Os condomínios e o passaporte de vacinação: entenda o que está valendo
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 10/03/2022
Atualidade
O passaporte de vacinação se tornou uma realidade em tempos de Covid-19 para quem frequenta eventos, restaurantes e outros lugares públicos. No Espírito Santo, no entanto, uma portaria do governo publicada no fim de janeiro passou a determinar que a medida também seja adotada em eventos dentro de condomínios, como aniversários ou casamentos. O estado foi o primeiro do país a definir essa obrigatoriedade, que levantou dúvidas e debates entre a população.
A Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi) discorda da medida. “Mesmo entendendo o momento ainda cauteloso, somos de opinião que melhor seria que cada condomínio estabelecesse restrições e liberações conforme as características dos empreendimentos. Um condomínio edilício é um ente de natureza privada, com a convergência da propriedade individual com a comum, razão pela qual defendemos a menor intervenção do estado nas decisões que cabem aos condôminos”, afirma Marcelo Borges, diretor de Condomínio e Locações da ABADI.
Ele destaca que esse tipo de exigência transfere para a administração uma grande responsabilidade, podendo gerar custos para o condomínio. “Por isso, defendemos a menor intervenção legislativa para casos dessa natureza, pois os reflexos são importantes para o cotidiano condominial. Em alguns empreendimentos, em razão da complexidade das áreas comuns, tal controle será muito difícil. Julgamos relevante que cada condomínio discuta os procedimentos em reuniões de assembleias.
É difícil para os condomínios ter um efetivo capacitado para controlar a entrada de convidados para eventos de moradores. Observamos que até em ambientes públicos há falhas, mesmo com todo o aparato à disposição. Dotar o condomínio de uma responsabilidade dessa importância e outorgar aos síndicos um dever legal de difícil cumprimento pode gerar conflitos internos. Cremos que cada morador deverá ser responsável pelos seus convidados em eventos privados”, comenta o diretor, ressaltando, ainda, a possibilidade de batalhas judiciais: “Como há uma intervenção do parlamento num ambiente privado, poderá ser discutida a constitucionalidade da medida no Judiciário”.
Já em São Paulo, não há nenhuma legislação neste sentido e, de acordo com o Sindicato da Habitação (Secovi-SP), a prática não tem sido vista nos condomínios. “É uma questão que tem que ser muito bem avaliada. Até faz sentido criar algo neste sentido para frequentar locais como academias, por exemplo. No entanto, de forma alguma alguém pode ter o seu direito de propriedade ferido. O que temos reforçado desde o início da pandemia é sobre os cuidados de prevenção à doença e o acompanhamento do cenário, para saber se há a necessidade de recuo das atividades ou não. O Secovi preparou um guia para a reabertura das áreas comuns dos condomínios, onde há dicas e orientações e até material para que os síndicos colem nas paredes e distribuam para os moradores”, diz Moira de Toledo, vice-presidente de administração imobiliária e condomínios do Secovi-SP.
No Rio de Janeiro, a prefeitura deixou a cargo do síndico a decisão de cobrar ou não o passaporte de vacinação para o acesso às áreas comuns do condomínio. E ele pode determinar punição para quem não cumprir as normas.
O caso do Espírito Santo
A portaria publicada pelo Governo do Espírito Santo determina que eventos sociais como casamento, aniversário e outros tipos de confraternização realizadas em cerimoniais, clubes, condomínio e equivalentes devem respeitar o limite de, no máximo, 50% da capacidade de ocupação. Os locais fechados (sem livre circulação de ar) devem respeitar adicionalmente o limite de, no máximo, 1200 pessoas, devendo-se em todos os casos exigir e garantir o acesso e permanência apenas de pessoas com o esquema vacinal atualizado contra a COVID-19. Não está definido, entretanto, quais punições os moradores podem sofrer caso não cumpram a norma.
O Sindicato Patronal de Condomínios e Empresas de Administração de Condomínios no Espírito Santo se manifestou sobre a decisão alegando que não há como ela ser cumprida pela administração. A entidade criou um comunicado padrão para os síndicos disponibilizarem aos moradores. Nele, está escrito que os condomínios não têm condições de cumprir esta portaria, pois muitos não possuem porteiros, mas portarias eletrônicas ou virtuais. Além disso, não compete ao porteiro deixar suas obrigações de zelar pelo controle de entrada e saída de pessoas para verificar se o convidado da unidade X detém o passaporte vacinal, muito menos, a obrigação legal de barrar visitantes, caso esses não possuam o devido documento citado.
