Mário Camelo
O planeta já não é mais o mesmo. Em pouquíssimo tempo, a atual geração viu uma grande transformação climática acontecer de forma brusca e, sem dúvida, o principal vilão é a poluição. Obviamente a poluição industrial é a maior causadora de fatores como as alterações de biomas, poluição de rios, desmatamento etc. Porém, aquele pouquinho de lixo que todos nós produzimos por dia também tem a sua culpa. Você pode pensar: “Mas só esse tiquinho de lixo não vai poluir o planeta”. Muito pelo contrário. Para se ter uma ideia, por dia, são produzidas 260 mil toneladas de lixo no país. E de toda essa quantidade exorbitante de materiais, apenas 3% é destinado à reciclagem, segundo o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, implementado pelo Governo Federal em 2014. De acordo com o Plano, somente dois em cada dez municípios brasileiros possuem programas de reciclagem. O índice chega a ser vergonhoso se comparado a países de primeiro mundo com a Noruega e Dinamarca, que reciclam mais de 70% do seu lixo.
Descarte incorreto pode multar o condomínio
E se engana quem pensa que lixo é apenas lixo. Ele é valioso sim! Estima-se que com o desperdício de materiais não-reciclados no país, o valor em potencial jogado fora pode chegar a R$254 milhões. Ou seja, além de agredir profundamente o meio ambiente, não reciclar também é jogar dinheiro no lixo, afinal, a produção de novos materiais gera empregos, renda e muito mais.
Mas deixando de lado a visão macro e pensando no universo dos condomínios, primeiramente é preciso entender que reciclar nem sempre é fácil, independentemente da quantidade. A consciência de transformar algo considerado inútil em algo novo é relativamente recente e as empresas responsáveis pela coleta de resíduos em grandes cidades (como a Comlurb, no Rio de Janeiro) ainda estão adaptando seus antigos processos de recolhimento ou criando novas soluções e parcerias com cooperativas de catadores para se adequarem à atual realidade e à demanda do planeta. A própria legislação que trata do assunto ainda é muito recente. No município do Rio de Janeiro, por exemplo, existe a Lei Municipal de Limpeza Urbana, de 2001, que aborda questões como a separação do lixo e reciclagem. Há ainda uma lei de apoio aprovada em 2013 que multa quem joga lixo de forma incorreta na rua e também quem o destina de forma errônea – aqui entram os condomínios, que, numa fiscalização podem acabar recebendo multas se não descartam corretamente o lixo.
“Temos que deixar de lado a ideia de que o lixo é apenas lixo. Ele vale muito e quando a coleta e a reciclagem são feitas da maneira correta, ele pode gerar dinheiro e até empregos. No entanto, a decisão de reciclar precisa ser tomada pelo síndico e o próprio precisa buscar soluções. Se surgirem dúvidas, ele pode nos contatar e solicitar uma visita de orientação”, explica o advogado e coordenador de fiscalização do programa Lixo Zero da Comlurb, Luiz Eduardo Abílio, que ainda lembra que apesar de existirem programas, fiscalização e políticas de incentivos aos condomínios, a prioridade da Comlurb atualmente é fiscalizar e orientar grandes estabelecimentos e companhias. “Aos poucos estamos fomentando isso. A coleta seletiva é um dos princípios da Lei de Limpeza Urbana, porém, em ordem de grandeza, a quantidade de condomínios e residências que realiza efetivamente o processo ainda é muito pequena, cerca de 10% de todo o município do Rio de Janeiro”, diz.
Como funciona a separação de lixo
Os síndicos que querem começar a separação de resíduos devem saber que a maneira mais básica é dividir tudo em: orgânicos X recicláveis. Os resíduos devem ser separados em sacos de 120l de cores diferentes (preto e verde, respectivamente) e colocados na rua em dias e horários previamente acordados pela empresa de coleta. Os sacos devem ser colocados no meio fio ou em caçambas – método mais recomendado pela Comlurb, porém a empresa também retira o lixo em sacos.
Cada região ou município tem seu dia e seu horário. Basta colocar na calçada e a própria empresa encaminha os recicláveis para cooperativas parceiras, que vão fazer a separação posterior e encaminhar o lixo para a reciclagem. Essa é a forma mais básica e para implantar no condomínio, basta entrar em contato com a Comlurb e/ou com a Prefeitura do Rio (através do telefone de atendimento 1746) para verificar qual a disponibilidade da sua região, já que apenas 10% do estado é coberto pelo serviço.
