Aline Durães
Uma névoa fina, salgada, úmida. Imperceptível e silenciosa, ela traz danos a móveis, veículos, eletrodomésticos e estruturas diversas. Assim é a maresia. O fenômeno natural carrega o peso de ser uma das principais causas de corrosão, formação de mofo e desgaste em condomínios, especialmente nos localizados próximos ao litoral. Para prevenir e combater o problema, o síndico deve, antes de tudo, conhecer a fundo suas causas e efeitos. No fim, isso pode significar um patrimônio mais valorizado e condôminos mais satisfeitos.
Antes de mais nada, é preciso compreender a origem do fenômeno. Cientificamente falando, a maresia é a reunião de bilhões de gotículas de água do mar carregadas de sais. Essas partículas são suspensas sempre que uma onda rebenta na praia. Logo depois, elas são transportadas por longas distâncias pelo ar até se alojarem em diferentes superfícies. Com o tempo, essas substâncias se acumulam e produzem efeitos mais danosos do que se pode imaginar inicialmente: fissuras no revestimento externo, corrosão da armadura do concreto presente em pilares, lajes e vigas, infiltração, desenvolvimento de fungo e mofo.
As partículas de água e sais afetam, em especial, os locais próximos ao mar: estudos comprovam que os impactos da maresia chegam a ser 40 vezes mais presentes em unidades litorâneas do que em localidades rurais. Especialistas garantem também que, entre as residências, costumam sofrer mais as de temporada, como casas de praia, por exemplo. Isso porque os condomínios com ocupação permanente tendem a ter síndicos mais vigilantes e ações de manutenção mais frequentes. “As áreas mais afetadas são aquelas com equipamentos metálicos como playground, grades de proteção, quadras poliesportivas, tubulações contra incêndio e de gás em ferro fundido. Apesar disso, infelizmente, não vem sendo dada a devida atenção à maresia nos condomínios. Vale lembrar que os danos causados por ela, como a corrosão, popularmente conhecida como ferrugem, por exemplo, podem em muitos casos ser irreversíveis, causando grandes prejuízos financeiros ao condomínio”, explica Jorge Mariano, diretor de uma empresa de diagnóstico e controle de corrosão.
O condomínio Oceania, com 52 unidades, em Salvador, sofre com o problema desde sua construção, em 1943. Localizado em região privilegiada da cidade, próximo ao Farol da Barra, teve sua estrutura hidráulica e fiações elétricas corrompidas pela ação da maresia. “A região é extremamente salitrosa, com maresia muito agressiva. Digo sempre que não podemos nem dar muita risada, porque até obturação enferruja aqui”, brinca o síndico Sérgio Augusto Bezerra, há quatro anos à frente da gestão.
Prevenir é possível
A grande desvantagem da maresia é que, por mais responsável e prevenida que seja a administração condominial, ela nunca conseguirá livrar totalmente o condomínio do problema. Por ser um fenômeno natural, o processo corrosivo é inevitável. A boa notícia, entretanto, é que há maneiras de prevenir a ação, retardando o aparecimento de alguns efeitos da brisa. “Não tem outra saída: quem quer um prédio bem cuidado à beira do mar precisa agir preventivamente todos os dias. Cuidar de elevadores, câmeras de segurança e computadores, itens que oxidam com facilidade, e contar sempre com empresas especializadas para o serviço, além de funcionários experientes em limpeza e manutenção de áreas comuns”, compartilha o síndico Sérgio Bezerra.
“Prevenir sai muito mais barato. O ideal é que o síndico conte com um especialista, de preferência em patologia de obras, que é o profissional capacitado para elaborar um plano de manutenção voltado para a vida útil da estrutura comprometida. A maioria dos condomínios faz apenas a manutenção corretiva e essa sai mais caro”, enfatiza Diogo Nicoletti, especialista em Patologia de Obras e Impermeabilização.
