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Rodrigo Pimentel: entrevista exclusiva

Por Cidades e Serviços
Última atualização: 16/10/2020
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Ex capitão do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais), da Polícia Militar do Rio de Janeiro, onde atuou de1995 a2000, Rodrigo Pimentel é pós-graduado em Sociologia Urbana pela UERJ, foi articulista do Jornal do Brasil e co-produtor do documentário “Ônibus174”. Foi, inclusive, durante as filmagens desse trabalho que nasceu a ideia do livro “Elite da Tropa”, que escreveu em parceria com Luiz Eduardo Soares e André Batista, e que resultou no mega sucesso dos cinemas “Tropa de Elipe 1 e2”. Hoje, ele se tornou palestrante, consultor de segurança e comentarista de segurança da TV Globo, tornando-se referência no assunto em todo o país.

Em uma entrevista concedida após a palestra que concedeu a síndicos em junho último, promovida pela APSA, ele simplesmente derruba – de forma assustadora – tudo aquilo que, a princípio, era reconhecido por todos como artifícios em prol da segurança em um condomínio: muros altos, grades para todos os lados, película protetora que escurecem as portas de vidro das portarias…  “É disso que o bandido gosta, estamos apenas facilitando o lado dele!”, anuncia. Ele explica: “o bandido entra pela porta da frente, não pula o muro. Mas depois de estar lá dentro – se esse muro for alto – só lhe assegura maior discrição para não ser percebido enquanto pratica o crime.”  O treinamento dos funcionários também é apontado por ele como algo determinante para um condomínio ser considerado mais ou menos seguro. Isso porque, segundo ele, pesquisas já comprovaram que os assaltantes preferem condomínios com porteiro do que sem porteiro, tamanha a confiança na fragilidade que esse personagem é capaz de oferecer à ação criminosa.

SÍNDICO: Com o passar dos tempos, os condomínios foram se tornando em verdadeiras mini cidades, e muito disso realmente por conta da preocupação de todos pela segurança. Como você enxerga isso?
Pimentel: Eu vou lhe dar até uma resposta através de uma visão sociológica… Com o crescimento da violência nos Estados Unidos nas décadas de 50 e 60, houve uma determinação de que a classe média saísse do centro urbano e partisse para a periferia. Já no Brasil, a violência na década de 80 também foi responsável por uma mudança na sociedade, e que acabou interferindo na arquitetura e engenharia das cidades, culminando em um processo de fortificação dos condomínios. Foi o início do que chamamos de conceito do “condomínio buncker”. E tudo isso ocorreu em função do fenômeno medo, pois o que acontecia na rua se transformava também em medo para o morador. Mas a verdade é que nunca foi significativo o roubo em condomínios. A gente sempre esteve mais exposto à violência dentro do carro, no meio da rua, do que dentro de casa. No entanto, trouxemos para o condomínio toda a nossa angústia, todo o nosso medo de viver em uma grande cidade. Instalamos guaritas, cercas, muros altos, e sequer sabemos se tudo isso é útil ou inútil. No final das contas o que estamos enfrentando é apenas o medo e não o crime.

SÍNDICO: Você acha, então, que o que estaria sendo trabalhado por nós mesmos seria a “percepção” da segurança?
Pimentel: Exatamente. Toda a arquitetura desenvolvida dentro de um condomínio seria para enfrentar a percepção de se ter uma segurança maior, e não para enfrentar o crime em si. Entendendo a dinâmica do roubo em condomínios podemos, inclusive, perceber que muitas das soluções aplicadas são inúteis, toscas, não funcionam para a realidade que vivemos, mas que mesmo assim nos passam essa sensação de estarmos protegidos. Seja através de um muro alto, uma cancela, uma portaria, um vigilante armado, a gente se sente protegido com tijolos.

SÍNDICO: Sabemos que cada condomínio possui um perfil diferente, e cada caso é um caso, mas em linhas gerais o que torna um condomínio mais ou menos seguro?
Pimentel: O que torna um condomínio mais seguro, com certeza, é quando o síndico, o morador e os funcionários estão com o mesmo entendimento do que seja segurança, bem como do que é útil e razoável para aquele condomínio. Não existe sistema de segurança, controle de acesso, câmera, nada, se não houver treinamento. O fator humano atento, com zelo.

SÍNDICO: É verdade que você já foi síndico?
Pimentel: Sim, já fui síndico por algum tempo, e agora passei o cargo para a minha ex-mulher.

SÍNDICO: E qual era o seu principal desafio nos tempos de síndico?
Pimentel: Era tentar reduzir o medo do morador, porque havia aqueles que queriam cada vez mais investimento em cercas. Eles queriam tudo aquilo que não funciona. O problema é que as pessoas pensam logo naquela cena clássica de um bandido com touca preta entrando pela janela, com uma máscara. Mas aquilo nunca existiu, apenas na literatura, no cinema.

