Aline Durães
As promessas são tentadoras: menos burocracia na hora de fechar o contrato, menor custo de locação, maior liberdade e privacidade. É em busca desse combo de vantagens que muitas pessoas têm aderido ao aluguel por temporada, não só para períodos de curta estadia como também para viagens de férias e passeios de fins de semana.
Os números provam que as locações temporárias têm aumentado consideravelmente. Parte desse sucesso vem de empresas e startups de compartilhamento de residências que reformularam o conceito de hospedagem em todo o mundo. O maior exemplo desse nicho de mercado é o Air BNB, plataforma virtual presente em 119 países, que já promoveu a hospedagem de 10 milhões de pessoas em 500 mil unidades residenciais de todo o mundo. Sem dispor de casas ou espaços próprios para locação, o Air BNB é um projeto que conecta viajantes a proprietários de imóveis interessados em alugar suas unidades por curtos períodos de tempo. Um levantamento realizado pelo Mercado Livre Classificados e pelo Oh! Panel mostrou que, de 2012 a 2014, as buscas online por aluguel temporário aumentaram em 70%, tornando o Brasil o maior mercado do tipo da América do Sul. “Hoje em dia, qualquer viajante de qualquer lugar do mundo está a um clique de alugar uma casa onde ele desejar. Você não precisa mais ter um contato ou um amigo com um imóvel disponível, a internet viabiliza a transação com muito mais facilidade, praticidade e segurança”, ressalta Georgia Barcellos, gerente de Marketing do AlugueTemporada, marca brasileira da HomeAway, uma das maiores plataformas de viagens do mundo.
É inegável que esse modelo de negócio contribuiu para o aquecimento das locações temporárias. Para os donos de imóveis, o negócio acaba sendo uma importante — e lucrativa — fonte de renda. “São inúmeras as vantagens. Uma delas é a flexibilidade, pois o proprietário tem a liberdade de alugar o seu imóvel quando ele quiser, seja em suas férias, em um fim de semana ou quando ele viajar para outro local. Ele também não corre risco de inadimplência, visto que, alugando por sites e projetos de compartilhamento de residências, ele recebe em até dois dias após o check-in do viajante. Vale destacar a receita média anual desses proprietários, que pode chegar a R$ 20 mil”, completa Georgia, enfatizando que o valor das reservas de imóveis na HomeAway, em 2018, em todo o mundo, alcançou a marca de 11 bilhões de dólares.
Mais habituado a lidar com os aluguéis por temporada clássicos, o síndico Marcelo Germano acredita que o sucesso da locação temporária se deve, em parte, à crise econômica que, há alguns anos, assola o país. “A crise tornou a locação de longo prazo muito perigosa. Os índices de desemprego têm levado muitos inquilinos a atrasarem ou até mesmo não conseguirem arcar com o valor dos aluguéis. Além disso, tem ficado cada vez mais difícil encontrar inquilinos que atendam às exigências de renda e de garantias locatícias. Com isso, os proprietários preferem alugar por temporada. Os riscos financeiros acabam sendo menores“, analisa o gestor do Santa Cruz, condomínio com 44 unidades, em Copacabana.
A tendência é irreversível e lutar contra ela pode não ser a melhor saída. Mas, a despeito das inúmeras vantagens, os altos índices de locações por temporada — sejam tradicionais ou não — trazem questões relevantes de segurança condominial, às quais o síndico precisa ficar atento. Afinal, são mais pessoas transitando pela unidade, usufruindo de áreas comuns e, nem sempre, afinadas com o bem comum e o respeito à propriedade alheia.
O que caracteriza o aluguel por temporada?
Antes de mais nada, é importante o síndico entender o que é a locação por temporada e quais os limites, direitos e deveres garantidos pela legislação a quem adere a essa modalidade locatícia. Definido pela Lei 8.245/91, conhecida como Lei do Inquilinato, o aluguel temporário é aquele cujo prazo de locação não exceda 90 dias e que tenha como finalidade prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, período de obras em residências, e outros fatos que representem um determinado período de tempo. Nesse tipo de locação, o proprietário tem o direito de cobrar e receber antecipadamente o valor total do contrato e demais encargos. A lei garante ainda aos inquilinos de temporada os mesmos direitos dos locatários fixos.
Ocorre, entretanto, que, para muitos juristas e operadores de Direito, o compartilhamento de residências não pode ser enquadrado como locação temporária. “Tudo no entorno da ‘locação via aplicativos’ é controvertido, até mesmo se estamos tratando de locação por temporada ou de hospedagem. O próprio conceito sobre a natureza da relação é muito debatido e influencia como vamos lidar com os casos. No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, o Judiciário tem considerado mais como hospedagem”, explica Valter Vivas, consultor jurídico da Schneider Associados. Enquanto não há legislação específica tampouco consenso jurídico sobre o tema, é importante o síndico estar bem informado sobre o assunto.
