Nova polêmica do CFA: vínculo obrigatório de síndico profissional
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 25/11/2024
Atualidade
Resolução Normativa nº 64 do Conselho Federal de Administração determina o vínculo obrigatório de síndico profissional e empresas de sindicatura. Setor se manifesta contrariamente à medida
O Conselho Federal de Administração (CFA) se envolve em nova polêmica com síndicos profissionais. Desta vez, por meio da Resolução Normativa nº 654, publicada no Diário Oficial da União no dia 18 de novembro de 2024, que vem gerando manifestações contrárias e protestos do segmento condominial, como entidades de classe e advogados renomados do setor.
Classificada como controversa pelas fontes consultadas pelo SíndicoNet, a medida, em suma, determina o vínculo obrigatório de síndico profissional e empresas de sindicatura ao Conselho Regional de Administração (CRA).
Com isso, síndicos e empresas estariam sujeitos à se arrolar como associados ao CRA local, passando a ter registro equivalente a habilitação profissional, como condição para o exercício de suas funções.
Além disso, síndicos profissionais e empresas de sindicatura também passariam a ter outras obrigações:
- seguir os direitos e deveres dispostos na Lei nº 4.769/65;
- atender o Código de Ética dos Profissionais de Administração e o Manual de Responsabilidade Técnica do Profissional de Administração;
- pagamento de anuidade ao CRA;
- sujeitos a punição para as pessoas físicas ou jurídica que atuarem ilegalmente sem o registro.
A resolução normativa deixa claro que a medida não se aplica a síndicos orgânicos/moradores.
Síndico profissional é profissão regulamentada?
Não. Síndico profissional não é profissão regulamentada, apesar do nome com o qual a ocupação é conhecida popularmente no mercado.
Anos atrás, tramitou no Congresso o projeto de lei PL 348/2018, de autoria do Senador Hélio José (PROS/DF), que tratou da regulamentação da profissão de síndico e, na época, deu o que falar no mercado. Por fim, o PL foi arquivado.
“O Poder Legislativo já se manifestou no passado por ocasição do PL 348/2018. O próprio Senado emitiu um parecer jurídico-técnico, refutando a necessidade de regulamentação para síndico”, lembra o advogado especializado em condomínios Rodrigo Karpat.
Ele ressalta que a sindicatura profissional pode ser exercida livremente, apesar de não ser regulamentada, assim como tantas outras centenas de atividades que também não são regulamentadas.
“O livre exercício da atividade profissional está previsto da Constituição Federal, desde que lícita, e é o caso da sindicatura profissional”, adiciona o advogado.
Síndico é função multidisciplinar
O diretor jurídico da AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de SP), Paulo Bom, destaca que síndico é função, não é profissão.
“Síndico é eleito para exercer mandato nos termos do art. 1347 do Código Civil. Pode ser exercida por qualquer um que seja maior, capaz. Pode ser administrador, arquiteto, advogado etc. Portanto, não é razoável que um profissional já filiado a um conselho tenha que se filiar a outro conselho porque o CFA determinou.”
O artigo 1.348 do CC lista todos os deveres do síndico: desde a convocação de assembleia, cumprir e fazer cumprir as regras internas, elaborar orçamento, cuidar da manutenção etc. Vai muito além do rol das atividades administrativas.
“Isso impõe uma diversidade de competências e obrigações ao síndico, cujo perfil pode e deve ser multidisciplinar, pois existem atribuições que, inclusive, são afetas a outras áreas, como, por exemplo, Direito, Engenharia, Finanças, etc.”, comenta o advogado André Junqueira.
Para ele, a resolução normativa do CFA cria uma verdadeira limitação para a atividade dos síndicos, e que terá como consequência direta o impacto qualitativo e quantitativo para os condomínios e a coletividade condominial.
“É inegável que a atividade de sindicatura se beneficia, em muito, com a participação de profissionais de outras áreas, não existindo dentre as competências do síndico, atividades exclusivas que sejam capazes de vincular a uma determinada profissão“, defende Junqueira.
Quais atividades cabem ao administrador, segundo a lei?
Estão entre as atividades e funções relacionadas à administração que constam na Lei 4769/65 e no Decreto 61.934/67: emitir pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessor em geral, pesquisas, estudos, análise, interpretação, planejamento, implantação, coordenação, controle de trabalho dos campos de administração, como administração, seleção de pessoal, organização e métodos, métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, administração mercadológica, de produção, relações industriais, dentre outros.
“Essas atividades são inerentes e privativas dos bachareis em administração pública, ou empresas diplomadas no Brasil em cursos regulares de ensino superiores, desde que essa seja a atividade-fim da empresa”, explica Karpat.
Porém, o exercício da sindicatura profissional e da administração de condomínios é multidisciplinar, reitera o advogado. “Não está ligado a qualquer atividade-fim, inerente, exclusivamente à administração. Dessa forma, não cabe a fiscalização através do CRA, tampouco através de normas emanadas por essa entidade ou qualquer outro conselho.”
CFA tem competência para regulamentar profissão?
É importante esclarecer a quem compete regulamentar profissões no Brasil.
“Regulamentar profissão cabe ao Poder Legislativo. E o CFA é um órgão delegado, que não tem poder de regulamentar qualquer tipo de atividade profissional“, esclarece Rodrigo Karpat.
Paulo Bom, da AABIC, complementa: conselho federal é feito para fiscalizar profissões criadas pelo Poder Legislativo (Congresso Nacional), e defender a classe.
