O entregador de delivery é obrigado a entrar no condomínio ou pode deixar o pedido na portaria?
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 20/05/2024
Atualidade
Nos últimos anos, tem aumentado o número de ocorrências policiais causadas por moradores inconformados com entregadores de delivery que se recusaram a entrar nos condomínios para levar os pedidos até as portas dos seus apartamentos ou casas. Em março, essa tensão culminou em um incidente grave no Rio de Janeiro, quando um entregador foi baleado por um policial militar durante uma discussão sobre esse mesmo tema.
Um projeto de lei em análise na Câmara dos Deputados busca prevenir situações semelhantes no futuro. De autoria do deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ), o PL 583/2024, se aprovado, vai assegurar que os entregadores de aplicativo não são obrigados a subir até a porta das unidades habitacionais ou comerciais dos consumidores e dá outras providências.
A advogada Karolyne Utomi avalia que o texto é uma medida inicialmente assertiva, pois protege direitos fundamentais frente a uma prática comumente adotada por conveniência.
“É essencial entender que, em sociedade, ajustes e uma perspectiva equilibrada são necessários para que um direito não se sobreponha a outro, especialmente quando se trata de direitos constitucionais como o direito à privacidade, à proteção de dados pessoais e à segurança. Portanto, embora seja mais conveniente permitir que o entregador entre nas áreas comuns do condomínio, essa facilidade pode comprometer a segurança de todos os moradores. Sacrificar a segurança de muitos pela conveniência de um só não é razoável, além de contrariar os direitos mencionados”, comenta.
Ela acrescenta que na convivência social, nem sempre o mais prático é o mais apropriado, dado que é preciso considerar diversas perspectivas.
“É importante ressaltar que o projeto de lei permite a flexibilização desta regra em casos especiais, como para idosos. É prudente também considerar outras situações específicas, como pais ou mães solos e pessoas com deficiência. A regra pode ser específica, com flexibilizações para atender necessidades particulares, facilitando o atendimento dessas demandas sem prejudicar a maioria que pode se deslocar até a portaria, evitando danos maiores”.
A advogada salienta que, atualmente, a falta de uma legislação específica causa incertezas e problemas em relação às entregas. Os condomínios podem criar suas próprias regras, que são decididas em votações pelos moradores e geralmente já consideram essas situações. Por outro lado, as empresas de entrega se comprometem com os clientes a levar os pedidos até suas residências ou pontos de contato especificados. Em alguns casos, essas empresas definem uma distância máxima que o cliente precisa caminhar para receber seu pedido, o que pode entrar em conflito com as regras do condomínio. Isso pode levar a problemas e mal-entendidos durante a entrega, especialmente se algum morador não seguir as regras.
“É muito importante que os síndicos ou administradores de condomínios discutam esse assunto, estabelecendo punições para quem não seguir as regras e garantindo que todos aceitem os limites, independentemente dos acordos feitos pela empresa de entrega”.
Estados e municípios já possuem legislações sobre o tema
Alguns estados e municípios já implementaram legislações específicas sobre entregas em condomínios. Por exemplo, em Fortaleza, capital do Ceará, a Lei 11.381 está em vigor desde julho de 2023. Ela proíbe os consumidores de exigirem que entregadores de aplicativo entrem nos condomínios para entregar encomendas.
Em dezembro de 2023, uma lei similar foi adotada no estado da Paraíba. A Lei 12.939 determina que as encomendas não podem ser entregues além da portaria dos condomínios, seguindo o mesmo princípio da lei cearense.
Na capital do Amazonas, a lei 555, aprovada em 27 de dezembro de 2023, regula o serviço de entrega domiciliar de pedidos via aplicativos ou telefone. Esta lei estabelece que as entregas devem ocorrer na portaria dos condomínios de edifícios. No entanto, faz uma exceção para pessoas com mobilidade reduzida ou necessidades especiais, que podem solicitar que a entrega seja feita nas áreas internas do condomínio, sem custo adicional, desde que respeitadas as regras internas de segurança do prédio.
Ifood desenvolve parcerias para reverter onda de violência
O Ifood, popular empresa brasileira especializada em delivery online, estabelece que os entregadores não precisam subir até a unidade dos clientes. “Constantemente, comunicamos em nossos canais e dentro do app do iFood a não obrigatoriedade do entregador de subir até os apartamentos para realizar a entrega dos pedidos. Fazemos essas comunicações tanto para os entregadores quanto para os nossos clientes”, explica Giselle Saldanha Dantas, gerente de Impacto Social do iFood.
Ela destaca que, com o intuito de reverter a onda de conflitos entre clientes e entregadores no Rio de Janeiro, o iFood vem realizando, desde julho de 2023, uma série de iniciativas em parceria com a Secovi Rio e com administradoras de condomínios. Além de ampliar a divulgação das recomendações da plataforma sobre a importância de o cliente descer para pegar o pedido – sendo esse o principal motivo gerador de conflitos na cidade -, as ações educativas têm o objetivo de sensibilizar porteiros e também convidar síndicos a repensar as normas e as regras dos condomínios. Desde o início do projeto, mais de mil síndicos, porteiros e administradores de condomínios já foram impactados com iniciativas como workshops para aprimorar o processo de entrega em condomínios e abordagens que minimizem o risco de conflitos.
“No Rio, alguns clientes têm a expectativa de receber o pedido na porta e a maioria dos condomínios permite que os entregadores subam. Isso decorre de uma norma social que precisa ser repensada. Nosso objetivo é criar uma conscientização em torno desse tema e sensibilizar os síndicos para que seja levado em assembleias e que os condomínios possam criar suas próprias regras sobre não subir. Além de ser a recomendação da plataforma, é mais seguro para todo mundo. A prática também demonstra respeito ao entregador, que não precisa deixar seu veículo exposto do lado de fora e ao finalizar aquela entrega, já está livre para outra”, comenta Giselle.
A gerente ressalta ainda que a empresa lançou em janeiro deste ano a primeira Central de Apoio Jurídico e Psicológico presencial no Rio de Janeiro. Ela funciona no edifício sede das Black Sisters in Law (BSL) — coletivo de advogadas negras que fornece assistência para profissionais entregadores vítimas de qualquer tipo de discriminação, agressão física, ameaça, assédio, abuso e/ou violência sexual — na Penha, Zona Norte do município. O atendimento online aos entregadores já é oferecido desde junho de 2023 para todos os entregadores do Brasil.
Por: Gabriel Menezes