PUBLICIDADE

Administrando tesouros

Por Cidades e Serviços
Última atualização: 29/01/2013
,

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

Qual é a sensação de entrar em casa todo dia e se sentir num verdadeiro museu? Escondidos em meio a arranha-céus e edifícios comuns, alguns prédios residenciais do Rio de Janeiro são obras de arte da arquitetura que, muitas vezes, passam despercebidas ao olhar do carioca. Imponentes e em estilos variados, estes prédios guardam histórias e belezas de imenso valor para o estado. Morar nestes lugares é um privilégio, mas há um preço a se pagar, como um gasto maior com taxas de manutenção, e até algumas restrições incomuns. Se para um morador isso já pode soar como sinônimo de problema, imagine para o síndico.

Administrar um condomínio que constitui um pedaço da memória da cidade não é uma tarefa fácil. No entanto, este desafio é encarado com tranquilidade para administradores como Walid Seva. Síndico de um dos prédios mais emblemáticos da cidade, o Edifício Flamengo, ele vê a tarefa como uma regalia. “Como morador, posso dizer que é muito bacana viver num lugar que tem tanta história. Como síndico, reconheço que administrar é difícil, mas o esforço compensa”, diz.

O Edifício Flamengo, batizado inicialmente de Edifício Seabra, é um belo exemplar da arquitetura eclética. A construção – na época o segundo prédio da Praia do Flamengo – começou em 1927 e foi concluída em 1930, sob a batuta do italiano Mário Vodret. Encomendado pelo comendador português Gervásio Seabra, o Seabra possui dez andares com quatro unidades – de 160 e250 metros quadrados-, cada e uma cobertura de cerca de dois mil metros quadrados. A imponente fachada é  inspirada em um castelo da região da Toscana. De cinza forte, ela tem uma aparência misteriosa, e é cheia de detalhes sem muita simetria, característica do estilo eclético. No seu interior, o hall principal impressiona pela beleza. O chão é de mármore importado. As paredes são constituídas de óleo de baleia e apresentam enigmáticos desenhos. Para coroar tanta pompa e circunstância, um imenso e belo lustre de ferro abrilhanta o saguão. “É um edifício muito especial. Frequentemente as pessoas param na entrada e ficam admirando. Perguntam se é igreja, se é museu. Muitos turistas vêm fotografar, assim como estudantes de arquitetura. E claro, há muitos interessados em comprar unidades”, completa Walid.

Morar num lugar como este também significa preservar o patrimônio. E ninguém melhor que o síndico para saber que esta não é uma tarefa fácil. O Seabra é tombado pelo patrimônio histórico do município desde 1996 e os moradores não pagam IPTU desde 2005, no entanto, são eles que arcam com o custo de qualquer reparo. “É uma relação de troca. Agora, por exemplo, vamos ter que restaurar uma sacada. Para isso, precisamos de uma cota extra dos condôminos e não é barato”, explica.

Walid conta que os moradores compreendem este tipo de gasto e outras restrições como o fato de não poder instalar um ar-condicionado comum na fachada. “Quem mora num prédio como esse sabe que terá custos adicionais e alguns sacrifícios. Os materiais são muito mais caros e difíceis de encontrar, pois a maioria não existe mais. A realização das obras também é trabalhosa, já que precisamos de um engenheiro especialista em restauro. Antes de fazer qualquer tipo de alteração, além da Assembleia com os condôminos, também é preciso informar à Secretaria de Patrimônio do município, e posteriormente, à Secretaria de Urbanismo”, diz.

Outro fator negativo é o fato do prédio não ter garagem. “Somente a cobertura possui vagas. Quem mora nas outras unidades precisa alugar uma ou deixar o carro na casa de parentes”, explica Walid, que completa: “o Seabra foi construído numa época muito diferente. Ter um carro não era importante em 1930. Os prédios como moradia ainda eram um conceito inovador. Eu posso dizer, que, se formos colocar os gastos na ponta do lápis, sai mais barato morar num condomínio com vaga, piscina, salão de festas… Mas a satisfação pessoal de morar e administrar um lugar tão cobiçado, tão cheio de histórias, não tem preço”, completa ele, que também pretende implantar um sistema de reservas financeiras para tentar diminuir o custo extra com manutenção.