“O que o CFA está querendo fazer é pegar atividades que existem, criar profissões e submetê-las à sua fiscalização. Já tentaram isso com administradoras de condomínio e a AABIC moveu ação e pararam. Agora viram a possibilidade de fazer o mesmo movimento com síndicos profissionais, que vêm crescendo bastante. Este não é o caminho ideal: não faz bem nem para sociedade e nem para imagem do próprio conselho“, adverte Paulo Bom.
Na visão de Junqueira, a imposição de registro obrigatório viola frontalmente o princípio da legalidade, pois não existe previsão legal que atribua ao CFA o poder de regulamentar ou condicionar o exercício da atividade de síndico profissional.
CRA pode fiscalizar síndicos profissionais e empresas de sindicatura?
Em 11 de maio de 2023, a Comissão de Direito Condominial do Conselho Federal da OAB emitiu parecer que refutava uma resolução do CRA que tentava atribuir a si a responsabilidade para a fiscalização da atividade de administração de condomínios.
O SíndicoNet publicou matéria sobre o referido parecer, que pode ser conferido neste link.
De acordo com o parecer, tanto a atividade de administração de condomínios quanto a de sindicatura profissional não são atividades-fins inerentes à atividade de administração.
“Só nesse fato se justificaria a regulamentação pelo CRA, que tem como atribuição fiscalizar pessoa física jurídica e pessoa jurídica empregadora, desde que a atividade exercida esteja abrangida dentro do que a legislação traz como obrigatório”, esclarece Rodrigo Karpat.
A nota emitida pelo escritório Coelho, Junqueira e Roque Advogados, do qual André Junqueira é sócio, afirma também que sua posição está alinhada com o entendimento da Comissão de Direito Condominial do Conselho Federal da OAB.
“Devemos reforçar que o síndico profissional atua como um mandatário eleito pela coletividade condominial, com atribuições definidas pela legislação condominial, convenção do condomínio e pela assembleia. Essa configuração exclui o síndico do escopo de profissões regulamentadas pelo CFA, uma vez que não se trata de atividade-fim vinculada exclusivamente à Administração.”
Portanto, de acordo com os argumentos do parecer da Comissão de Direito Condominial do Conselho Federal da OAB e dos advogados entrevistados a resposta é que não cabe ao CRA fiscalizar síndicos profissionais e nem empresas de sindicatura profissional.
Síndica profissional autuada pelo CRA vence ação contra órgão
A síndica profissional Rose Brandão foi autuada pelo CRA em 15/08/2023. “Recebi um e-mail do CRA praticamente me intimando a me filiar ao conselho. Questionei o fato de que síndico profissional não é profissão regulamentada, perguntei o que eu teria em contrapartida. Não me responderam e me deram um prazo”, relata.
Rose, então, entrou com uma defesa administrativa, sem advogado, assim como outros colegas também autuados procederam na mesma época.
“A resposta que tive do CRA é que aquela defesa não era válida e me multaram em mais de R$ 5 mil. Eu não aceitei, e em novembro, entrei com ação jurídica com advogado, a ação foi distribuída em 20/12/23 e saiu a sentença definitiva em 23/01/24 ao meu favor, com devolução das despesas que tive com o advogado”, comemora Rose.
Ela deixa um alerta aos colegas que passarem pela mesma situação:
“Se você for notificado, resolva logo. O débito vai para a dívida ativa e chegará uma hora em que você não conseguirá emitir certidão negativa para concorrer em assembleias de eleição.”
CRAs devem intensificar fiscalizações. O que o síndico deve fazer?
André Junqueira alerta que os Conselhos Regionais de Administração devem intensificar a fiscalização e aplicar penalidades, conforme informado na própria resolução.
“As sanções poderão ser combatidas, inicialmente, por meio de recurso administrativo perante o CRA ou CFA, mas, tendo em vista o conteúdo do regulamento, não acreditamos que as tentativas serão exitosas, gerando a necessidade de se buscar o Poder Judiciário para garantir a proteção do direito violado em decorrência da prática ilegal”, orienta.
Foi o caminho percorrido por Rose Brandão: sem êxito no recurso administrativo, mas com sentença favorável na ação judicial.
Rodrigo Kapart concorda com o colega: “O síndico que for autuado e se sentir prejudicado, deve consultar o seu advogado, podendo ingressar com um mandado de segurança para preservar os seus direitos.”
Condomínios: cautela na contratação de prestadores de serviço
Na matéria do SíndicoNet de julho de 2023 OAB e CFA: Impasse sobre Administração de Condomínios, foram levantados pontos relevantes que dizem respeito a qualidade de serviços prestados, ética, canal de denúncia para casos de corrupção, fraude entre outros.
Mesmo não havendo órgão fiscalizador para síndicos e empresas de sindicatura profissional, é importante aos condomínios agir com cautela e de forma preventiva, seguindo boas-práticas aplicáveis na contratação de qualquer outro prestador:
- Buscar indicações e recomendações de outros clientes;
- Cautela ao analisar o histórico do profissional e da empresa;
- Checar se há ações contra e qual o teor;
- Passagem criminal;
- Certidões negativas (CNDs);
- Pesquisa do CNPJ, nome e documentação dos sócios;
- Tempo de mercado;
- Checar se possui uma boa apólice de seguro de responsabilidade civil;
- Fazer concorrência com pelo menos 3 empresas.
Além disso, é importantíssimo que o condomínio possua um conselho fiscal ativo, que acompanhe e cumpra a principal atribuição, de acordo com o art. 1.356 do Código Civil: dar parecer sobre as contas do síndico.
- Leia mais sobre funções do conselho fiscal
E para ter ainda mais respaldo, o condomínio pode contratar serviço de auditoria fiscal externa e independente para conferir a prestação de contas e fazer apontamentos.
Fonte: Sindiconet