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Distrato na compra de imóveis

Por Cidades e Serviços
Última atualização: 13/10/2020

materia 04
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Juliana Marques

Diante da grave crise econômica que o país enfrenta nos últimos meses, a alta da
inflação comprometeu significativamente o poder de compra do consumidor e os
índices de desemprego. Para quem comprou um imóvel na planta e perdeu o
emprego, é praticamente impossível seguir pagando as parcelas mensais para a
construtora durante a obra. E quem está desempregado ou recebendo uma renda
menor do que a habitual também pode ter dificuldades em obter o financiamento
imobiliário junto a banco, diante disso, fazer o distrato do imóvel é a única solução.

A quebra no contrato de venda de um imóvel, também conhecido como distrato, ocorre
quando o cliente desfaz o negócio com a construtora, desistindo da compra antes de
quitar todas as parcelas assumidas. Ao distratar, todo o compromisso referente ao
contrato de venda de imóvel é encerrado. Atualmente, a maioria dos distratos no
mercado imobiliário acontece de forma unilateral, ou seja, por iniciativa dos
adquirentes.

Quando isto acontece, normalmente o comprador comunica à construtora sobre a
desistência do imóvel formalizando por escrito. Mesmo estando inadimplente é
possível pedir o distrato. Pela antiga lei, o critério em caso de distratos previa a
retenção de cerca de 20% do valor já pago como multa. Mas, como não havia
nenhuma lei definitiva para regular o assunto, o cliente entrava na justiça e, na maioria
das vezes, ganhava o direito de receber integralmente o seu dinheiro de volta. Por se
tratar de uma relação entre empresa e consumidor, a legislação sobre o contrato de
venda de imóvel acabava recaindo sobre o Código Civil e, principalmente, sobre o
Código de Defesa do Consumidor. Geralmente esses códigos tendem a proteger
apenas um lado, pois consideram o comprador como o elo mais fraco da relação, o
que afetava negativamente a situação financeira das construtoras e incorporadoras.

Sem uma regulamentação específica para tratar o tema, os distratos têm gerado
longas disputas judiciais entre construtoras e compradores. O assunto é vagamente
mencionado pela Lei de Incorporações Imobiliárias, um texto de 1964, que teve
apenas uma atualização pouco significativa em 2004. Dados da Associação Brasileira
das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) mostram que em 2018 26% das unidades
vendidas no país foram objeto de distrato.

Diante disso, os representantes do setor da construção civil alegavam que a
devolução com base nos valores pagos acabava trazendo muitos prejuízos às
empresas, já que alguns custos que consideram o valor total do imóvel, como a
corretagem, por exemplo, são pagos integralmente no momento da venda. Desde
2016, empresários e entidades da construção e mercado imobiliário pedem a adoção
de critérios que levem em conta o valor do imóvel, o valor pago por quem está
desistindo e o tempo.

Pela primeira vez, construtoras, incorporadoras, órgãos de defesa do consumidor e
Governo chegaram a um acordo para formular uma legislação definitiva para tratar as
anulações de venda de imóvel. A nova Lei do Distrato, aprovada no final de 2018,
trouxe mais segurança jurídica ao setor porque prevê condições específicas para tratar
o cancelamento da venda de imóvel. A alteração legislativa atendeu a anseios antigos
da maior parte dos incorporadores de imóveis.

Segundo Lianna Calixto Nogueira, diretora da Construtora Torre Arquitetos
Associados, a nova lei trouxe como benefício a não banalização do distrato, pois, de
forma clara e transparente a ambos os lados, a construtora tem segurança de que seu
empreendimento não será prejudicado por excessivos distratos e que o processo
normal de desenvolvimento da construção será seguido, sem sobressaltos que muitas
vezes impossibilitam o fluxo normal de recursos para chegar ao final do prazo
determinado. “Ocorre que anteriormente, havia ausência de regras. A construção de
um prédio envolve um investimento grande e o número elevado de distratos prejudica
o planejamento das empresas”, declara Lianna.

O que muda com a nova lei
A nova lei 13.786/18, que alterou a lei 4.591/64, endurece as regras para o
consumidor que desiste de comprar um imóvel após ter dado entrada no
financiamento. Agora ele terá que pagar 50% do valor já pago pelo imóvel como multa,
e não mais 20% como era praticado antes.

O projeto também prevê novas regras para outros encargos e fixa a tolerância de seis
meses de atraso para as construtoras entregarem os imóveis sem pagar multa para o
comprador. Depois desses seis meses, o comprador poderá rescindir o pacto e
receber todos os valores pagos corrigidos em até 60 dias após o distrato, sem sofrer
qualquer retenção por parte das construtoras. Mesmo nessa hipótese, ou seja,
desistindo da compra, é cabível a indenização por danos materiais e até morais. Caso
escolha continuar com o empreendimento mesmo com atraso na entrega do imóvel, o
mutuário receberá uma indenização de 1% do valor pago à incorporadora para cada
mês ultrapassado do prazo.

É importante deixar claro que, nesses casos de atraso, a opção entre fazer o distrato
do imóvel ou permanecer contratado e exigir indenizações pelo descumprimento
contratual é exclusiva do comprador e não cabe ao vendedor dizer se aceita ou não a
devolução ou escolher o que pretende oferecer. A escolha é do cliente.

Além da multa, que pode chegar a metade do valor total, também serão descontados
do consumidor a comissão de corretagem, impostos, taxas de condomínio e, caso a
desistência ocorrer após o comprador começar a morar no local, poderá ser cobrado
valor como uma espécie de aluguel a ser decidido pela Justiça.

