Aline Durães
Quatro anos. Esse foi o tempo que Patrícia Lolo demorou para obter uma rampa de acesso à entrada do condomínio para seu filho, Gabriel, hoje com 17 anos. “Meu filho é cadeirante, e a rampa do condomínio tinha uma inclinação de quase 45º. Era impossível o Gabriel usar sem ter a ajuda de alguém. Foi uma grande luta. Muita briga, mágoa e quatro anos depois, a obra foi concluída”, conta a vice-presidente da ONG Vidas, fundada em 2010, para inclusão de pessoas com deficiência.
Infelizmente, relatos como o de Patrícia continuam comuns. Embora o último Censo do IBGE, realizado em 2010, tenha apontado que quase um quarto da população brasileira (24%) possui algum tipo de deficiência (Confira mais dados no box, ao final da matéria), a acessibilidade ainda é um desafio para as cidades, espaços públicos, empresas e residências do país.
A legislação sobre o tema é extensa e considerada por muitos especialistas como excelente. No ano 2000, foram promulgadas as leis nº 10.098, conhecida como a Lei da Acessibilidade, e a nº 10.098, ambas regulamentadas pelo decreto nº 5.294, de dezembro de 2004. A partir daí, o Brasil passou a contar com um arcabouço normativo que busca garantir a acessibilidade de pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida. Essa legislação foi reforçada recentemente com o lançamento, em dezembro de 2015, do Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei Federal nº 13.146, que complementa e esclarece alguns itens do decreto de 2004.
Se, por um lado, a legislação veio para assegurar inclusão social e promover o direito de ir e vir das pessoas com deficiência, por outro, forçou empreendimentos, estabelecimentos e empresas a se debruçarem sobre o assunto e a adaptarem seus espaços. E os condomínios não ficaram de fora dessa. Cabe ao síndico fazer valer a lei e garantir condições de acessibilidade a condôminos e visitantes. “Nessa discussão, é importante distinguir boa vontade de acessibilidade. Durante minha batalha pela rampa, muitos vizinhos argumentavam que um funcionário poderia ajudar meu filho a subir a rampa. Mas isso não é acessibilidade, é boa vontade. Acessibilidade é dar autonomia, é garantir que o deficiente entre e saia do prédio sem a ajuda de ninguém”, destaca Patrícia Lolo.
Parte do mercado imobiliário já entendeu o recado e aposta em lançamentos que incorporam a acessibilidade como conceito. Com isso, buscam não só atender as exigências legais obrigatórias do tema como também fisgar uma parcela cada vez maior de compradores que enxergam no acesso facilitado às áreas condominiais um diferencial na hora de fechar negócio e adquirir um imóvel.
Mas não são apenas os condomínios recém-lançados que estão preocupados com a acessibilidade. Muitas unidades antigas estão correndo atrás do prejuízo e promovendo reformas para adaptação das áreas comuns ao uso de deficientes. Motivadores importantes dessa corrida são as penalidades que podem recair sobre o síndico caso o condomínio descumpra as normas. O Estatuto da Pessoa é enfático, nos seus artigos 56 a 58, quando determina que mesmo as edificações já existentes devem ter dependências e serviços acessíveis. Especialistas garantem que, dependendo do caso, o síndico transgressor pode ser acusado de ação discriminatória, com pena prevista de até três anos de reclusão, além de multa.
“Temos uma infinidade de edifícios públicos e privados onde é flagrante o desrespeito às leis e sem qualquer perspectiva de melhoria no curto prazo. Há edifícios com acessos somente através de escadas, sem rampas e/ou elevadores, com degraus e desníveis em localizações diversas, nas áreas condominiais, que são áreas de uso coletivo. Ainda falta uma conscientização para a importância da acessibilidade, pois com ambientes seguros e acessíveis, a população viverá melhor e evitando possíveis quedas e suas sequelas”, sublinha Liane Etcheverry, arquiteta da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA).
Adaptando o condomínio
Para adequar o condomínio, o primeiro passo é conhecer as determinações especificadas em lei sobre medidas e condições que cada área comum da unidade deve obedecer. A adaptação deve começar desde a área externa, com a desobstrução completa da calçada: nada de carros e vasos de planta que possam comprometer a passagem. As entradas e saídas do prédio precisam contar com largura mínima de 120 cm e inclinação transversal máxima de 2%. Sua superfície deve ser regular, firme, contínua, estável e antiderrapante sob quaisquer condições climáticas. Capachos são permitidos, desde que embutidos no piso, não ultrapassando 1,5 cm de altura.
