(*) Caroline Roque
O tema garagem sempre causou grande controvérsia nos condomínios, principalmente com a crescente aquisição de veículos pela sociedade, o que não é comportado pelo número de vagas projetadas pelas construtoras, principalmente em construções antigas.
Uma das soluções encontradas pelas pessoas tem sido a locação de vagas a terceiros e que, normalmente, gera divergência entre os condôminos. Enquanto alguns não vislumbram problema em dividir a área comum com pessoas alheias ao condomínio, outros já entendem que a coexistência com pessoas estranhas à vida comunheira representa risco para a sua segurança e dos bens do condomínio.
Diante de tal polêmica o legislador que tem a função de editar normas sobre temas relevantes para a sociedade elaborou a lei nº. 12.607, de 04.04.2012, que repercutiu no direito de dispor das vagas de garagem. A redação original do art. 1.331 § 1º do Código Civil dispunha que as partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobreloja ou abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se à propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários.
No entanto, a Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, alterou a redação do artigo que passou a dispor da seguinte forma:
Art. 1o O § 1o do art. 1.331 da – Código Civil passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1.331. ………………………………………………………
§ 1o As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se à propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na Convenção de condomínio.”
Percebe-se que o legislador alterou o texto do artigo, justamente para excetuar a vaga de garagem da possibilidade de locação ou alienação de forma livre e independente, passando a exigir a autorização expressa da convenção condominial.
Anteriormente à lei, para um condômino locar a sua vaga para terceira pessoa estranha ao condomínio, era necessário apenas que não houvesse proibição do condomínio. Após o advento da norma, a omissão não é mais elemento suficiente para autorizar a locação, passou a ser necessária a expressa autorização da convenção.
Os condomínios que pretenderem manter o direito dos condôminos de locarem as suas vagas deverão alterar as suas convenções para que conste expressa autorização nesse sentido. Lembrando que será necessário observar o quorum de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos na Assembleia que alterar a Convenção, conforme estabelecido no artigo 1.351 do Código Civil.
Após a entrada em vigor da lei que ocorreu em 20 de maio do ano corrente, a dúvida de muitos condomínios tem sido quanto aos contratos em vigor. Se a partir dessa data o condomínio teria o direito/dever de proibir a manutenção do contrato ou aguardar o seu término.
Entendemos que o condomínio cuja autorização para locação de vagas não esteja expressa na Convenção, deve respeitar os contratos em vigor, até o seu término. Sendo que o condômino que aluga a sua vaga não terá mais direito a firmar nenhum novo contrato, nem promover qualquer alteração no contrato em vigor, seja quanto ao tempo ou para substituir o locatário. Tal orientação se faz em razão do respeito ao ato jurídico perfeito que é observado no nosso ordenamento jurídico e na legislação, conforme o artigo 6º da Lei 4.657/1942 cuja transcrição fazemos abaixo:
“…Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.”
Outra questão que deve ser observada é a definição do que seria o “ terceiro estranho ao condomínio” previsto no § 1º do artigo 1.331 do Código Civil, antes de expor a nossa interpretação é importante analisar a intenção do legislador quanto elaborou a norma.
Segundo o parecer nº. 1.246, de autoria do Relator, Senador Pedro Simon, a venda ou aluguel de uma unidade de garagem à pessoa estranha ao condomínio seria motivo de vulnerabilidade para todo o grupo que assim poderá estar recebendo em seu meio uma pessoa inconveniente.
Assim, parece que o fator que motivou o legislador foi a segurança dos moradores do condomínio ao protegê-los de conviver com pessoas que poderiam representar inconveniência ou perigo, portanto, entendemos que restringir a possibilidade de aluguel de vagas somente para outros condôminos, ou seja, proprietários, extrapolaria a intenção do legislador. Isso porque há algumas pessoas que, apesar de não serem proprietárias, convivem no condomínio, como o locatário, comodatário e o usufrutuário, que participam do cotidiano condominial, utilizando as áreas comuns, não sendo estranhas ao condomínio. Por isso não haveria justificativa para impedir a locação de vagas para tais moradores, nem condicioná-la à autorização expressa da Convenção.
(*) Caroline Roque é advogada do escritório jurídico
Schneider Advogados Associados.