Uma das maneiras mais eficazes de prevenir o aparecimento dos efeitos da maresia é ainda na fase de construção do edifício. A saída tem sido usada em novas construções, em locais especialmente problemáticos, como a Praia do Futuro, em Fortaleza, por exemplo. A região possui a segunda maior maresia do mundo, superada apenas pela existente nos arredores do Mar Morto, em Israel. O fato levou as construtoras cearenses a utilizar materiais mais resistentes e pinturas eletrostáticas nas partes externas — e, portanto, mais vulneráveis — dos condomínios.
Mas não precisa desanimar se seu condomínio já está construído. Também há formas de prevenir a corrosão em locais habitados. Basta adotar dicas simples, que podem surtir resultados satisfatórios.
Um dos caminhos é substituir superfícies de ferro por estruturas em madeira, PVC e alumínio. Esses materiais se adaptam melhor ao ambiente, são mais resistentes à maresia e exigem ações de manutenção bem mais simples do que o ferro. No caso do PVC, por exemplo, retirar o pó e limpar as superfícies com água e sabão é o suficiente para a prevenção contra a brisa marinha. Já a madeira, bem como o alumínio, é mantida imune por meio de lixamento e aplicação de produtos que devolvem seu aspecto original.
Para revestimentos externos, o ideal é decidir pelas opções de cerâmica, pedras ou pastilhas, já que a argamassa tende a ser mais suscetível à maresia. No piso, escolha sempre porcelanatos com acabamento fosco. Também as tintas merecem atenção: as emborrachadas e elásticas de base elastométrica devem ser priorizadas em ambiente externos, enquanto as acrílicas semibrilho ou do tecnocimento são as melhores opções para os interiores do condomínio.
Por fim, dedique tempo para o telhado de seu condomínio. Se ele for de cerâmica, impermeabilize as telhas para diminuir o efeito da cristalização dos sais. Se for de concreto, tente as de acabamento gloss para ampliar a durabilidade e longevidade da estrutura.
“A prevenção se baseia também em inspeções periódicas que conseguem mitigar os problemas antes que eles se tornem dispendiosos ao condomínio. É preciso monitorar as condições dos ambientes mapeando as áreas mais críticas. Se for possível, o condomínio deve contratar uma empresa especializada para o controle”, frisa José Mariano.
Combatendo a maresia
Mas como proceder se a maresia já se instalou e está causando problemas? Formação de mofo, destruição do concreto e corrosão, infiltração, fissuras no revestimento externo e degradação da fachada. Essas são algumas das consequências mais nocivas do fenômeno para o condomínio. E não há lugar imune a elas: das janelas aos elevadores, praticamente tudo pode ser tocado pela brisa marinha.
O condomínio Oceania, em Salvador, passou por vultosas obras nos últimos anos para se recuperar dos efeitos contínuos da maresia: trocou os tubos metálicos da parte hidráulica por PVC, substituiu toda a rede elétrica por cabos novos e mais resistentes à oxidação, mudou o alumínio da grade externa por aço inox 316, semelhante ao utilizado em cascos de navio, e reparou a parte externa do edifício, tratando o reboco comprometido. “Essas melhorias promovem a valorização do próprio imóvel. Como viver em um prédio sem uma hidráulica e uma elétrica que funcionem em perfeitas condições? Um dos fatores que valorizam o seu patrimônio é a manutenção constante. Tem que estar sempre alerta para essas questões, com pessoas realmente comprometidas com o condomínio. Cuidar tanto da parte visível quanto da interna. São 365 dias de atenção”, destaca o gestor Sérgio Bezerra.
“Com certa frequência, tratamos estruturas de garagem, com nível muito avançado de deterioração. Por vezes é necessário, além do tratamento das infiltrações e recuperação da impermeabilização, o reparo e reforço da estrutura”, afirma Diogo Nicoletti. A orientação dos especialistas é clara: se não deu para prevenir, então corrija o mais rápido possível. Quanto antes o gestor adotar medidas de combate à maresia, mais eficaz será o combate, maior será a durabilidade dos materiais que compõem os diferentes espaços da unidade e menores serão os prejuízos.