Questão de segurança
Cabe ao síndico o desafio de garantir o pleno funcionamento das instalações e acessos ao condomínio e o bem-estar dos moradores mesmo diante de um volume cada vez maior de inquilinos temporários. Mas como fazer isso? A primeira dica — e talvez mais relevante — é dar amplo conhecimento aos locatários das regras e regimento condominiais. Fiquem eles os 90 dias que caracterizam legalmente o aluguel por temporada ou um fim de semana apenas, é imperioso que os locatários sejam informados sobre as regras básicas de convivência. Se não for possível o próprio síndico fazer esses comunicados, o gestor pode solicitar que o proprietário o faça. Opte por orientá-los sobre como utilizar as áreas comuns, descartar o lixo, respeitar a lei do silêncio e consumir bebidas alcoólicas.
Ao serem apresentados às normas do condomínio, os inquilinos conhecerão direitos e deveres, além de estarem mais próximos da administração da unidade. “Se o proprietário não é muito claro quanto às regras da Convenção e do Regimento, a gente acaba tendo de lidar com problemas”, sublinha Marcelo Germano, complementando que já chegou a ser acordado de madrugada para resolver um imbróglio criado por turistas em uma das unidades do Santa Cruz. “Na mesma hora, repassei mensagem ao proprietário do imóvel em questão. Parece que, no dia seguinte, ele conversou com os inquilinos e não tivemos mais problemas”.
Alguns síndicos chegam a levar o tema à assembleia de condôminos para debater coletivamente estratégias que minimizem o impacto das locações de temporada na rotina do condomínio. A ideia dos gestores é sair desse encontro pelo menos com regras mínimas a serem seguidas pelos proprietários. Há registros de condomínios que estabeleceram, por exemplo, tempo mínimo de estadia e períodos determinados do ano para as locações de curta temporada. “Note que, se estivermos considerando que se trata de locação por temporada, o que ocorre é a cessão da posse direta do imóvel ao locatário, com direito ao uso e gozo do bem, tal qual fosse proprietário. Nesta hipótese, vejo como ilegal qualquer limitação proposta, pois afeta o direito inerente ao exercício da propriedade. Mas, se estivermos considerando como hospedagem, o viés de serviço é mais considerado que o viés da posse e limitações ao uso do bem e da estrutura poderiam ser impostas. Se considerarmos hospedagem, temos que olhar para os exemplos próximos, que são os serviços de hotelaria, que restringem acessos a áreas e serviços e regulam isso de forma diversa de um condomínio”, destaca o advogado Valter Vivas.
Um fato, em especial, costuma dar bastante dor de cabeça aos síndicos com casos frequentes de locação por temporada: a alta rotatividade de transeuntes. Com um número maior de pessoas desconhecidas transitando pelo condomínio, os esforços de segurança e portaria acabam sendo significativamente maiores. A dica aqui é solicitar ao proprietário do imóvel locado os dados para cadastro dos inquilinos. Da mesma forma, para evitar a sobrecarga de trabalho no quadro de pessoal efetivo ou gerar a necessidade de contratar empregados extras, é importante o síndico desobrigar os funcionários da unidade de atividades como cuidar das chaves do apartamento ou checar o imóvel após a saída dos locatários. “Aqui, o cadastro de inquilinos é obrigatório. Pedimos nome, documentos oficiais e solicitamos o número de pessoas que estarão na unidade no período”, conta o síndico Marcelo Germano.
Por fim, cabe ao gestor administrar os usuais problemas de perturbação da ordem provocados pelos condôminos de temporada. Como geralmente estão em viagem de férias, gozando de folgas ou durante passeios, muitos têm dificuldade de entender que seus momentos de descanso e lazer não podem conflitar com a rotina dos demais condôminos. Por isso, são tão comuns reclamações sobre festas e desrespeitos sucessivos à Lei do Silêncio.
Às vezes, os excessos chegam a comprometer o próprio imóvel. Um caso notório ocorreu no Canadá, depois de um casal alugar, via aplicativo de compartilhamento de residência, por curta temporada, uma casa. No fim das contas, os inquilinos promoveram uma festa para cerca de 100 pessoas e depredaram parte dos móveis e objetos de decoração. Episódios como esse motivaram os sites a adotarem um tipo especial de seguro. “No AlugueTemporada, todos os proprietários têm direito a um Seguro de Responsabilidade Civil, que garante proteção contra danos ao imóvel. Por meio de seguros como esse, se um viajante danificar acidentalmente o imóvel de um vizinho durante a estadia em seu imóvel de aluguel, por exemplo, esse terceiro poderá processá-lo pelo dano. Nesse caso, os síndicos devem conversar com o proprietário para que ele acione o seguro”, alerta Georgia Barcellos.