O documento informa ainda: “Entende a administração condominial que o cumprimento desta portaria é de competência do condômino, que ao utilizar as áreas de lazer para festas e comemorações deve atentar-se para as regras sanitárias vigentes, especialmente, uso de máscaras, álcool gel e distanciamento, cabendo ao condomínio informar a existência destas normas e que o espaço comum terá a capacidade permitida dentro do atendimento das referidas regras”.
Polêmica que foi parar nos tribunais
O passaporte de vacinação não só nos condomínios é uma discussão que já está nos tribunais. O advogado e professor universitário Haroldo Baraúna comenta que até mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF) já analisa a questão: “O que se debate é a saúde pública de um lado e o direito de ir e vir de forma livre do outro. Neste caso, tanto o condomínio como os moradores podem ingressar com ações judiciais para tentar barrar a obrigatoriedade do passaporte vacinal. E exatamente por se tratar de tema polêmico, é difícil ter uma previsão sobre quais serão as decisões”, destaca.
Ele acrescenta que o STF já analisou, por exemplo, o passaporte vacinal para os estrangeiros que ingressam no Brasil e a exigência do passaporte para ingresso em prédios das universidades públicas federais. “Em ambas as questões, as decisões monocráticas, ou seja, de um ministro e não do tribunal pleno, foram no sentido de que é correta a exigência do passaporte vacinal. Essas questões têm sido relatadas pelos ministros Ricardo Lewandoviski e Luis Roberto Barroso. O que se especula é que há uma tendência quanto aos demais ministros do Supremo no sentido de se considerar constitucional a exigência do passaporte vacinal. E o mote é sempre a prevalência da saúde pública em detrimento da liberdade individual”, afirma.
O especialista ressalta que as penalidades para o descumprimento das normas que exigem posturas de entes públicos ou privados, como, por exemplo, a exigência do uso de máscaras desde o início da pandemia, são normalmente previstas nas normas municipais ou estaduais. “As normas variam em cada localidade, mas no geral as previsões de penalidade envolvem multas em valores significativos, que são majoradas em caso de reincidência. Mas, como exposto, é preciso analisar cada norma, já que o ente local tem certa liberdade para definir as punições pelo descumprimento”, explica.
O advogado Antônio Carlos Morad acrescenta que a exigência do comprovante é uma tendência vista em todo o mundo. “Não somente para viagens, mas para toda e qualquer aglomeração. As Unidades Federativas vêm adotando tais medidas acertadamente e seguindo tendência internacional. Muito bom será o brasileiro começar a se acostumar com isso, advirto a todos que o judiciário não fará afagos naqueles que não aceitarem apresentar o comprovante de vacinação completo. Muito pelo contrário, quem deu início a essa obrigatoriedade foi o próprio sistema judiciário, para aqueles que quiserem frequentar os fóruns e suas repartições”, explica.
Na opinião dele, o síndico pode sim ser responsabilizado nos casos em que a obrigatoriedade está vigente e não sendo cumprida. “O síndico detém toda a responsabilidade sobre danos causados por faltas às regras e ao bem estar dos moradores, podendo ele, o síndico, experimentar prejuízos financeiros e até criminais. Os moradores também poderão passar por processos judiciais por responsabilidade em casos específicos, quando estiverem envolvidos visitantes menores de idade, idosos ou deficientes que corram riscos de saúde”, destaca.
Dicas sobre a realização de eventos em condomínios
Independentemente da obrigatoriedade de passaporte de vacinação, existem cuidados básicos que o síndico precisa ter com relação à realização de eventos em condomínios. Confira algumas dicas do guia criado pelo Secovi-SP:
– Como, em geral, os condomínios não dispõem de pessoal para a fiscalização da utilização dos espaços, uma boa prática é orientar os moradores a exercerem a autofiscalização, no sentido de cumprir as regras estabelecidas;
– Estabelecer que a responsabilidade pela higienização é de cada morador e deve ser realizada antes e depois do uso dos móveis, equipamentos, brinquedos e quaisquer outros objetos e utensílios de uso comum;
– O condomínio e o síndico devem deixar claro de que não se responsabilizam por eventuais contaminações pelo coronavírus. Cabendo aos mesmos apenas a orientação dos moradores com relação às regras de uso para minimizar esse risco;
– Em função da quantidade de pessoas utilizando a área e da necessidade de manutenção do distanciamento social, o corpo diretivo poderá estabelecer critérios para o uso, como, por exemplo, rodízio entre moradores e agendamento;
– A conversa e os combinados são sempre a melhor solução em caso de descumprimento das regras. Contudo, esclarece que eventuais excessos poderão se sujeitar à aplicação de penalidades.
Por: Gabriel Menezes