No Condomínio Chopin, Prelúdio e Ballada, em Copacabana, Rio de Janeiro, a ordem é resolver o problema assim que ele é notado. “A maresia é silenciosa. Tem efeitos que se alastram por locais que nem sempre conseguimos notar. Mas, quando percebemos, atuamos”, enfatiza Mário Henrique Moreira, à frente do condomínio há cinco anos. O administrador conta que, entre as áreas mais afetadas do prédio, estão computadores e a central telefônica. “Ela ataca vidros e até alumínio. É um problema que a gente combate continuamente”.
Se, por exemplo, aparecerem bolhas nas paredes ou goteiras no teto, uma das consequências da maresia pode estar dando sinais: a infiltração. Ela está ligada ao aparecimento de mofo, que nada mais é do que acúmulo de fungos que se alimentam de materiais orgânicos. O bolor, como também é chamado, tem efeitos que vão além do forte odor: danifica estruturas, em especial móveis, tetos e paredes, e pode causar problemas graves à saúde, como asma, alergias e infecções do trato respiratório superior.
A infiltração pode causar ainda desconfortos estéticos — como o descolamento da massa fina do acabamento — curtos circuitos e, em grau mais elevado, desabamentos. “As infiltrações são um dos três principais fatores de degradação das estruturas de concreto (carbonatação, ataque por cloretos e infiltração). Dentre estes três fatores, a infiltração é o que tem maior potencial de dano, pois pode agir combinada com os outros dois fatores e causar facilmente a ruptura pontual das armaduras. Esta ruptura, em muitos casos, não gera aviso, podendo a estrutura vir ao colapso de uma hora para outra, como no caso de queda de marquises”, alerta o especialista Diogo.
Para afastar esse perigo, o gestor deve, em primeiro lugar, providenciar que seja identificada a origem da infiltração. “Ao notar infiltrações ou desplacamentos no teto da garagem, lajes de coberturas, pilares ou vigas, não se deve tentar mascarar o problema. Antigamente, os síndicos colocavam calhas ou aplicavam algum tipo de argamassa para esconder o problema o que acaba agravando e muito a situação”, complementa Diogo Nicoletti.
Na maior parte dos casos, o passo seguinte envolve a aplicação de produtos impermeabilizantes na área afetada. A dica aqui é concentrar a aplicação na parte externa das estruturas para evitar a penetração da água.
Problemas com lastros ainda maiores do que o mofo são a corrosão e oxidação, que afetam estruturas metálicas de todo o tipo e acabam resvalando para outros materiais. Quando entram em contato com o concreto, por exemplo, os tais sais da maresia penetram, chegando às barras de aço e, ali, iniciam o processo de degradação. Por causa da ferrugem, essas barras começam a inchar de tal forma que podem romper o cobrimento do concreto e ameaçar toda a estrutura. “Aqui, tiramos o emboço, lixamos com lixa d’água ou escovão de aço e aplicamos zarcão. As áreas mais afetadas são fechaduras e ferragens externas, como molas de elevador”, pontua Mário Henrique, do Chopin.
Para se ter uma ideia, o potencial de dano é tão grande que, nas regiões próximas ao litoral, a recomendação é utilizar concretos armados com espessura acima de 2,5 cm, padrão comum no restante do mercado. “Dependendo do caso e da extensão da corrosão, é necessário substituir as partes mais críticas do sistema afetado, raspar as partes com menos danos e, posteriormente, pintar tudo com tintas que propiciam a devida proteção à estrutura danificada”, sugere Jorge Mariano.