O repasse ao consumidor do pagamento de comissão de corretagem só é permitido se
de fato tenha havido a contratação de uma imobiliária, ou seja, é necessário que
ocorra efetivamente o serviço de intermediação (aproximação de vendedor e
comprador). Se o consumidor foi até o local do empreendimento e foi recepcionado
por corretores, o repasse da corretagem é indevido e mesmo aquele que desistiu da
compra do imóvel, poderá requerer a sua devolução através de uma ação judicial.
Há também a possibilidade de o comprador não receber nenhuma multa ou custo
adicional quando ele desiste da compra em até sete dias ou quando encontra um novo
interessado em assumir a dívida e o imóvel. Neste caso, o cliente substituto ficará com
todos os direitos e obrigações do original e precisa ser aprovado pela construtora. Já
se o cliente apenas devolver as chaves, será preciso ter paciência para reaver o
dinheiro de volta. Caso o imóvel seja construído no regime de afetação, ou seja,
quando o incorporador em razão de uma atividade específica separa um determinado
patrimônio visando garantir a entrega das chaves, o cliente será reembolsado em uma
única parcela em até 30 dias após o habite-se (autorização para que os compradores

possam ocupar o imóvel). Neste caso, o cliente terá de esperar a conclusão do
empreendimento, mas, caso o projeto não seja nesse regime, a devolução do dinheiro
ocorrerá em até seis meses após a assinatura do distrato.

Na opinião de Rodrigo Moulin, advogado especialista em direito imobiliário, o ideal
para ambas as partes é que seja feito um acordo. “O assunto deve sempre ser tratado
com a assistência de um advogado, que antes de entrar com a ação deverá notificar a
construtora acerca da possibilidade de um acordo. Em caso de negativa da
construtora, aí sim deverá ser proposta em seguida uma ação judicial”, defende.

É bastante comum as construtoras realizarem acordos com os consumidores para
devolução de valores logo que são acionadas judicialmente. Mas, é imprescindível que
o consumidor seja assessorado por um profissional com especialidade na área,
garantindo assim, a solução do problema e de seus direitos, como eventuais
indenizações por danos morais, materiais ou qualquer outro prejuízo que tenha
sofrido.

Por que a legislação é tão importante?
O distrato é prejudicial para todos. Para o cliente, é o fim do sonho da casa própria.
Para as empresas, é um problema que prejudica sua situação econômica e pode
colocar em risco a existência do negócio. Logo, uma legislação que esclareça
definitivamente as regras para o distrato imobiliário é essencial.

A nova medida buscou encontrar um “meio termo” entre os interesses das empresas e
dos consumidores. De acordo com Lianna Calixto, é importante regular o distrato para
evitar a continuação do cenário atual, de completa incerteza: “acredito que o distrato
deva ser amplamente discutido entre a construtora e o proprietário, de forma a dirimir
possíveis dúvidas e evitar discussões futuras. O cliente no momento da compra tem
que estar ciente das consequências de um futuro distrato, o que protege a ambos em
caso de futuros sobressaltos”, finaliza.

No contrato de compra, é essencial que as obrigações do comprador e do vendedor
em relação à negociação que está sendo realizada fiquem bem claras. Por essa razão,
a elaboração do documento é uma atividade crítica e, portanto, deve ser
acompanhada por um advogado com conhecimentos nesse tipo de transação de modo
a evitar qualquer equívoco.

Para Valter Vivas, advogado especializado em direito empresarial e imobiliário,
transparência e informação são as bases para uma negociação adequada. “O
incorporador tem de fornecer todos os dados e detalhes envolvidos no negócio, agindo
com clareza e boa-fé. O comprador tem de ficar muito atento, agindo com consciência
e estratégia, e buscando a melhor negociação no momento da compra. A pessoa não
pode sair de uma negociação com dúvidas sobre o que realmente realizou”, defende o
advogado.

Assim como o vendedor deve ter cuidado na elaboração do contrato, o comprador
deve analisar muito bem o documento antes de prestar firma, a fim de evitar que
assuma alguma responsabilidade que não seja sua. “Acredito que a alteração na lei
vai resultar em uma mudança comportamental do comprador que reduzirá as compras
por euforia e investirá mais em conhecimento e planejamento”, afirma Valter.

Fazer uma simulação de financiamento antes de comprar o imóvel na planta ajuda a
evitar situações de ter que desistir do sonho da casa própria. Porém, antes de desistir,
você precisa ter em mente que a decisão pelo distrato envolve, necessariamente,
a perda de parte dos valores investidos e, portanto, deve ser pensada com cautela.

Impactos para o condomínio
Para os condomínios, a questão do distrato é prejudicial quando há dúvidas sobre a
responsabilidade de pagamento das cotas condominais, já que o comprador passa a
ser responsável pelo imóvel e todas as suas despesas no momento da entrega das
chaves. No processo de distrato, o comprador pede a suspensão das cobranças de
condomínio e o próprio condomínio deverá passar a cobrar da imobiliária para não ter
prejuízos. “O condomínio deve, ao promover a cobrança, buscar entender em qual
momento está a relação entre comprador e incorporador, especialmente quanto à
entrega das chaves, já qualquer cobrança anterior a este momento é ilegal. A
avaliação desta responsabilidade deve ser feita com auxílio técnico, preferencialmente
por quem advoga neste ramo”, finaliza Valter Vivas.

Não há dúvida de que os distratos mexem com a rotina do mercado imobiliário, uma
vez que a devolução do dinheiro já empregado nas obras compromete o fluxo de caixa
das empresas, mas, por outro lado, as construtoras não sofrem com perdas tão
grandes com este movimento, uma vez que podem colocar à venda novamente a
unidade que retornou ao portfólio.

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