Moradia funcional
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 11/03/2013
Edição 207 Mar/Abr 2013, Edições
O porteiro ou o zelador do condomínio é, sem dúvidas, uma pessoa fundamental para a segurança e o bom andamento das atividades no prédio. Ele conhece o espaço como ninguém, sabe quem são os moradores e, certamente, tem a capacidade de reagir a qualquer emergência. Por esses e outros motivos, a moradia funcional, para alguns condomínios, é considerada uma vantagem. Isso porque, com o funcionário sempre por perto, os moradores se sentiriam mais seguros. No entanto, para que esta relação seja harmoniosa, tanto o empregador quanto o empregado precisam se comprometer a seguir algumas regrinhas de boa convivência.
O síndico do Edifício Ricardo, em Ipanema, Afonso Celso de Paula, acredita que o conceito de moradia funcional tenha surgido como uma forma de o condomínio economizar dinheiro com a passagem do funcionário e evitar pequenos contratempos, como atrasos. “A qualidade de vida do porteiro também é importante, e com a moradia funcional você tem um trabalhador menos estressado e que rende muito mais. Morar no local de trabalho evita que ele pegue três ou quatro horas de trânsito diárias, e fora que a economia de aluguel é muito alta, haja vista os preços exorbitantes praticados na cidade”, completa ele.
Lá no Edifício Ricardo, por exemplo, o zelador Damião mora há 12 anos com a família e cuida das nove unidades do prédio. “Ele é uma pessoa em que todos confiam. Ninguém nunca teve motivo para reclamar. Mas apesar de morar aqui, ele mantém uma casa em Duque de Caxias. Acho isso importante, pois também é uma segurança pra ele”, completa Afonso.
A concessão da moradia funcional depende da realidade de cada condomínio, mas costuma ser indicada em prédios com muitos idosos – ficando os empregados mais acessíveis na locomoção dessas pessoas – e também em prédios pequenos, que possuem um único funcionário. Este tipo de imóvel faz parte das áreas comuns, sendo assim, não pode ser usado como uma unidade. Normalmente, o zelador não paga contas, como água, luz e gás, desde que a regra seja estabelecida previamente, de acordo com as normas do condomínio. Aconselha-se delegar a responsabilidade do empregado pelo pagamento ou não das contas no ato da contratação e, se forem cobradas, deve haver um medidor individual para a moradia.
Apesar de trazer muitas vantagens, quando o porteiro não segue as regras estipuladas na Convenção do condomínio, a moradia pode virar um problemão. Alguns síndicos relatam que há casos de funcionários que exageram no consumo de energia ou água, por exemplo, deixando o ar condicionado ligado o tempo todo. Há ainda situações mais extremas, como utilizar a energia do prédio para algum tipo de trabalho informal, sublocar o espaço ou hospedar pessoas. O apartamento funcional é cedido para o trabalho, e seu uso não deve acarretar qualquer ônus ao empregado. Ainda neste quesito, a instalação ou utilização de equipamentos ou eletrodomésticos no interior da moradia funcional deverá estar de acordo com a política de consumo e capacidade de pagamento do condomínio, podendo o síndico, em caso de abuso na utilização por parte do empregado, determinar a retirada do respectivo equipamento.
“Tive um funcionário na Zona Sul que gostava de pescar. Ele levava os peixes para o prédio, chamava os amigos, colocava o bermudão e fazia uma tremenda peixada no play ou na rua, com direito a música alta e algazarra. A moradia tem muitas vantagens, mas casos como esses podem acontecer”, relata Afonso de Paula.
Marcos Valério Santos, síndico do Condomínio CarlosFelipe, também em Ipanema, lembra ainda outro aspecto muito importante nesta relação. “O síndico e os moradores devem entender que o fato do zelador morar no prédio não significa que ele está trabalhando o tempo inteiro. Ele está ali para eventuais emergências ou problemas, mas deve-se respeitar seus horários de trabalho. E tudo o que for feito fora desse horário, deve contar como hora extra. Já vi síndicos serem surpreendidos com processos por causa disso”, afirma.
Ele ressalta ainda que a tendência dos novos edifícios é abolir a moradia funcional para poder aproveitar melhor o espaço. “No Condomínio CarlosFelipe, temos o porteiro Miguel que mora e trabalha lá há mais de 30 anos. Teve filhos, netos… Enfim, já faz parte da história do prédio. No entanto, para mim, ele é uma exceção. A moradia funcional é um conceito antigo. Obviamente ainda há muitos casos, mas tudo indica que deve diminuir com o tempo”, completa.
A hora de sair
Quando o assunto é moradia funcional, uma das dúvidas mais comuns do síndico é: o que fazer quando o funcionário precisa ser desalojado? Se o empregado é dispensado pelo condomínio, há um prazo de 40 dias para o imóvel ser desocupado espontaneamente, independente de notificação judicial, contados após o aviso prévio. No caso de aviso prévio indenizado, a partir do dia seguinte da comunicação da dispensa. Se for aviso prévio trabalhado, os 40 dias são contados ao término do período.
Se o zelador entregar o imóvel no prazo determinado, deve receber um piso salarial profissional como recompensa; se entregar no ato da homologação, o prêmio aumenta para um piso salarial e meio; não devolvendo o imóvel, o empregado pagará multa equivalente a um piso salarial por mês de atraso.
Nos casos de suspensão ou interrupção do contrato de trabalho, o prazo de desocupação da moradia se dará 30 dias após os 60 dias do fato que ocasionou a suspensão ou interrupção do contrato. Aqui vale também a regra de um piso salarial profissional no ato da entrega do imóvel vazio. Quando a demissão é por justa causa, término de contrato ou por iniciativa do empregado, ele deve desocupar o local imediatamente. No caso de falecimento, as pessoas que residiam com o zelador terão um prazo máximo de 55 dias, contados a partir da data do óbito para a desocupação total, sendo assegurado o pagamento de um piso salarial da categoria ao cônjuge ou companheiro legal no momento da entrega das chaves.
Ainda há regras mais complexas para porteiros que morem há mais de cinco anos numa moradia funcional: ele tem até 180 dias para deixar o local, após a data do fato que ocasionou a suspensão e tem direito a um piso salarial. O zelador também pode simplesmente não querer usufruir o imóvel. Neste caso, deverá comunicar ao empregador por escrito e não terá direito a nenhum tipo de pagamento adicional.
Se em algum destes casos, o funcionário ou seus dependentes se recusarem a sair do imóvel, o síndico deve entrar com uma ação de Reintegração de Posse na própria Justiça do Trabalho.
Como se resguardar
A gerente do Departamento Jurídico do Secovi Rio, Solange Santos, explica o que o síndico pode fazer para se resguardar quando há moradia funcional no edifício: “O primeiro cuidado a ser observado é a concessão da moradia apenas após o término do período de experiência, afinal, é preciso ter muita confiança no funcionário. Além disso, os dois lados devem se adaptar à convivência. Caso haja problemas, irá ocorrer dificuldades para desalojar o empregado depois”.
Além de estar sempre atento às horas extras desnecessárias, Solange cita que o síndico não deve incomodar o zelador em seus momentos de descanso. Ela também dá um outro alerta: “a moradia funcional integra as partes comuns da edificação, portanto, sua conservação e manutenção são de responsabilidade do condomínio. No entanto, é importante registrar que os danos causados ao imóvel por culpa ou dolo do empregado, autorizam o condomínio a buscar seu ressarcimento. Não se aplicam a esta hipótese os danos decorrentes da ação do tempo”.
Texto: Mario Camelo
Foto: Marco Fernandes