SÍNDICO: Mas então qual seria a dinâmica padrão do roubo a condomínios, no Rio de Janeiro?
Pimentel: Ele é praticado por pessoas bem aparentadas, bem vestidas, que entram no condomínio à luz do dia, eventualmente se passando por um prestador de serviço. E o que impede essa ação efetivamente é o porteiro atento, aquele que segue regras – esse é o maior impeditivo para esse tipo de ação, e não a barreira física. Cercas, por exemplo, ajudam apenas em casos de intrusão, que são raríssimos na zona Sul do Rio de Janeiro, e um pouco mais comuns na zona Oeste, na região oceânica ou dos Lagos. Aí, sim, uma cerca pode fazer parte de um conjunto de segurança que é complementado pelo treinamento do porteiro.

SÍNDICO: O que você acha do uso da tecnologia como ferramenta em favor da segurança dentro do condomínio?
Pimentel: Hoje, a tecnologia está muito ligada à utilização do Circuito Fechado de TV. Eu sempre fui um defensor. Isso porque, no meu entendimento, ele tem um caráter preventivo de delitos. A sua utilização oferece, sim, uma dificuldade ao bandido, e ainda serve para auditar o ocorrido. Para que eu identifique os criminosos, que eu compreenda a dinâmica do que aconteceu etc.

SÍNDICO: Mas aí surge aquele impasse vivenciado por muitos síndicos de moradores que alegam “invasão de privacidade” por conta da instalação das câmeras em locais como elevadores, corredores.
Pimentel: Esse argumento já não tem qualquer fundamento, pois todos nós somos filmados inúmeras vezes ao dia. Não se trata de querer tomar conta da intimidade de ninguém, mas em manter a segurança de todos. Eu mesmo passei por um impasse desses quando fui síndico, mas adivinha: foi graças às câmeras que conseguimos resolver um crime cometido dentro do condomínio, e por uma ironia do destino, ocorrido com uma das pessoas contrárias ao CFTV, que achava que o circuito interno de imagens invadia a sua privacidade.

SÍNDICO: Então, a tecnologia não age sozinha, mas está atrelada a um conjunto de cuidados?
Pimentel: Sim, acredito na eficiência do CFTV, mas também no seu uso vinculado ao cuidado de se ter uma portaria bem clara, com bastante iluminação e em ter profissionais capacitados, bem treinados. Eu só não acredito na barreira física pura, pois o bandido suplanta ela com a rendição do morador, do porteiro. Cercas, muros etc. não representam sequer um desafio para o bandido na atual dinâmica da cidade.

SÍNDICO: E você havia dito que existe até mesmo uma pesquisa que atesta cientificamente esse cenário…
Pimentel: Isso, eu gosto muito de uma pesquisa feita pela Polícia Militar do Paraná, que foi a primeira pesquisa científica sobre roubo a residências no Brasil. E antes que se diga isso: ela não é aplicável apenas à realidade do Paraná, pois a cidade de Curitiba tem bairros nobres, de classe média, pobres, então conseguimos perceber vários cenários pelo país afora. Eles entrevistaram e tabularam todas as informações, e descobriram do que o bandido gosta.

SÍNDICO: E do que ele gosta?
Pimentel: Por uma infeliz coincidência, ele gosta basicamente do que a maioria dos moradores gosta também: de muro alto, portaria com aplicação de película para escurecer o ambiente, e por aí vai…

SÍNDICO: Em uma entrevista anterior, você também já havia alertado sobre a questão de detalhes que, somados às características arquitetônicas dos condomínios, acabavam fragilizando ainda mais o condomínio.
Pimentel: È que até a década de 70, as construções não tinham qualquer preocupação com segurança, era apenas a questão estética mesmo. Então, o que se percebia nos condomínios eram quase sempre entradas escuras, escondidas, e muitas vezes os seus funcionários não tinham sequer um domínio visual claro de todo o entorno. Seja em função de um jardim avançado, de uma marquise, de um conjunto de pilastras, caçambas de lixo, árvores, enfim, a própria arquitetura atrapalhava e isso é determinante para a prevenção ao crime. O bandido odeia a exposição, odeia ser visto. Pois, aí ele perde a questão do efeito surpresa, chama a atenção para ele e não consegue realizar a ação. A atenção do síndico deve estar voltada para que ele desarme essas “armadilhas”, que pode ser através do uso da tecnologia, com a instalação do CFTV, ou a simples colocação de uma iluminação mais adequada.

SÍNDICO: E por falar nisso, você cita a alarmante relação entre os casos de pedofilia encontrados em condomínios justamente com essas questões: controle através de câmeras e a própria localização do playground internamente. Fale sobre isso.
Pimentel: Muitas das ações de pedofilia registradas em condomínios acontecem dentro da própria casa da criança, no ambiente familiar. No entanto, de acordo com os números da DECAVI (Delegacia de Apoio à Criança e ao Adolescente Vítima), quando ocorre nas áreas comuns isso sempre é feito em lugares de pouca visibilidade, no fundo do condomínio, onde as pessoas pouco circulam. O fato é que a criação de áreas de lazer infantil é novidade em condomínios, em torno de 25 anos atrás, e daí os síndicos foram criando os playgrounds naqueles espaços que sobraram, geralmente onde ninguém enxerga, ninguém passa, e é ali que acontece o crime. 

Texto: Cintia Laport
Foto: Marco Fernandes

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