desinteresse do empregado pelas suas funções;
f) Embriaguez habitual ou em serviço – Como a própria alínea nos traz, a embriaguez deve ser habitual. Para a configuração da justa causa, é irrelevante o grau de embriaguez e tampouco a sua causa, sendo bastante que o indivíduo se apresente embriagado no serviço ou se embebede no decorrer dele. O álcool é a causa mais frequente da embriaguez. Nada obsta, porém, que esta seja provocada por substâncias de efeitos análogos (psicotrópicos). Contudo, a jurisprudência trabalhista vem considerando a embriaguez contínua como uma doença, e não como um fato ensejador da justa causa;
g) Violação de segredo da empresa – Caracteriza-se pelo conhecimento do empregado dos negócios da empresa, que não possa ser revelado, tornado público, causando prejuízos ao empregador, pela quebra de fidúcia do empregado, ensejando, assim, a rescisão por justa causa;
h) Ato de indisciplina ou de insubordinação – A indisciplina se caracteriza pelo não cumprimento por parte do empregado de normas da empresa direcionadas a todos os empregados. Já a insubordinação é o descumprimento do empregado a ordem específica do empregador, direcionada pessoalmente ao empregado;
i) Abandono de emprego – A falta injustificada ao serviço por mais de trinta dias faz presumir o abandono de emprego, conforme entendimento jurisprudencial. Existem, no entanto, circunstâncias que fazem caracterizar o abandono antes dos trinta dias. É o caso do empregado que demonstra intenção de não mais voltar ao serviço, onde temos por exemplo, o empregado que é surpreendido trabalhando em outra empresa durante o período em que deveria estar prestando serviços na primeira empresa;
j) Ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem – As ofensas físicas constituem falta grave quando têm relação com o vínculo empregatício, praticadas em serviço ou contra superiores hierárquicos, mesmo fora da empresa. As agressões contra terceiros, estranhos à relação empregatícia, por razões alheias à vida empresarial, constituirá justa causa quando se relacionarem ao fato de ocorrerem em serviço. A legítima defesa exclui a justa causa. Considera-se legítima defesa, quem, usando moderadamente os meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem;
k) Ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem – São considerados lesivos à honra e à boa fama gestos ou palavras que importem em expor outrem ao desprezo de terceiros ou por qualquer meio o magoar em sua dignidade pessoal. Na aplicação da justa causa devem ser observados os hábitos de linguagem no local de trabalho, origem territorial do empregado, ambiente onde a expressão é usada, a forma e o modo em que as palavras foram pronunciadas, grau de educação do empregado e outros elementos que se fizerem necessários.
l) Prática constante de jogos de azar – Jogos de azar são considerados aqueles que dependem mais da sorte que do raciocínio, como o jogo do bicho e outros. Caracteriza falta grave se o jogo for habitual e fora do local de serviço, pois, se for no serviço a caracterização da falta grave seria como mau procedimento. Para que o jogo de azar constitua justa causa, é imprescindível que o jogador tenha intuito de lucro, de ganhar um bem economicamente apreciável.
Parágrafo único: Atos Atentatórios à Segurança Nacional – A prática de atos atentatórios contra a segurança nacional, desde que apurados pelas autoridades administrativas, é motivo justificado para a rescisão contratual.