Tesouro petropolitano
O Palácio Quintandinha, em Petrópolis, é um dos edifícios mais importantes do país e ocupa uma área de 50 mil metros quadrados. Erguido em 1944 por Joaquim Rolla, o prédio de estilo normando e com interior “hollywoodiano” funcionava como hotel aos visitantes do cassino, construído para ser o maior da América do Sul. No final da década de 1940, o jogo foi proibido no Brasil e o prédio de 427 unidades tornou-se residencial. Em 1991, o Instituto Estadual de Patrimônio Cultural tombou o complexo do antigo hotel, seus interiores, mobiliário e a paisagem que o envolve, na qual se destacam o lago e os jardins. Em 2007, o Sesc adquiriu o Palácio, reforçando suas características de espaço cultural, e desde2010, aAPSA é responsável pela administração do condomínio, por meio do serviço Gestão Total.

Atualmente à frente do trabalho, o síndico Artur Henrique Vivas Pignatarao diz que realizou uma pesquisa histórica antes de assumir o cargo em dezembro de 2011, para garantir a melhor gestão do espaço: “apesar de ser um condomínio residencial, o Quitandinha é totalmente atípico. O nosso objetivo é zelar pela manutenção do patrimônio e para isso não poupamos esforços. Uma das medidas adotadas foi a contratação de uma empresa de engenharia que acompanha qualquer tipo de intervenção, para que a arquitetura original do prédio seja preservada”, diz.

No Quintandinha, além de arcar com as mensalidades e com o IPTU, os condôminos também pagam o laudêmio e o foro, taxas obrigatórias para determinadas áreas como Petrópolis, Cidade Imperial. As unidades variam de tamanho, de23 a300 metros quadrados, e o condomínio é cobrado de acordo com a extensão dos apartamentos. A área do cassino é aberta à visitação pública e abriga atrações como um borboletário e uma piscina gigante. “Apesar das taxas e dos visitantes, os moradores convivem bem e respeitam o espaço”, garante o síndico, que também administra dilemas corriqueiros nas instalações: “já aconteceu de termos problemas com empresas de TV a cabo ou telefonia, porque o prédio realmente não tem a estrutura ideal para estes serviços. Obviamente, não se pensava nisso na época em que ele foi construído. Acho que este é o nosso maior desafio, equilibrar a preservação do patrimônio com a modernização.”

Flamengo: reduto da arquitetura
Além do Edifício Seabra, a cidade do Rio também abriga outros prédios residenciais com importante valor arquitetônico como os modernistas Finusia e Dona Fátima (ambos de 1952), em Copacabana; o art déco Ribeiro Moreira (1928), também em Copacabana; e o conjunto modernista do Parque Guinle (1948), em Laranjeiras. Mas é no Flamengo que estão exemplares como o Edifício Tucumã, neoclássico de 1937; os prédios art decó Itaiúba e Hicatú, de 1933; o São João, de 1942; e em especial o Biarritz, de 1940.

O art déco Biarritz, assim como boa parte dos prédios antigos da cidade, é inspirado na arquitetura francesa, e foi desenhado pelo renomado Henri Sajous que copiou um edifício da Avenida Montaigne, em Paris. Ao todo, são 20 apartamentos de tamanhos variados, além de duas coberturas com cerca de mil metros quadrados, cada. O prédio também é tombado pelo município desde 2000, no entanto, os moradores ainda pagam IPTU.

Por lá, quem controla o condomínio com mão de ferro é Marileusa Marchetti. Síndica há mais de dez anos, ela assumiu o posto há cerca de dois. Durante este tempo, fez mudanças significativas, como por exemplo, a inclusão da coleta seletiva na rotina do condomínio, a reforma do depósito de lixo, a troca das lâmpadas por outras mais econômicas e a instalação de sensores de presença na garagem. “O condomínio já precisa gastar muito com pequenos reparos. Temos que poupar de alguma forma. Também queremos a isenção de IPTU”, explica ela, referindo-se ao incentivo fiscal oferecido pela prefeitura nestes casos.