O trânsito de pessoas com deficiência pela unidade também foi contemplado na legislação de acessibilidade: a lei estipula largura mínima de 90 cm nos corredores internos, o que facilita, em especial, o acesso de condôminos e visitantes com cadeira de rodas. A largura dos vãos das portas de áreas comuns deve ter, no mínimo, 80 cm entre os batentes e a porta tem de abrir 90°. Além disso, maçanetas, interruptores, campainhas, tomadas e acionadores de alarme precisam estar em uma altura confortável aos cadeirantes.
Escadas e elevadores também são áreas de adaptação importantes. A lei exige que as escadas meçam pelo menos 120 cm de largura, com rampa de acesso, corrimão em altura confortável e faixa de piso antiderrapante nos degraus. É imprescindível que haja corrimão nos dois lados de escadas e rampas. Já as cabines de elevador devem ter, além das dimensões mínimas de 110 x 140 cm, barras de apoio, piso antiderrapante, aviso sonoro dos andares e botões em altura acessível.
Nos banheiros, mais pontos de atenção. Na hora de adaptá-los, o síndico não pode esquecer de fixar barras de apoio, para auxiliar as pessoas com dificuldades de locomoção, e de dispor as louças em altura confortável. As medidas desse cômodo são mais amplas: no mínimo, 150 cm na parede da privada e 170 cm na parede lateral.
Por fim, as rampas de acesso. De todos os itens, elas são os que costumam gerar mais dúvidas. Um primeiro ponto importante é saber que qualquer desnível de plano superior a 1,5 cm é considerado degrau e, por isso, deve ser acessível por rampa. A largura mínima aceitável é de 1,2 m, mesma medida do comprimento obrigatório de seus patamares inicial e final. A inclinação é outro aspecto importante a ser observado: o grau máximo aceitável é de 2% para inclinação transversal e 5% para longitudinal. Fora isso, o gestor deve providenciar uma guia de balizamento com altura mínima de 5 cm e piso tátil, antes do início e após o término de cada segmento de rampa, para deficientes visuais. “Em nosso condomínio, construímos duas rampas de acesso lateral às entradas do prédio. Ficou melhor não só para idosos e cadeirantes, como também para pessoas com carrinho de bebê”, conta a síndica Andreia Braga, do Le Corbusier, com 62 unidades, no Leblon.
Planejando a adaptação
Se você leu a matéria até aqui e seu condomínio ainda não dispõe de espaços acessíveis, já entendeu a urgência e importância de adaptar as áreas comuns de sua unidade. Mas uma pergunta que deve estar rondando a sua cabeça nesse momento é: quanto vai custar isso tudo? Em tempos de crise, fica ainda mais difícil poupar recursos para investimentos em obras. Da mesma forma, é mais complicado aumentar taxas condominiais, fazer fundo de reserva e convencer os condôminos a apoiar grandes reformas.
De fato, adequar um condomínio para a acessibilidade de pessoas com deficiência não é barato. Mas também é fato que a acessibilidade não é mais uma decisão do condomínio e sim uma exigência legal. Há normas legais que obrigam o condomínio a se adaptar sob risco de sofrer penalidades severas caso não o faça.
Por isso, um primeiro passo importante é reunir os condôminos, em assembleia, e dividir com eles a necessidade de promover a inclusão de deficientes e pessoas com mobilidade reduzida na unidade. Durante a conversa, é importante destacar o papel social que a acessibilidade carrega e o quanto de valor ela agrega aos imóveis do condomínio. Se possível, leve também alguns orçamentos e análises técnicas que atestem a viabilidade das obras para a reunião já possa terminar com algum encaminhamento prático. “Foi uma luta grande para instalarmos as rampas. Muitos condôminos consideravam as obras desnecessárias por acharem que o que tinha era suficiente. Mas a inclusão de pessoas com deficiência é imprescindível e adaptar os espaços para recebê-las é nosso dever”, opina a síndica Andreia.
Uma boa saída é sugerir aos condôminos a criação de um fundo de obra especialmente dedicado às adaptações. Para evitar erros de projeto e retrabalhos e, dessa forma, não desperdiçar os recursos do fundo, a dica é contratar sempre profissionais qualificados para conduzir as reformas. “Esse é um ponto crucial. Um profissional habilitado nesta área de acessibilidade arquitetônica poderá resolver da melhor forma possível o atendimento às exigências da legislação pertinente e vigente”, finaliza a arquiteta Liane Etcheverry.