Síndico do Edifício Paul Cezanne, de 336 unidades – e de outros dois condomínios, todos localizados no Méier, Rio de Janeiro -, Hélio Breder implementou esse sistema de coleta. “Implementei a coleta no Paul Cezanne há cinco anos e nos outros condomínios há dois. Além de ser positivo para o meio ambiente, é uma forma de apoiar as cooperativas parceiras da Comlurb que fazem o trabalho de separação”, comenta ele, lembrando ainda que já houve uma tentativa de implementação da separação completa do lixo no condomínio Paul Cezanne: “Apesar de ser o ideal, infelizmente não conseguimos completar o processo porque isso representaria um ônus para o condomínio, de acordo com a estrutura que temos hoje. Na época, tentamos vender diretamente esse material para a cooperativa, mas ao estocar, ele ocupou muito espaço e muitos insetos se proliferaram. Para nós, foi um problema, pois as cooperativas precisam de quantidade e acabamos não encontrando nenhuma maneira de encaixar nossa estrutura de descarte sem gerar ônus”, explica.
A separação completa à qual Hélio se refere é um outro método de separar o lixo ainda pouquíssimo utilizado em condomínios. Ele consiste na separação total de materiais (orgânico, papéis, vidro, metal e lixo hospitalar, quando necessário) em sacolas específicas. A separação começa pelos moradores que devem ser conscientes e já iniciarem a coleta em suas próprias casas. Assim, quando for feito o descarte, o condomínio já encaminha o material totalmente separado para as cooperativas, que terão apenas o trabalho de reciclar.
O método é considerado por muitos síndicos como difícil de implementar porque envolve o trabalho de muitos terceiros: o morador precisa ser consciente, limpar o lixo e separar tudo em sacolas de diferentes cores; o síndico precisa encontrar uma boa cooperativa que encaixe o seu modelo de produção na quantidade de lixo gerada pelo edifício; os espaços de armazenamento precisam ser limpos e bem cuidados; os funcionários dos condomínios também precisam estar comprometidos.
Enfim, não é fácil. No entanto, quando esse modelo de coleta (que já funciona na maioria dos países de primeiro mundo) chega a ser implementado, o síndico pode gerar uma nova fonte de renda com a venda de materiais, o edifício fica muito mais limpo e o meio ambiente agradece. O caso do Condomínio do Edifício Varandas de Olinda, de 70 unidades, é um dos mais bem-sucedidos do Estado. Localizado em Botafogo, o edifício administrado desde 2011 pelo síndico Antonio Valdeci Martins, atualmente recicla dessa forma 80% de todo o material produzido. O trabalho foi reconhecido ano passado pelo Sindicato da Habitação do Rio de Janeiro (Secovi-Rio), que ofereceu o primeiro lugar do Prêmio Secovi Rio ao síndico.
“Começamos a aprofundar o trabalho de separação de lixo em 2016 e fomos intensificando com circulares, falando nas reuniões com os moradores, informativos nas lixeiras, reunião com os funcionários, fomos abordando também os empregados dos próprios apartamentos que manuseiam o lixo, como diaristas e governantas. As pessoas precisam comprar a ideia também. Aos poucos, nosso sistema foi crescendo e hoje temos mais ou menos 80% de todo o lixo gerado pelo condomínio encaminhado para a reciclagem, por meio de um contato direto com uma cooperativa. Ninguém quer um ambiente sujo ou lixo na sua porta, assim, aos poucos, todos foram tomando consciência”, explica ele, que fala ainda dos benefícios que o processo trouxe para o dia a dia: “Hoje, temos uma renda que é gerada pela venda desses materiais e que vai diretamente para os funcionários do prédio que trabalham com a coleta. Temos funcionários e moradores muito mais cientes do seu papel para a proteção do meio ambiente e além disso, o custo com dedetização caiu muitíssimo, já que o sistema de separação trouxe organização e limpeza. Eu já fui síndico de outros prédios e já vi o lixo ser misturado pelos funcionários da empresa pública de coleta. Da forma como fazemos, temos certeza de que o lixo é realmente reciclado”, relata.