Como atingem diversas áreas do condomínio, esses efeitos nocivos acabam chegando a áreas que, apesar de não serem as mais preocupantes, são, sem dúvida, as mais aparentes. Entre elas estão fachadas e revestimentos externos. O perigo aí está na possível desarmonia estética que causam, podendo levar à desvalorização da unidade. Afinal, quem se sente bem em morar em um condomínio com fachada escurecida e sem vida? É importante o gestor agir o mais rápido possível para frear a maresia, entendendo, entretanto, que nem todas as ações de combate devem ser executadas ao mesmo tempo. Especialistas garantem, por exemplo, que as reformas que envolverem fachadas, terraços, telhados e pinturas devem ser realizadas no período do verão, marcado por maior incidência do sol e chuvas mais curtas. Já as reparações internas, como reparo de pisos e paredes e impermeabilizações, costumam dar mais certo quando conduzidas no inverno. Lembrando sempre que para todas essas obras surtirem um efeito mais prolongado e o condomínio ficar efetivamente mais protegido contra a maresia, é necessário montar um esquema periódico de manutenções. “O gestor deve combinar inspeções periódicas com manutenção constante nos locais mais críticos, priorizando sempre a contratação de empresas especializadas para conduzir os trabalhos”, conclui Jorge Mariano.
Deixe tudo livre da maresia
Quem mora em condomínio próximo ao litoral sabe bem que não são apenas as áreas comuns externas as atingidas pela brisa marinha. Além delas, veículos, eletrodomésticos, computadores, móveis e outros objetos também sofrem com os efeitos da maresia. Abaixo, a gente lista uma série de dicas úteis para você deixar esse mal bem longe da sua residência:
Tecidos: priorize aqueles à base de poliéster. São bem mais resistentes à umidade.
Móveis: limpe sua superfície com frequência, não esquecendo de aplicar óleo de peroba e lustra-móveis.
Paredes Internas: opte por tintas acrílicas. Outra saída é misturar massas com tintas naturais. Além de ajudarem na preservação, elas dão efeito de textura.
Janelas: crie uma segunda pele na superfície, por meio da aplicação de três demãos de verniz ou filme de poliuretano.
Portões e grades: para evitar prejuízo nesses locais, também invista em revestimentos antioxidantes. Isso impede o contato do ferro com a água e os sais da maresia.
Veículos: proteja seu automóvel, moto ou bicicleta em um local fechado e coberto, especialmente durante a noite, período de maior incidência de maresia. De tempos em tempos, verifique a caixa de direção e os amortecedores dos carros, pois é comum os resíduos de sal se alojarem ali.
Computadores: evite posicioná-los em locais com muita circulação de ar e utilize a capa de proteção específica quando ele estiver desligado. Se o aparelho já estiver oxidado, será necessário encaminhá-lo para limpeza da placa-mãe na assistência técnica.
Curiosidades sobre a maresia
Se você acha que o assunto é simples e maresia não exige tanta atenção assim, está bem enganado. Abaixo, a gente apresenta algumas curiosidades que ajudam a comprovar o tamanho da dor de cabeça causada pela brisa marinha:
- Os Estados Unidos gastam cerca de 80 bilhões de dólares por ano para arcar com os prejuízos causados pela corrosão.
- Feita de ferro sobre cobre, a Estátua da Liberdade, localizada em Nova Iorque e um dos maiores pontos turísticos do mundo, também acumula azinhavre e sente os impactos negativos da corrosão.
- Em Fortaleza, um poste de iluminação localizado nas áreas afastadas do litoral tem vida útil de até 30 anos. Já nas regiões próximas ao mar da capital cearense, eles duram em média apenas cinco anos.
- Estima-se que cerca de 20% do ferro produzido todo ano em todo o mundo seja para repor as estruturas corroídas.
- Uma pesquisa realizada em San Diego, nos Estados Unidos, sugere que as partículas da maresia podem agravar o aquecimento global, já que, dependendo de sua composição, acabam absorvendo luz e, consequentemente, esquentando o planeta.