Marileusa conta que, assim como todo prédio antigo, o Biarritz também apresenta problemas como vazamentos, desgastes do tempo e necessidade de pintura. “Recentemente, fizemos uma reforma nos toldos da fachada da frente e ainda vamos fazer outras melhorias, como instalar câmeras, trocar vidros, espelhos… Tudo isso exige um custo muito alto e também demora, pois temos que comunicar à prefeitura qualquer tipo de alteração.”

A charmosa fachada do Biarritz, com balcões arredondados e grades de ferro fundido, tem dois lados iguais: um de frente para a Praia do Flamengo e o outro voltado para o interior do edifício. Ambas são tombadas, assim como o jardim interno. As caldeiras originais ainda funcionam como se fossem novas e são responsáveis por um dos gastos mais altos do condomínio, a conta de gás: “cuidar de um prédio antigo é muito mais complicado, mas temos fundo de reserva e, ainda bem, contamos com a cooperação dos moradores”, explica Marileusa.

Um caso diferente
Ainda no Flamengo, na Rua Senador Euzébio, há mais de dez anos, o responsável pelo condomínio do Edifício São João é o médico Bernardo Furrer. Assim como os demais síndicos, ele também convive com a rotina de gastos mais altos e cotas extras. No entanto, o prédio, um exemplar art déco, não é tombado e a gestão funciona nos moldes de um edifício comum, apesar da importância arquitetônica.

“Como o prédio é antigo, as reformas obviamente são frequentes. Recentemente, tivemos que quebrar um piso de ladrilho hidráulico que não existe mais. Para repor, encomendamos um caríssimo. No geral, a maioria dos condôminos aceita bem os gastos extra, outros nem tanto. Alguns entendem que é um prédio com características especiais, que precisa de materiais diferenciados. Outros não. Por mais que haja uma tolerância muito grande, alguns moradores não se poupam de fazer da forma mais econômica em detrimento das características originais do prédio”, explica ele, que pondera: “mesmo assim, apesar destes ajustes, nunca fizemos nenhuma reforma drástica, os serviços são somente de manutenção.”

O síndico lembra que o valor histórico é um atrativo a mais na valorização das unidades, no entanto, outras questões são mais importantes: “muita gente valoriza a história do prédio e isso é um diferencial, mas hoje, acho que são outros fatores que contam quando se mede o preço de um imóvel.”

O São João tem 26 unidades e foi desenhado, inicialmente, para servir de apart-hotel. Depois, tornou-se residencial. Assim como a maioria dos prédios da época, foi erguido para servir de moradia a uma única família. Com o passar dos anos, os apartamentos foram vendidos e alugados. “Preservar e administrar um patrimônio tão importante como este para a cidade é quase uma tarefa de cidadão. Nos deixa orgulhosos morar aqui e manter viva a imagem tão bela do Rio Antigo”.

 

Curiosidades dos edifícios

> O Edifício Seabra conserva os elevadores originais, exatamente do jeito que eles foram instalados, em 1930;

> O Edifício Seabra já foi tema do livro “Palais Seabra”, lançado na França pela escritora Maria Araújo, também moradora do prédio;

> O Palácio Quitandinha até hoje mantém a decoração original feita por uma designer de Hollywood;

> Nos tempos de cassino, estrelas como Errol Flynn, Orson Welles, Lana Turner, Henry Fonda, Greta Garbo, Carmen Miranda, Walt Disney, e políticos como Getúlio Vargas e Evita Perón freqüentaram suas dependências;

> Algumas cenas da minissérie “Dercy de Verdade”, inspirada na atriz Dercy Gonçalves, foram gravadas em um dos apartamentos do Biarritz;

> Cada apartamento do Biarritz conta também com um depósito de seis metros quadrados na garagem para guardar pertences dos moradores;

> Construído durante a Segunda Guerra Mundial, o Edifício São João possui abrigos subterrâneos para a proteção dos condôminos;

> Os materiais empregados na construção do São João incluem dobradiças importadas da Tchecoslováquia.

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE