Três a cada quatro brasileiros estão endividados. A constatação é da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic). O estudo, conduzido pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e divulgado em setembro do ano passado, mostrou que 74% da população enfrenta problemas em suas finanças.
Esse resultado reflete muito além das dificuldades que a economia brasileira está enfrentando. Na realidade, dizem os especialistas, os altos índices de inadimplência e descontrole financeiro são traços comportamentais do brasileiro e espelham consequências mais profundas de um problema estrutural do país: a falta de educação financeira.
“Há, em primeiro lugar, uma questão cultural e histórica da América Latina, resultado de uma colonização com exploração, marcada por anos de inflação alta e pela falta de valorização do trabalho como principal fonte de renda das pessoas. Em segundo lugar, falta educação para entender o que é dinheiro — como se ganha, gasta e guarda para ter uma vida financeira mais saudável”, esclarece Fernando Aarão Melo, CEO da Mente Financeira, empresa com foco em consultoria, treinamento e produção editorial de finanças, com mais de dez anos de mercado.
Em uma pesquisa do Programa Internacional de Avaliação de Alunos, o Pisa, em 2018, o Brasil ficou no quarto pior lugar no ranking de competência financeira de jovens. Já na S&P Global Financial Literacy Survey, considerada a mais abrangente pesquisa global sobre educação financeira, o país amargou a 67ª posição entre as 143 nações analisadas.
“Lidar com dinheiro é essencialmente comportamental. Precisamos treinar o nosso comportamento para desenvolver habilidades de planejamento. Somos, em essência, seres emocionais. Toda decisão de compra é emocional. Então, preciso entender isso, me autoconhecer e melhorar o meu processo de tomada de decisão, já que educação financeira tem tudo a ver com fazer escolhas melhores”, sinaliza Fernanda Prado, especialista em Planejamento de Vida e Financeiro e sócia na FIDUC Gestão de Investimentos.
Para quem não tem o hábito de planejar, o início do ano é especialmente desafiador. Já no primeiro trimestre, o contribuinte se depara com uma lista de pagamentos e impostos inevitáveis. IPTU, IPVA, DPVAT e matrícula escolar, sem contar os resquícios das despesas de Natal e Ano Novo, que, muitas vezes, se fazem presentes mesmo meses após as festas. Despesas que, apesar de vultosas, são totalmente previsíveis. “Costumo recomendar uma provisão mensal para esses gastos de começo de ano. É bem simples: basta somar o total dessas despesas, dividir por 12 meses e guardar o valor mensalmente”, sugere Fernanda Prado.
Caso não seja possível poupar nos meses anteriores, a saída pode ser o cartão de crédito. Apesar de ser vilão para alguns especialistas, o cartão de crédito é um grande aliado nas finanças. Mas, para isso, precisa ser usado com racionalidade. “Parcele os gastos, tentando manter o mesmo preço à vista, e inclua o pagamento das parcelas dentro do seu orçamento mensal. As parcelas do cartão, se programadas no orçamento, são pagas pontualmente e não provocam dívidas. Deve haver, entretanto, a disciplina para não usar o cartão além daquilo que se pode pagar no mês, considerando o valor já comprometido com o parcelamento desses gastos acumulados do início do ano”, afirma Fernando, da Mente Financeira.
Planejamento Financeiro: como fazer?
Um bom planejamento pode ajudar a lidar não só com as despesas de começo de ano, como com todas as outras, melhorando a saúde financeira e, consequentemente, a qualidade de vida dos poupadores. Na prática, planejar as finanças significa nada além de organizar as contas pessoais, monitorando constantemente receitas e despesas.
O controle mais rígido do que entra e sai de dinheiro permite cortar gastos desnecessários, reduzindo chances de endividamento e aumentando as possibilidades de criar reserva financeira para atingimento de metas pessoais. “Você olha, no começo de cada mês, qual o seu cenário financeiro, isto é, quanto dinheiro vai entrar, o quanto já está comprometido com obrigações a pagar e quanto vai sobrar — e se vai sobrar. A partir daí, você tem condições de fazer ajustes e decidir, por exemplo, não gastar além do que pode e fazer sobrar mais dinheiro”, ressalta Fernando Aarão.
O primeiro passo para um planejamento de sucesso é o mapeamento do status da situação financeira atual. É preciso entender a forma como você lida com o dinheiro e, a partir disso, estruturar e ajustar o orçamento pessoal. “Esse ‘raio X’ das despesas atuais vai me permitir identificar se existem ‘desperdícios’ de dinheiro. Além disso, eu consigo entender o quanto, de fato, eu gasto com necessidade (como moradia e alimentação, por exemplo) e o que eu gasto com desejos, como delivery de comida, restaurantes, roupas, gastos mais fáceis de serem eliminados do orçamento”, pontua Fernanda Prado.