Apesar da grande quantidade de benefícios conquistados por esse modelo de coleta, algumas cooperativas relatam que a maioria dos condomínios acaba optando pela operação da Comlurb devido aos altos custos. “O grande entrave é o Município/Prefeitura oferecer esse serviço de forma equivocada, na qual o valor do serviço oferecido não cobre 1/3 do custo da operação da Comlurb. Isso inviabiliza totalmente a inserção desses condomínios em projetos de cooperativa. Na Barra da Tijuca (bairro conhecido pela grande quantidade de grandes condomínios e com infraestrutura empresarial), alguns deles até estão contratando empresas de coleta, mas quando oferecem uma solução de destinação correta do lixo, fica financeiramente difícil convencê-los. A margem dessa operação é muito apertada”, comenta Fernanda Cubiaco, presidente do Movimento Lixo Zero, cooperativa e consultoria que cria projetos para a destinação correta do lixo, que completa: “O Brasil ainda está muito lento, quase parando nesse sentido infelizmente, enquanto o cidadão não sentir no bolso o real custo da destinação de seus resíduos e as prefeituras pararem de subsidiarem esse serviço de forma equivocada, estamos longe de uma solução para uma logística reversa”.
E o que fazer com outros tipos de resíduos?
Como vimos, os resíduos mais básicos podem ser separados e destinados ao recolhimento municipal ou às cooperativas. Porém, existe uma outra infinidade de materiais que nem sempre são descartados de maneira correta.
Descarte de pilhas e baterias: as pilhas e baterias são alguns dos materiais mais agressivos, pois apresentam na sua composição metais tóxicos perigosos à saúde humana e ao meio ambiente tais como mercúrio, chumbo, cobre, zinco, cádmio, manganês, níquel e lítio. Para se ter uma ideia, uma pilha descartada irregularmente pode contaminar até 20 mil litros de água e o seu tempo de decomposição é praticamente infinito. Para descartá-las corretamente, o síndico precisa se informar com a Comlurb ou com a Prefeitura sobre o posto de recolhimento mais próximo do seu condomínio e levá-las até lá regularmente. Muitos edifícios também montam caixas de recolhimento para que os moradores possam ir colocando suas pilhas e baterias descartadas.
Descarte de entulho: para descartar os chamados resíduos da construção civil, a Comlurb oferece um serviço de recolhimento, desde que o entulho seja “puro” (ou seja, que não contenha materiais pesados como tinta ou solvente) e desde que esteja indoor. Para os entulhos misturados, é preciso entrar em contato com a concessionária para solicitar informações de empresas credenciadas, que farão a retirada e destinação correta desses materiais, de acordo com as regras do Instituto Estadual do Ambiente (INEA).
Limpeza da caixa de esgoto: para fazer a limpeza correta das caixas de esgoto, também é preciso procurar empresas cadastradas e que possuam o selo do INEA. Contratar outras empresas pode ser um grande erro, já que os componentes armazenados na caixa de esgoto podem ser muito prejudiciais não somente ao meio ambiente, mas também à saúde dos moradores, caso os resíduos entrem em contato com a água.
Descarte de remédios: muitos síndicos não se preocupam, porém, o descarte de remédios é um assunto muito delicado. Em contato com a água, um remédio vencido pode até se transformar em um produto letal, dependendo da substância. Sendo assim, o procedimento correto é procurar a Vigilância Sanitária e se informar sobre onde deixar os materiais. A dica de montar uma caixa de recolhimento também é válida, desde que seja de forma segura e que nenhum morador tenha acesso aos produtos inseridos no recipiente. Já as caixas dos remédios poderão ser recicladas junto aos papéis e papelão.
Descarte de óleo: o óleo de cozinha usado pode parecer inocente, mas é um grande contaminante. Um litro de óleo descartado no ralo da pia pode poluir até um milhão de litros de água potável. É a quantia equivalente ao consumo de uma pessoa em 14 anos de vida. Para descartá-lo de forma correta, o síndico deve orientar os moradores a guardar o óleo usado em garrafas PET e fazer o descarte em locais especializados. Ou mesmo, o síndico pode reunir uma grande quantidade e levar aos postos indicados. Algumas cooperativas também retiram óleo usado em condomínios.
Descarte de materiais como móveis, camas etc.: esse tipo de material é recolhido pela Prefeitura, por meio de agendamento no serviço de atenção 1746.