Para planejar com eficiência, é recomendado anotar todas as receitas e despesas em uma planilha. A ordem é gastar menos do que se ganha. Mas, se a renda for baixa, nem sempre é possível cortar despesas e gerar poupança positiva. Nesse caso, a dica dos especialistas é tentar aumentar as receitas, diversificando as fontes de renda.
“Existe uma gama de oportunidades de renda extra, que podem ser somadas à renda principal, que geralmente é um salário fixo mensal. Ter um trabalho extra nos fins de semana, fazer venda de produtos para amigos, trabalhar como freelancer na internet, alugar coisas, parte do imóvel ou objetos não utilizados, desfazer-se de coisas inúteis. São muitas possibilidades, mas requer esforço e tempo. Você precisa saber quanto dinheiro a mais precisa fazer, em quanto precisa ampliar sua renda e como buscar esse aumento”, destaca Fernando.
“Todos podem fazer planejamento financeiro. Se eu treino o meu comportamento quando ganho R$500 e aprendo a poupar uma quantia, irei lidar melhor com uma entrada de R$5 mil ou R$10 mil no futuro”, completa a consultora Fernanda Prado.
Uma das etapas do planejamento financeiro que não pode ser negligenciada é a composição de uma reserva de emergência. A reserva é uma quantia, a ser acumulada ao longo do tempo, para cobrir despesas em caso de possíveis imprevistos. Ela é uma espécie de proteção para que o cidadão contorne situações urgentes sem comprometer o pagamento das despesas fixas mensais e sem se endividar.
O ideal é que o valor dessa reserva seja de três a seis vezes o total das despesas mensais. “Imprevistos, muitas vezes, vêm em decorrência de situações indesejadas, como uma perda de renda ou redução salarial, problemas de saúde que demandem gastos não cobertos por plano, incidências com carro ou imóvel, custos com animal de estimação, entre outros. Mas podem envolver também bons imprevistos, como receber um convite para ser madrinha ou padrinho de casamento de um amigo especial, que demandará comprar um belo presente. Em todos os casos, será necessário ter uma reserva”, alerta Fernanda Prado.
À medida que a maturidade financeira avança, será possível não só poupar dinheiro como investi-lo. Para isso, é preciso entender o seu perfil de investidor e separar uma quantia mensal para investimentos que estejam alinhados a seus objetivos financeiros.
“Bons investimentos rendem juros ao investidor. No início, pode parecer terrível saber que não se pode gastar como quer, mas a disciplina mais liberta do que limita. Ela é o caminho para a conquista do que se deseja. Se você tem objetivos a alcançar — como a viagem dos sonhos, a casa própria ou trocar de carro — você tem motivos para ganhar mais dinheiro e para guardar para pagar por esses sonhos”, finaliza Fernando Aarão Melo.
5 aplicativos para ajudar no seu planejamento financeiro
Para organizar suas finanças, você não precisa de muita coisa. Disciplina e força de vontade são os itens indispensáveis. Mas é fato que a tarefa de controlar receitas e despesas pode ser facilitada com o uso das ferramentas corretas. Abaixo, a gente lista cinco aplicativos móveis que podem ser baixados para seu smartphone ou computador e que irão ajudar você na missão de planejar melhor suas finanças.
Mobills: aplicativo de gestão financeira pessoal, o Mobills é gratuito e está disponível para iOS, Android e também na versão web. Nele, é possível gerenciar cartões, planejar as finanças, receber alertas, criar objetivos e acompanhar relatórios. Tem uma série de gráficos interativos que podem ser exportados para o Excel.
Guiabolso: permite sincronizar contas bancárias e cartões, visualizar extratos e organizar o dinheiro em categorias. Dessa forma, as transações são atualizadas no app automaticamente. Seguro, utiliza a tecnologia de criptografia SL de 128 e 256 bits para proteger os dados dos seus mais de seis milhões de usuários.
Monefy: disponível apenas para Android, o Monefy registra receitas e despesas e permite fazer um controle de gastos diários.
Moneycare: integra uma série de relatórios que permitem análise detalhada do fluxo financeiro do usuário. Além disso, ele dá informações sobre as contas pagas, atrasadas e a vencer.
Renda Fixa: aplicativo voltado para aprimoramento de investimentos. Faz comparativos de opções e funciona como um assessor online, orientando suas estratégias de investimento.
Por:
Aline Duraes